sábado, 27 de fevereiro de 2016

A poesia do João Afonso:Angústia e Catarse



O João Afonso Aguiar, meu querido amigo e companheiro, lançou o seu segundo livro de poesia em dois anos, “O Tempo da Poesia No Tempo dos Homens”, obra em dois andamentos por onde perpassa uma dolente sinfonia de sentimentos, anseios e emoções.

Dizia Schopenhauer que viver é necessariamente sofrer. Por mais que se tente conferir algum sentido à vida, na verdade, ela não possui sentido ou finalidade alguma, e a própria vontade é um mal. Queremos vencer, desejamos vencer, mas a vontade gera a angústia e a dor e, os mais tenros momentos de prazer, por mais profícuos que possam vir a ser, são apenas intervalos frente à infelicidade. Também Sartre defendeu que a angústia surge no exacto momento em que o homem percebe a sua condenação irrevogável à liberdade, isto é, o homem está condenado a ser livre, posto que sempre haverá uma opção de escolha, e ao perceber tal condenação, sente-se angustiado por saber que é senhor de seu destino.

Escrever é libertar a coisa criada, e deixá-la partir ao seu destino, capturado por leitores nem sempre atentos e turvados pelo momentum do estado de espírito, atento e cúmplice, por vezes, distante e sem partilha dum concreto pathos, por outro.

A poesia do João Afonso, revela-nos em toda a sua nudez as minudências dum ser aflito, mas, mais que aflito consigo mesmo, aflito com este mundo de aflitos, escrevendo para se rebelar perante o Mundo dos Homens, para no fim, nas entrelinhas, deixar no ar um auspicioso sinal de esperança, por muito que todos os poemas estejam capturados por palpitantes desabafos e reflexões, deixando transparecer a beleza de um ser humano profundamente atento e altruísta. É uma viagem espiritual pelas cinzas do Homem-quase, a mim recordando o poema de António Gedeão: 


Inútil definir este animal aflito.

Nem palavras,

nem cinzéis,

nem acordes,

nem pincéis

são gargantas deste grito.

Universo em expansão.

Pincelada de zarcão

desde mais infinito a menos infinito.


Porque “a infelicidade também cansa”.

Um abraço, João!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Da demagogia enquanto valor virtual





O maior paradoxo das sociedades modernas e altamente mediatizadas é que a democracia pode facilmente ser capturada pelo autoritarismo ou prevalecer a sua desvalorização se uma representação de massas de valores ditos democráticos ocupar o espaço público e o espaço da representação política.

Vejamos alguns exemplos. Nos Estados Unidos, em pleno folclore das primárias, o jogo da democracia privilegia o candidato que dela pouco sabe ou pensa poder comprar, o inefável Trump, incrível Hulk da sociedade mediática, prometendo esmagar os vizinhos preguiçosos e o Estado islâmico, seja lá o que isso for na sua testa onde pouco mais cabe que a descabelada cabeleira loura. E os cidadãos espectadores aplaudem, reféns da democracia-ecrã, transformada em reality show de soundbites, mistificações e encenação.

O mesmo se diga da forma como é governada a dita “União” Europeia. A Europa da paz de Schuman e Monet, unida do Atlântico aos Urais, não é mais que uma mera representação de pseudo democracia, dominada pelos poderes erráticos e não eleitos que ao mesmo tempo que posam para a “foto de família” de líderes iguais entre iguais, o fazem quando os grandes já tudo decidiram no jogo dos interesses, assim gerindo uma Europa à beira dos Grexit, Brexit e outros exit que a breve trecho deixarão definitivamente de fora os cidadãos, cansados de não se sentirem representados e sujeitos aos apelos a nacionalismos defensivos de que o internacionalismo dos interesses os não defende.

Também na política doméstica assim sucede, num jogo de máscaras que afasta os eleitores dos eleitos, com a mentira e a dissimulação elevados a valor táctico e o cansaço com a democracia a resvalar para a procura de causas de franja que mais não exijam que mero protesto nas redes sociais ou aglutinados em movimentos inorgânicos.

Este o mundo em que vivemos, de rebeldes sem causa por causa de mavericks e demagogos que descobriram o poder mágico da mentira como maneira de chegar ao Poder e em completo desnorte ideológico e doutrinário, e de ilusionistas manipuladores que transformaram o slogan em doutrina, o vómito em discurso e a imagem virtual em realidade. Nunca a informação circulou tanto e no entanto nunca a cegueira foi tão grande, todos erraticamente deambulando num mundo perdido, como na obra de Saramago, sem encontrar o fogo no topo da caverna, como angustiadamente o procuramos desde Platão. Perante a anomia de uns e a taquicardia de outros, continuamos ligados à máquina. Até quando?

 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Sintra e as modas "new age"


Nos últimos anos Sintra tem vindo a ser objecto do interesse de seguidores de doutrinas mais ou menos new age em torno não do “espirito do lugar” mas, quiçá, dos espíritos do lugar, tendo como inspiração princípios teosóficos e escritos sincréticos. E aí, numa parafernália folclórica mais ou menos de base “científica” se encaixam coisas como o tarô, a meditação, os mapas astrais, cristais, numerologia, gnose, teosofia, acupunctura, homeopatia, sincretismo, busca interior, magia, e outras mais comerciais. Tudo apelando a um tipo de imaginário que permite aumentar as receitas de certos “promotores” turísticos, vendendo uma Sintra de “fadas”, “duendes”, quiçá do Graal, de reinos perfurados na serra ou templários zurzindo contra a moirama, já sem falar dos fantasmas, casas assombradas e pragas propiciadores dum perturbante Hallowwen. A isto os mais crédulos rematam com a ideia de sincronicidade, de que não há coincidências, e tudo tem um significado espiritual, a mente tem poderes e capacidades escondidos que têm significado e as experiências psíquicas são modos de as almas se expressarem. A certas localidades são atribuídas propriedades especiais de energia, (os vortex ou portais) e esses locais são considerados sagrados e têm propriedades especiais.

Esta outra Sintra que uma serra frondosa e noites de luar cintilante ajudam a (re)criar é hoje alvo de múltiplas abordagens, desde os “poços iniciáticos” da Regaleira aos “djins” do castelo dos Mouros, da natureza rosacruz do Chalé da Condessa às influências maçónicas da Pena, dos templos do Sol na Vigia aos cultos ancestrais de povos antigos. E aqui é onde ciência e superstição se entrelaçam, em prol das agências de viagens e dos vendedores de souvenirs ou passeios temáticos. E há para todos os gostos. Sintra é um microcosmos onde os deuses se reúnem em festim à sombra da lua argêntea e os homens tremem, temendo o tritão da Roca. Estranhem ou entranhem, sorrindo ou palpitando, visitem, sobretudo. Sintra não é um lugar, é uma experiência.