quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Aquele Outubro de 1910 em Sintra



O estafeta apressava-se, correndo com o papel esvoaçando na mão. O telégrafo não parara, pelo ar alvoroçado, seria coisa séria. Tinha de ser entregue urgentemente no Chalet do Nabo, ordenara o chefe dos serviços postais.
-Mensagem para o Sr.Barros Queiroz! -gritou o agitado rapaz, à porta da casa.
A velha Ermelinda, na casa há oito anos, correu a chamar o patrão, que escrevia no escritório:
-Sr.Tomé, é para si! Valha-me Nossa Senhora! Que pressa, rapaz, tem calma que te dá uma coisa!
Tomé de Barros Queiroz regressara de uma temporada nas termas, e descansava uns dias em Sintra, na casa que trocara com Henrique Santana. Os rumores da morte do Dr. Bombarda faziam-no temer que fossem más notícias, ligadas com escaramuças envolvendo os marinheiros. Abriu a mensagem, e depressa o semblante ficou aliviado.
-Conseguiram! Enfim conseguiram!
-Más notícias, sr. Tomé? –sondou a Ermelinda, curiosa.
-Óptimas, Ermelinda, óptimas!
Voltando ao escritório, pegou na bengala e cartola e galgou os metros que o separavam do Largo Afonso de Albuquerque, ao cimo da rua.
-Quando a senhora voltar de Colares diz-lhe que tive de sair, mas que não fique preocupada! - ainda gritou à Ermelinda, acelerando o passo.
A notícia de que o movimento republicano em Lisboa fora triunfante, enviada por José Relvas, deixou-o ufano, como um garoto. Tinha de ser ele a anunciar o triunfo da revolta em Sintra, escrevia Relvas, na curta mensagem. Iriam enviar também João Chagas e Malva do Vale, para confirmar o sucesso das armas.
Chegado ao largo, onde esperaria os enviados de Lisboa, já toda a vila sabia do sucedido, comentando os acontecimentos com júbilo.
-Parece que o rei fugiu para Espanha! E o Arreda está no Alentejo, escondido! -gritou Pedro Costa Azevedo, conhecido republicano, dando voz aos boatos. Barros Queiróz abraçou uns e outros, e conjecturava-se sobre o que viria a seguir, quando uma viatura preta fez soar o ruidoso motor, vinda dos lados da vila. A multidão, que engrossara entretanto, ficou em êxtase, e deu vivas à República e ao Governo Provisório, eram os enviados de Lisboa que chegavam. Um pouco mais perto, porém, descortinaram dois vultos de mulher, de roupa escura, uma com ar absorto e um véu preto sobre um chapéu largo, outra mais modesta, segurando uma mala. Barros Queiróz aproximou-se, curioso, para logo se deter. Era a rainha. D.Amélia, vinda da Pena, que ia juntar-se à Família Real, levada para Mafra na véspera. Assumindo a liderança dos populares, Barros Queiróz pediu silêncio, e que se afastassem uns metros do veículo. Aproximou-se, e descobrindo a cabeça esboçou uma vénia, reverente e discreta.
-Minha senhora….
Ainda marcada pela morte do marido e filho, num fatídico Fevereiro dois anos antes, a rainha baixou os olhos, serena, perante a expectativa dos populares, para após assentimento de Barros Queiróz, passar o veículo, observado em recato pela multidão, até que o pó da terra se dissipou no ar.
Refeitos os ânimos, lá chegaram João Chagas e os demais dignitários, seguindo a pé, com Formigal Morais e Costa Azevedo para os paços do concelho, que apenas meses antes Virgílio Horta inaugurara em honra duns Braganças que agora se esfumavam. Emocionados, subiram ao varandim, Barros Queiróz fitou a serra, a multidão e os companheiros que o ladeavam, e na singeleza das palavras, nesse dia escreveu História em Sintra, a Sintra onde se recolhia para saborear palhetos, e discutir em tertúlias a política que pela sua voz, nesse dia inaugurava um período novo.

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