"Escute - disse o director, olhando-o com
ar grave e apreensivo. - Esse país de que
falo é um país na ponta da Europa, sem tino nem gente com bom senso, todos se
digladiam e, pior, já delapidaram todos os recursos. É pena, tem um sol e uma luz
maravilhosos, já lá passei férias uma vez, a melhor cozinha da Europa! –
Raymond McDaniel, CEO da Moody’s, avivava o cachimbo, reapreciando o relatório
que tinha na frente, com a classificação de urgente, a manhã em Washington
raiara tímida dos lados do Potomac, e a emissão da Bloomberg não se calava com
a história do novo corte do rating
português.
-Qual é a urgência,
sir?- sondou Michael Turner, regressara duma missão de monitorização na Grécia,
o chefe, sempre stressado, parecia desencantar nova missão.
-A questão é: um
terço dos bancos espanhóis têm lá activos, a exposição ao risco é grande, o
Steve disse-me que tudo podia acontecer, apesar da
mudança de governo. E depois, os políticos lá não percebem nada de economia, o
novo ministro fala tão baixo que ninguém ouve o que diz, see what i
mean….
Michael sacou do portátil, e fez um download dos relatórios de visitas anteriores, o budget do país era
trash, qualquer vendedor de pizzas de Times Square faria um plano de negócios
melhor. E depois, tudo com base em previsões e estimativas não suportadas, nos
últimos dez anos nunca cumpriram nada do que disseram.
-“Aumento das
exportações em 7%”….estes tipos são uns cómicos. A vender para onde?-
sorriu McDaniel, devorando um cheeseburger com cogumelos, o Tony , funcionário de
ascendência açoreana, ajudava a traduzir o documento em português - Mistura de Chicago boy e Keynes! O Paul
Krugman bem lhes tem malhado no New York Times!- confidenciava com Tony. No dia seguinte voltou a reunir com
Turner:
-Li os documentos
disponíveis, e creio bem que só uma severa cura de emagrecimento na
Administração deles pode ajudar a reduzir o défice. Mas um stimulus plan é
necessário, actuar sobre o emprego e dinamizar o investimento público. Reduzir
taxas do imposto sobre as empresas e a despesa corrente- Turner ia
debitando, a Grécia reagira de forma difusa, mas trabalhar com os gregos era
complicado, trapaceiros, as estatísticas não eram fiáveis. Ah e teria de haver
acordo consensualizado para um plano a 3 anos, recomendava a bold, no memorando
que agora entregava. McDaniel franzia o sobrolho:
-Isso é que é pior!
Sabe como é, Michael, latinos, lá a política é feita na base do soundbite, é
preciso muita pachorra. Temos de lhes dizer o que fazer deixando sempre a ideia
que foram eles que decidiram. Any way, eles é que sabem. Vai ser
necessário um segundo bailout, como com os gregos…
O telefone interrompia a conversa, o governo em Lisboa
barafustava, e ameaçava não cumprir com as recomendações formuladas uma semana
antes, depois dum meeting com o novo local Treasure Secretary em Lisboa.
-Michael, estes
tipos estão a deixar-me exasperados. E ainda por cima pensam que são smart
guys. O défice real é 7,7%, diziam ser apenas 5,9%, mas disfarçaram alguns
itens. Como os gregos, estão a ver. É o que dá deixá-los entrar no clube sem
terem condições. -Raymond aproveitava para dar umas tacadas de minigolfe na alcatifa do
gabinete, era bom para o stress.
-Os alemães têm
muita culpa nisto, criaram o euro mas esqueceram-se dos mecanismos de
regulação. Foi até à primeira crise! - perorou Turner, professoral, da escola de Yale- e nós também não podemos falar muito….o
Madoff…
-Well,
well, that’s diferent, we always knew….- desvalorizou McDaniel
-Sabíamos?- Michael pasmou, melhor
seria tornar ao dossiê Portugal. Raymond, sentando-se na secretária, de mangas
arregaçadas, gizou um plano:
-Vai fazer-se o
seguinte, já combinámos com o ministro alemão, o Schauble: ele chama os
políticos de Lisboa a uma reunião, assinam um documento em como se vinculam a
tudo o que propusermos, e nós respondemos, dizendo que vamos respeitar a
soberania deles, como sempre fazemos aliás, pelo Natal talvez subamos um
nível, em sinal de boa vontade…
-Of course…- sorria Turner, quatro anos na
função já lhe dera traquejo destas coisas, na Irlanda até fora giro,
comemoraram tudo com Guiness no Temple Bar. McDaniel continuou:
-Eles lá, entretêm a
opinião pública, falando do interesse nacional, and stuff like that.Mas, first
stage: despedir funcionários públicos, congelar os vencimentos e privatizar as
empresas do governo enquanto estivermos neste nível, há aí uns fundos de
pensões de Dallas que querem comprar, cheap. Depois segue a segunda tranche.
Ah, e os nossos rapazes têm de acompanhar o plano com minúcia, Michael você vai
para lá, olhe marque reuniões com um tal Catroga, é um velho bem disposto e é
amigo do prime minister. Leve-o a jantar, e vá-lhe dando instruções, como se
fossem ideias dele. Com um bocado de sorte ele ainda lhe tira uma foto com o
telemóvel, é um brincalhão! Tocou o telefone, entretanto:
-Sim?....Yes…Yes…Oh
No!-
Raymond franziu o sobrolho,
o jantar com o George Soros teria de ser adiado, maldito lugar, caíam ali todos os aflitos, se soubesse teria
aceite a presidência da Wall Mart, bastante mais tranquila.
-Algo de grave,
sir?- Turner tentou perceber, algo grave se
passava.
-A Espanha! O BBVA
entrou em bankrupcy,por causa de exposição aos activos portugueses. Não
tínhamos previsto!. Malditos europeus!
Finda a reunião, regressaram agitados aos gabinetes, o telemóvel não parava de tocar. Ameaçava chover em Washington, e a adrenalina diária invadia
os gabinetes da Moody’s Investors Service.
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