terça-feira, 31 de julho de 2012

Cultura no Sintra Canal

Depois de algumas semanas de intervalo, retomei a edição de "O Outro Lado do Monte da Lua", no Sintra Canal. Desta feita, e em 2 partes:
Entrevista com Miguel Anastácio, director artístico do Sintra Estúdio de Ópera, fundado em 2005, e que inclui, entre outros, o Ensemble Barroco e a Orquestra de Câmara de Sintra.
Entrevista com Raquel Ochoa, escritora residente em Sintra, autora de "O Voo dos Outros "(2008) "A Casa Comboio"(2009, Prémio Agustina Bessa Luís) e de biografias do cantor Bana e de D.Adelaide de Bragança, e hoje já um valor emergente no panorama literário nacional.
Recomendações de Verão: as peças em cena na Quinta da Regaleira: "Romeu e Julieta" e "Alice no País das Maravilhas"

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Para depois da silly season


Aproxima-se o Agosto e a chamada silly season- se bem que ao longo do ano muitas questões bastante silly tenham dominado o espaço mediático. Para a rentrée parecem ficar as novas leis sobre as autarquias e a reforma das freguesias, que prometem animar o Outono antecedendo um ano eleitoral onde muitas danças de cadeiras vão ocorrer pelo país fora.
A questão dos executivos monocolores deverá ficar assente, tudo dependendo do real poder que seja cometido às assembleias municipais na sua função fiscalizadora e de censura dos executivos. Igualmente, saber se os vereadores terão de ser escolhidos de entre eleitos da Assembleia Municipal ou poderão ser de livre escolha do presidente da Câmara. A questão das freguesias também vai animar, e, talvez a montanha venha a parir um rato no meio das excepções e casos pontuais que se virão a colocar.
No que à impossibilidade de autarcas com 3 mandatos virem a concorrer concerne, convinha saber se isso é extensível a vereadores, membros da assembleia municipal e das juntas, ou só aos presidentes. Se assim for, parece-me claramente inconstitucional e discriminatório apenas para um segmento de autarcas. Também a questão das comunidades intermunicipais merecia mais aprofundamento e saber se servem para alguma coisa ou apenas criar um sucedâneo dos governos civis ou das CCDR. Questões para ir pensando, esperando que as soluções finais sejam coerentes e em prol das populações e não apenas um jogo de forças entre os partidos do arco constitucional.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Western em Colares este fim de semana

A Associação Western de Portugal (AWP) em conjunto com o Café Sala da Folha (em Colares/Sintra, perto da igreja matriz e coreto), a Junta de Freguesia de Colares e a Câmara de Sintra, vão realizar no próximo fim de semana a PRIMEIRA FEIRA E EVENTO WESTERN em Portugal!
Será um evento que vai ocorrer a 28 e 29 de Julho em que muitos participantes se irão vestir a rigor, de acordo com a época. Entre os eventos, que decorrerão das 14h30 às 23h, no sábado, e 14.30h às 20h no domingo, poderá ser apreciada Dança Can Can, um workshop de fastdraw (saque rápido),Gunspining (malabarismo com armas),3 sessões de escapismo com a colaboração de Nelson Bret (ilusionista), encenações teatrais de acontecimentos da época, contando ainda com bancas de venda de artigos relacionados com a época.
Dia 28, pelas 22h, haverá um concerto de Snakes & Lizzards e no dia 29, pelas 17h, banjo por André Dal.
A Alagamares terá uma pequena intervenção, através duma palestra sobre a História e figuras de Colares, domingo, 29, pelas 16h, por Fernando Morais Gomes.
Apareçam e divirtam-se!

domingo, 22 de julho de 2012

De Utoya ao Colorado,a violência das armas


Passa hoje um ano sobre os repugnantes atentados de Oslo e Utoya e dois dias apenas  depois de um outro tresloucado ter abatido 12 pessoas em Aurora, no Colorado, o que coloca de novo a premência da discussão em torno do acesso e facilidade com que se adquirem e usam armas de fogo, muitas vezes proibidas mas cuja compra não é reprimida ou eficazmente controlada.
Nos Estados Unidos, a segunda emenda da Constituição garante o direito dos cidadãos americanos a terem acesso a armas, e o Supremo Tribunal tem sido tendencialmente a favor do seu uso e porte por civis, nas ocasiões em que surgiram tentativas para limitar o seu uso e aquisição em alguns estados e cidades.
Nos Estados Unidos há mais de 300 milhões de armas de fogo nas mãos dos cidadãos, e massacres, como o ocorrido em Aurora, no Colorado, prometem reabrir o debate sobre esse direito garantido pela Constituição.
O massacre de Aurora, onde um homem matou 12 pessoas e deixou mais de 50 feridos durante a ante-estreia do filme 'Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge', é o mais trágico desde o massacre de 33 estudantes na universidade Virgínia Tech em 2007, e aconteceu apenas a 20 quilómetros do massacre no instituto Columbine, onde dois alunos mataram 13 pessoas antes de se suicidarem em 2009, e que originou um premiado filme de Michael Moore.
Obama, que manteve o silêncio sobre a posse de armas durante todo o seu mandato, acredita que é preciso tomar medidas de bom senso que protejam os direitos da Segunda Emenda, assim como as limitações das vendas de armas de fogo presentes nas leis actuais, o que continua a adiar uma decisão clara num dos países mais violentos do mundo e onde a imagem do cowboy que atira primeiro e verifica depois ainda não saiu do imaginário e do código genético dos desbravadores da América. Ao contrário, desde 2009 o direito a possuir armas aumentou em algumas áreas, como nos parques nacionais e nos comboios da Amtrak.
No final de 2011, segundo a Gallup, 73%, dos americanos eram contra a proibição da posse de armas de fogo no país e apenas 26% eram a favor da proibição, sendo que há 20 anos esse número ficava em 41%.
Depois de Utoya, Aurora, Columbine e dos milhares de exemplos que diariamente pululam nos jornais, há que reforçar a luta pela limitação do uso de armas para fins violentos e que possam perigar outros direitos mais sagrados ainda, como o da vida e da segurança.

sábado, 21 de julho de 2012

Resistir

Nestes dias de chumbo, apesar da brisa mediterrânica e do inferno dos fogos, alguma nostalgia dos tempos em que os amanhãs cantavam. Para quem desconheceu a falta de liberdade, a emoção do que vale a sua conquista, e queira viver para causas e não por causa, há que encontrar um rumo e encontrar forma de deixar um cunho de revolta geracional. Para motivação, deixo este clip da grande Germaine Sablon, recomendando que, se não se forem enfiar na praia ou depois dela, vejam ou revejam"1900", de Bernardo Bertolucci. Fresco e refrescante.



sexta-feira, 20 de julho de 2012

O homem que amou Portugal


Empolgado sobre uma pedra na ponta de Sagres, perorava Hermano Saraiva sobre ser dali que o infante D.Henrique via partir as naus em direcção a África, quando um incrédulo cameraman lhe perguntou como podia ter a certeza de ser aquela a pedra, ao que o professor respondeu:”e você vê aqui outra pedra onde pudesse ter sido?... José Hermano Saraiva, um conservador apaixonado pela História de Portugal, descrente da democracia mas coerente, e, acima de tudo patriota, teve o condão de, mais que historiador, (que o foi e com mérito), ter sido um comunicador, que levou a divulgação da História de Portugal a casa das pessoas, de forma apaixonada e viva, não obstante certas polémicas, a que, como qualquer outro estudioso, tinha direito. Um português de outros tempos, que deixa vazio um espaço televisivo e a valoração da nossa história menos visível.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O Sindroma Titanic


Nos agora loucos anos 90, anos de vacas gordas, quando o futuro era risonho e ilimitado, assistimos ao triunfo do hedonismo individualista, do consumismo desenfreado, dos empregos sorridentes e da abundância ilimitada. O progresso era uma questão de tempo, e a curva dos rendimentos sempre ascendente. Sob o signo do estradismo cavaquista fizeram-se vias e pontes, os hipers cresceram como cogumelos, Punta Cana e Cancun estranharam a presença inusitada de tantos portugueses.
Posta a ressaca e um despertar entre náuseas estranhas, alguma contenção foi recomendada, pouco escutada porém. Passado algum tempo, a dose aumentou, e os atarantados consumidores de telemóveis e playstations entreolharam-se ante o que se estaria a passar, quais passageiros da primeira classe do Titanic depois do primeiro embate, ainda a música fluía e o champanhe inebriante jorrava. Num ápice, tudo se desmoronou, os sorrisos desapareceram, os amanhãs ficaram nublados e, qual bruma tenebrosa atrás de cifras indecifráveis e títeres movendo-se entre gráficos, o barco começou a meter água, a música parou, os criados fugiram, e, com um comandante sem sinais no radar, os passageiros quais zombies procuraram uma saída redentora. Alguns lançaram-se já à água, em busca de destinos mais risonhos, outros aguentam ainda na fila para o salva-vidas, onde nem velhos nem mulheres estão primeiro, a maioria raciona os poucos víveres e reza por um bote que lhes devolva a Ítaca perdida, antes a um passo, e agora, distante e minúscula, encerrada num passado recente e cada vez mais longínquo. Como o ser de Platão, capturada a luz, deixámo-la escapar, e, chamuscados, regressamos ao negrume das trevas, esperando um sebástico raio de luz que de novo permita  espreitar a luz, sem risco de cegar.
Com o medo latente e de volta, proféticos velhos do Restelo anunciam de novo caminhos esconsos, e, na ânsia de sobreviver, valores antes basilares ameaçam ser facilmente escamoteados, capturados por hordas vorazes. Agora os rendimentos, os direitos básicos depois, a democracia, por fim, até que alguém feche a luz e bata com a porta. Vamos fechar as portas que gerações de lutadores deram a vida para abrir?
É denso o nevoeiro no Titanic-Portugal. Há porém que fazer do madeirame podre jangadas, dos lençóis velas e com os náufragos de novo sulcar o mar-oceano. Essa a tarefa hercúlea desta geração. Como sempre, ao longo da nossa História.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um Centro de Alto Rendimento para o Bodyboard na Praia Grande


Desde há alguns anos que a Praia Grande tem vindo a ser o destino e cenário escolhido por inúmeros praticantes portugueses e estrangeiros do bodyboard, dada a qualidade das ondas e o entusiasmo dos praticantes. É diária e massiva a afluência, o que traz alguns desafios: por um lado, a necessidade de dotar a praia de balneários onde os inúmeros praticantes possam trocar de roupa e deixar os pertences, sobretudo os que não se deslocam de carro. Por outro, providenciar na Praia Grande um centro de alto rendimento para o bodyboard e desportos conexos, com programas de treinos, escola, divulgação e ponto de encontro de praticantes. Dada a centralidade do local, seria por certo uma mais valia e reforçaria a possibilidade de organização de mais eventos e gerar um pequeno cluster de desportos a ele associados nessa zona balnear. Fica a ideia.





terça-feira, 17 de julho de 2012

A estátua

José Alfredo acelerava Estefânea  abaixo fugindo a uma chuva miudinha que desde manhã ameaçava dos lados da praia e rápido se abrigou no hall do Jornal de Sintra onde levava mais um dos seus poemas, assinados como Zé da Vila. Desde que escrevera no jornal contra as intenções do Conde de Sucena de ajardinar Seteais e levara as gentes da Vila a tocar o sino a rebate, dedicava-se com denodo a despachar para o jornal artigos  sempre acutilantes. Quando o Zé Alfredo não escrevia, nada se passava no burgo. Já protegido da chuva, cruzou-se com o Mário Reis e o Medina, que escutavam um poema da Maria Almira, finalista de Letras e orgulho do pai babado.
-É sempre a mesma coisa, ó Zé, o chapéu ficou esquecido em casa - saudou o Medina, riso largo e voz quente, dando uma palmada nas costas secas do Zé.
-Chapéu só se for para dar umas “patadas” em certos cavalheiros…-ripostou de imediato, na voz vigorosa e firme.
Aquele ano de 1935 corria ameno e de feição para Sintra. Em Setembro, no Casino, dirigidos por Lafayette Machado, tinham actuado  Auzenda de Oliveira e Fernanda Coimbra, em Novembro as instalações da Pensão Nova Sintra de Miguel Rebelo passaram para a antiga sede do Sintra Club, as noites corriam animadas pelo garboso  Estefânea Jazz, fundado em 1930 pelo José Martins de Oliveira. Estavam na memória as pomposas cerimónias da recepção ao presidente Carmona, no Verão. Tudo corria em paz e progresso, mal se adivinhando que na Europa Central um franzino demagogo se preparava para mudar a História do século.
-Sabe que mais, ó Medina, lembrei-me que cá no jornal vocês podiam lançar uma campanha para erigir uma estátua ao D. Fernando II.
-Estátua? Ó homem, então você, um jacobino encartado, quer alinhar com os talassas? Isso de reis está fora de moda! -alvitrou o Mário Reis, chefe da redacção do jornal.
-Pois é, mas sabe, para mim quem faz pela terra não tem partido nem posto, todos sabem que o homem pôs isto no mapa! -retorquiu o Zé. Além do mais, até o Carmona, que apesar de apoiar esse sacripanta do “Botas” nem é mau tipo, inaugurou uma lápide na Pena em sua homenagem.
-Mérito do Carvalho da Pena! Aquele homem vale o peso dele em ouro!.-atalhou o Medina, abanando a cabeça.
-Escreva o que lhe digo: o Carlos Carvalho percebe mais dos jardins da Pena que todos os engenhocas dos serviços florestais juntos! –perorou o Zé Alfredo, de dedo em riste, logo voltando ao tema. Mas o que acha da ideia da estátua, ó Medina?
-Mas quem poderia esculpi-la? O Anjos Teixeira pai ainda há pouco tempo foi para a terra da verdade. E se quer que lhe diga, está mais fresca a memória do dr. Brandão de Vasconcelos. E não se chamavam cá reis nem rainhas…-ajuizou Mário Reis, velho republicano.
-E punha-se a estátua onde? Na entrada da Pena? -perguntou o Medina.
-Não, não, depois do arco do  Ramalhão, de frente para o palácio. Assim, quem viesse de Lisboa ficava logo a saber a quem se deve isto tudo! -explicou o Zé Alfredo, tinha a ideia bem estudada na cabeça.
-Olhe, ó Zé, esqueça mas é lá isso, vamos é almoçar, que o Alberto Totta chegou agora das Azenhas e trouxe umas perdizes e um tinto da adega dele. Isso é que é de rei, sim senhor! -atalhou Mário Reis, já com um rato no estômago.
E lá foram em direcção à Sociedade União Sintrense, onde Alberto Totta já se adiantava sentado com umas suculentas tiras de presunto e uma garrafa de vinho tinto.
A estátua ficou para as calendas.Com o início da Guerra, outras preocupações sobressaltaram o velho burgo, o país aninhado á sombra do sacristão do Vimieiro virava-se para outras prioridades. Quarenta anos depois, um Zé Alfredo tornado autarca pelo novo poder de Abril voltou à carga e a estátua lá se inaugurou. José Alfredo da Costa Azevedo, republicano e maçon, contra a corrente dos tempos, inaugurava no Ramalhão a estátua a um rei que criara o melhor de Sintra e lutara por um Portugal instruído e atento, contra aqueles que lhe estranhavam tendências monárquicas pelo facto de lembrar não os cargos mas os Homens. Homens Bons.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sobre o testamento vital


Foi hoje publicada no Diário da República a Lei 25/2012 que legisla sobre a figura do testamento vital.
Por “testamento vital” entende-se um documento, escrito por uma pessoa na plena posse das suas capacidades de decisão, no qual são apresentadas instruções sobre o que um médico pode ou não fazer, quando o subscritor do documento não estiver em condições de exercer a
sua autonomia e o seu direito ao consentimento, após informação sobre o seu estado de saúde e sobre o que o médico lhe propõe para a tratar.
Fica claro que, neste documento, a pessoa tipifica, com maior ou menor rigor, os tratamentos que supõe que o médico lhe irá aplicar em futuras situações de doença, em que ela não possa ser informada e decidir. Por exemplo por estar em coma, não podendo receber uma informação médica correcta para poder decidir, dando ou não o seu consentimento. Por faltar esta informação actual sobre a situação real, decidir sobre uma hipótese de doença e uma hipótese de tratamento, envolve os maiores riscos para a pessoa. Pode admitir-se que a pessoa, se pudesse ser informada da real situação em que de facto se encontra, a sua decisão seria diferente da que está no tal testamento.
É também evidente que a redacção deste documento indica que a pessoa que o escreve não tem confiança na capacidade de o médico avaliar bem a sua situação e tomar a decisão mais adequada para proteger o seu melhor bem. Que pode ser, em alguns casos, interromper tratamentos fúteis ou inúteis e ajudar a pessoa, com o cuidado paliativo, a viver o seu processo de morte, com a maior dignidade.
Esta desconfiança não tem, em geral, qualquer justificação. Os médicos já sabem, hoje, reconhecer os limites do esforço terapêutico, sabem avaliar com rigor a possibilidade de cura do paciente e, na sua imensa maioria, dão aos doentes terminais os cuidados paliativos adequados a cada situação. As Unidades de Cuidados Intensivos praticam um trabalho
útil, racionalmente avaliado e eticamente ponderado, pelo que devem merecer a maior confiança dos cidadãos. Ao legislar em Portugal, como sucedeu em alguns países europeus, a legislação tem de tomar em consideração os aspectos mais delicados das pessoas que decidem elaborar um destes documentos. Desde as formas de garantir que a declaração é autónoma, bem consciente e bem informada e que não há pressões externas que enviesem a decisão, até uma disposição clara sobre a impossibilidade de usar o testamento para tentar impor, ao médico, a prática da eutanásia ou do suicídio assistido, a lei terá de estabelecer, de forma juridicamente segura, que o médico vai tomar em consideração o que está escrito no testamento.Mas deveria ficar igualmente escrito que é ele quem tem a última palavra sobre o que vai, ou não, fazer à pessoa que está a seu cargo. Com testamento ou sem testamento, quando um doente não está em condições de receber a informação e de dar, ou não, o seu consentimento, é ao médico que deveria caber a responsabilidade de decidir segundo as boas práticas clínicas. Na prática médica moderna e mais actualizada, a decisão terapêutica é um acto científico, não é um mero palpite do médico, particularmente nas situações de muita gravidade. Conflituando uma opinião actualizada e científica do médico e uma vontade anterior expressa num documento face a um quadro que poderia não ter sido aquele que se depara ao médico no momento de avaliar e intervir, o que deverá eticamente prevalecer?O testamento vital pode ter-se justificado no passado. Mas o progresso da ciência clínica pode torná-lo potencialmente perigoso para os doentes. A teleologia da lei deve ser sempre a defesa da vida humana, ou o seu fim com humanidade. A ver vamos.

sábado, 14 de julho de 2012

Final de tarde na Casa do Cipreste


Decorreu ontem, dia 13, na Casa do Cipreste, em S.Pedro, Sintra, a apresentação do número de Verão do webjornal Selene-Culturas de Sintra, que com grande qualidade e profundidade de abordagem Jorge Telles Menezes tem vindo a dirigir usando esta plataforma de comunicação.
Sendo o número dedicado a Raul Lino, foi nesta casa por si construída e onde viveu que decorreu a sessão, num ambiente mágico em que se pode dizer que Sintra invade a casa por todos os lados, dada a impressiva presença de efeitos cénicos que fazem do espaço um labirinto maravilhoso, sem, contudo, deixar se realçar algo importante:uma casa feita para pessoas e não para mera contemplação estética ou narcisica. O bisneto de Raul Lino, Martinho Pimentel,  fez as honras da casa ao grupo que ali se reuniu e que, no final, escutou um recital de piano com  obras originais de Bruno Béu. Um sarau digno duma Corte na Aldeia, onde a harmonia e o sentido do belo estiveram sempre presentes. Parabéns ao Jorge Menezes pela iniciativa, e por, como Druída de Sintra nos ter contemplado com mais um belo caldo de cultura. Fotos de Maria Bernardino.
O número de Verão pode ser lido em



Sintra,1428


A Feira Medieval que ontem começou em Sintra recria o ano de 1428 e o pedido de casamento da infanta Isabel, filha de D.João I. Voltámos a 1428 e registámos as preocupações desses tempos.
Era luzidia a embaixada para o tratado de casamento: o Senhor de Roubaix e de Erzelles, Balduíno de Lanoy, Thoulongeon, Gil de Tournay,  e Jan Van Eyck, moço da câmara do Duque e  seu mestre de pintura. Van Eyck, o mais notável pintor flamengo do seu tempo, pintava o retábulo da Catedral de Bavon, encomenda do Senhor de Ramela, quando o Duque de Borgonha o encarregou de retratar a noiva, Isabel de Portugal. Interrompendo a obra, que só anos depois retomaria, chegou em Dezembro a Portugal, logo a comitiva passando a Estremoz, onde a Corte se encontrava.
Para Filipe, seria a terceira união. Filipe III de Borgonha, Brabante e Países Baixos, desposara já Michelle de Valois  e Bonne de Artois e em Portugal buscava nova aliança. Isabel, a filha de D. João I foi a escolhida, a lustrosa embaixada faria o pedido formal. A Van Eyck competiria retratá-la, para que Filipe dela tivesse imagem fiel antes dos esponsais em Bruges.
Isabel passara os trinta anos. Única filha de D. João, vivia em Évora desde que a mãe, a doce Filipa de Lencastre se finara, ia para mais de catorze anos. Com El-Rei no ocaso da vida e D. Henrique em plena saga africana, novas alianças políticas se impunham em plena Guerra dos Cem Anos, os interesses do Reino aconselhavam. Por sugestão de D. João, o pedido seria em Sintra.
Van Eyck espantou-se com a vila, mistura de arte mudéjar e mourisca, com as originais e  pantagruélicas chaminés. Uma semana levou retratando a princesa, pouco prendada de feições por sinal. Balduíno de Lanoy ofertou dois cisnes, que muito surpreenderam os locais, pouco familiarizados com tais aves e D. João, agradado, mandou soltá-los nos jardins do Paço.
Jan, tirado das neblinas de Bruges e suas sombrias igrejas, achou familiar a névoa de Sintra, mais serena que o tórrido Alentejo.Com Gennaro, um genovês da corte, criou mesmo amizade nessas semanas, registando retabulares paisagens em óleos pujantes e incisivos. Jan era amante do belo, de influência helenística, com obra plena de profundidade e sombras. Escapando das caçadas e torneios, inspirado retratou o Paço, entre pinceladas no retrato de Isabel.Com o infante D. Pedro, várias vezes hóspede de Filipe e viajante de várias partidas, se entreteve muitas vezes, falando de política e viagens, do Chipre dos Lusignans ou da excitante Morávia. A governança da Flandres era para Pedro exemplar, isso mesmo lhe confessou certo dia no Paço:
-Saiba, meu caro Jan, que à distância da Flandres vi claramente os fortes e fracos do nosso povo. Temos nós o vício da basofia, que todos atrai á corte, enjeitando os filhos as profissões dos pais, afidalgando-se, formando uma nuvem de parasitas que enchem o Paço d’El-Rei e atulham as escadas das secretarias, na esperança dum lugar de escudeiro. Falta-nos economia privada e abusa-se da quebra da moeda, useiro expediente para saldar as contas. Não há que mudar a moeda, há que por cobro às despesas do rei e não esmagar o povo com peitas e impostos. Avisado iria meu pai se ouvisse conselho de quem viajou e ouviu outras gentes.
-Príncipe Pedro, bem vejo que o progresso de vosso reino tendes em grande empenho. Eu me contento com meus óleos, e o serviço ao senhor meu duque, e em breve a vossa irmã, pela Graça de Deus.
-Bem sei, e para a Flandres e Brabante se deveria olhar atentamente. Meu irmão Henrique cuida melhor ser a empresa de África, pois por mim, melhor seria a aliança com os reinos europeus. Minha irmã é avisada, e gostará de Bruges, e de Filipe, estou certo.
No Paço, jantares opíparos com tanger de música e torneios de canas assinalaram por vários dias o acerto dos esponsais, posto o que Van Eyck e os plenipotenciários se retiraram para a Flandres, o retrato estava pronto e o contrato assinado.
Única filha, não foi sem uma lágrima que D. João viu partir Isabel. No dia aprazado, após as vénias, com um sentido beijo  se despediram. Já velho, o de Boa Memória sabia que não mais a tornaria a ver, ao serviço do Reino e da política de alianças. Após semanas de viagem, finalmente Isabel de Portugal chegou a Bruges, aí recebida com pompa  e um cerimonioso te deum. Esperando-a em Ostende, Van Eyck recordou D. Pedro, Gennaro e o irreal céu azul a oeste de Castela.
A 10 de Janeiro de 1430, Filipe enfim desposou Isabel. Dela teve três filhos, dois falecidos de tenra idade, e Carlos, o Temerário, que lhe sucedeu. Para trás, ficaram os cisnes, no Paço de Sintra, vendo-os altivos no lago, muitas vezes D. João recordou Isabel, e também Filipa, precocemente levada.
Quanto ao infante D.Pedro, a falta de ouvintes para os seus avisados recados levou à apagada e vil tristeza de hoje. Salva-se a sangria de frutos silvestres, a melhor da Feira.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Bombeiros de Sintra

Um dos aspectos que mais deve ser realçado na sequência do incêndio que anteontem deflagrou na Serra de Sintra é o de que, sendo esta Património Mundial na categoria Paisagem Cultural, ninguém mais que os Bombeiros deve estar na linha da frente dos organismos chamados a trabalhar e opinar na sua preservação e protecção, e não só como homens do terreno, sacrificando a vida e os tempos livres em prol da comunidade e também da serra, da qual são guardiães abnegados.
Uma palavra de louvor é devida às corporações de bombeiros da zona do Parque Natural, pois diariamente e sempre com a serra em fundo patrulham, acorrem e defendem este nosso património felizmente reconhecido.
É preciso salientar o trabalho que ao longo do tempo tem sido feito em preparação, eficácia, planeamento e profissionalismo para que um fogo como o de anteontem não tivesse as proporções de outros mais devastadores, e com mortos a lamentar.
É por isso que em tempos de austeridade, se há sector onde não se podem fazer cortes cegos em nome do combate à dívida é no dos bombeiros e no socorro a pessoas e bens. E espaço há para com imaginação não só não cortar, como inclusive reforçar as verbas e os apoios tão necessários. Porque não a criação de uma taxa municipal de protecção civil, a incluir na taxa pela emissão da licença de construção, uma vez que construída uma edificação deve a sua segurança contra incêndios ficar assegurada, a reverter para o apoio às corporações concelhias? Ou uma rubrica específica para os bombeiros nos orçamentos das autarquias, sem ser no dos subsídios esporádicos? E porque não a centralização a nível regional do parque de viaturas e meios de socorro para optimização de recursos e racionalização no socorro, em função das zonas mais populosas ou de maior sensibilidade a ocorrências? E um novo Estatuto do Bombeiro, que faça dele um verdadeiro profissional da segurança, com a recompensa social e material que lhes é inteiramente devida e ainda não suficientemente reconhecida?
A serra sossegou, e a mancha branca devastadora extinguiu-se, para já os soldados da paz voltaram a quartéis, uma vez mais o seu dever foi cumprido. O dos decisores, e a sua dívida para com os soldados de Sintra, ainda não, permanecendo em alerta vermelho.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Incêndio na Serra de Sintra

 
Pois é...por muito que se não queira, ás vezes acontece. E apesar de tudo, e dos 2 bombeiros feridos, pode dizer-se que o ataque ao fogo foi relativamente bem sucedido ( 2h 45m entre o deflagrar e ser dado como extinto). Os aviões do Montijo levaram menos de uma hora a chegar, e o palácio de Monserrate foi "regado", ao que parece dentro dum plano de ataque a incêndios já delineado. A temperatura amena terá ajudado, não obstante a nortada que se fazia sentir. Se nas áreas sob jurisdição da Parques de Sintra-Monte da Lua algum trabalho de limpeza tem sido feito, continua contudo a ver-se muita "lenha" nas bermas, o que sempre funciona como combustível. A jóia da coroa vacilou, mas aguentou. Redobrar o alerta e manter sempre limpas as matas e bermas, eis o que se impõe, notificando-se os privados com quintas na serra para o fazerem com regularidade e prévio aviso aos bombeiros.
Relembro o meu post de 2 de Julho sobre a abertura da época de incêndios, em

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Funcionários e não Servos


Desde 20 de Agosto de 1974, com o DL 372/74, que os subsídios de férias e de Natal incorporam a remuneração dos funcionários públicos. São pois parte da remuneração e não uma liberalidade ou prémio que por benesse seja distribuído anualmente. Com o nº3 do artº 70º da Lei 12A/2008, de 27 de Fevereiro, consagra-se que a remuneração base anual é paga em 14 mensalidades, sendo uma correspondente ao subsídio de férias e outra ao subsídio de Natal, reforçando a ideia de que a remuneração é um conjunto de componentes indissociáveis, e estes subsídios sua parte inalienável.
Quando se retira ainda que de forma temporária, e sem procurar alternativas sérias e credíveis, a percepção de tais direitos, em nome da inevitabilidade com vista à correcção do défice, viola-se claramente o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, não privilegiando um critério de repartição dos sacrifícios de acordo com a capacidade contributiva de cada um, mas tão só penalizando uma classe que por estar na dependência directa do Estado e pelo abuso capcioso da retenção na fonte se afigura presa fácil.
Como lapidarmente escreveu o Tribunal Constitucional, “a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. (…) que exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que a situações substancialmente desiguais se dê tratamento desigual, mas proporcionado.”
Quando os cortes aos funcionários públicos lhes reduz o rendimento anual em 14,3%, durante 3 anos, não há proporcionalidade que resista, ainda que se entenda dever tal medida ser secundarizada, face aos superiores interesses da correcção do défice e da dívida.
Sacrifícios, sim, mas com equidade, e sobretudo sem apunhalar outro princípio fundamental do nosso estado de Direito: o da confiança.
Felizmente que os Tribunais funcionaram. Para mal dos economistas, que lidam mal com a democracia e a existência de direitos. Efectivamente, suspendendo esta por uns tempos, como certos velhos (e velhas) do Restelo pretendiam, dava claramente mais jeito. Há porém que pôr a cabeça a pensar, e buscar soluções que não passem pelo simples assalto das algibeiras e cofres já magros.
Ao lesar uma classe profissional da forma como o queria fazer, o Estado alienou o capital de confiança dos seus funcionários e agentes, olhando para eles como meros servos e não como colaboradores e principais rostos na execução das políticas públicas. Dos funcionários públicos se diz muitas vezes que são “mangas de alpaca”. Outros, porém, acima, muito mais o são, vergando a espinha ao diktat externo e metendo os princípios e direitos na gaveta. Não, ainda não é desta que se vai suspender a democracia…

domingo, 8 de julho de 2012

Dona Feia, Velha e Sandia


Quem passe por Sintra perto da Correnteza, por certo já se cruzou com uma senhora idosa que tricota uma indecifrável manta e, sempre no mesmo banco junto ao miradouro, fala, fala sempre, sozinha e sem que alguém a interpele, deserdada da vida, qual Penélope envelhecida esperando um improvável Ulisses que nunca virá, enquanto a manta parece não crescer, como se de noite fosse desfeita para logo de manhã recomeçar. Se as cidades têm os seus ícones, também muito têm hoje de mártires duma sociedade desumanizada que a todos confronta, e cuja resposta parece ser passar em silêncio, como se tais pessoas não existissem, ou estejam já adquiridos na paisagem, como os mendigos do Chiado a quem as senhoras caridosas a caminho da missa davam esmola num gesto de silenciosa e aliviada caridade. Quer as senhoras, quer os mendigos eram parte desse microcosmos, assim se (con)vivendo, cada um refugiado no seu estatuto e intangível destino social.
A velha da Correnteza encaixa neste figurino, qual personagem perdido de Dickens, e recorda-me um poema do século XIII de João Garcia de Guilhade:
Ai dona fea! Fostes-vos queixar
Porque vos nunca louv' en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea! Se Deus me pardon!
E pois avedes tan gran coraçon
Que vos eu loe, en esta razon,
Vos quero ja loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora ja un bon cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia.
 
Bom domingo!
 
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