terça-feira, 30 de abril de 2019

A morte de Hitler- uma "estória" da História

30 de Abril de 1945.No bunker  de Berlim surgia uma nota confidencial: "O Reichsführer SS Himmler estabeleceu negociações com o Alto-Comando anglo-americano".Os efectivos soviéticos já se encontravam na Alexanderplatz e uma chuva de granadas começava a cair sobre o abrigo secreto de Adolfo Hitler. Pela uma da tarde, este, no estertor final, realizava o casamento com Eva Braun, tendo como testemunhas Goebbels e Bormann. A cerimónia terminou com um brinde aos novos cônjuges que minutos depois se retiraram para os seus aposentos, onde Gertrude Junge, a secretária lhe anotou o testamento. Doze anos de paranóia caminhavam paulatinamente para o fim.
Os soviéticos já estavam perto do abrigo onde os soldados que o defendiam do lado de fora disparavam furiosamente. No testamento, Hitler ditou “não quero cair em mãos do inimigo, que quer oferecer um novo espectáculo com o único objectivo de divertir as massas histéricas. Consequentemente, decidi ficar em Berlim e escolher, voluntariamente, a morte, no momento em que considere que a posição do Führer e a da Chancelaria não possam ser mantidas por muito tempo. Morro com a alegria no coração, consciente dos imensas realizações do nosso povo e da contribuição incomparável que a juventude que leva o meu nome deu à História” .Cumprimentou, um a um, todos os seus assistentes e almoçou com as duas secretárias e o cozinheiro. Depois, despediu-se dos outros e acompanhado por Eva Braun, dirigiu-se para o quarto, para o desfecho planeado. Uma vez fechada a porta, por uma passagem secreta Otto Gunche fê-los atravessar um corredor que dava acesso a um hospital próximo e dai os levou, disfarçados de médico e enfermeira, numa ambulância, para fora de Berlim.
 No bunker, eram três e quarenta e cinco quando no quarto se escutou um disparo, posto o que Bormann entrou no aposento acompanhado pelo criado, Linge. Um corpo, morto, estava inerte numa cadeira, um outro, de mulher, estendido num divã, a seu lado duas pistolas, uma Walter PPK, e outra menor que Hitler sempre trazia no bolso, do corpo feminino exalava um forte cheiro a cianeto.
Bormann voltou à sala onde se encontravam Goebbels, Burgdorf e outros e anunciou, solene e hirto:"O Führer está morto." Em seguida, os cadáveres foram rapidamente envolvidos em mantas e levados para fora do abrigo onde foram regados com gasolina e ateado o fogo em seguida. Hitler e uma época acabavam de desaparecer, deixando a Alemanha derrotada e nas mãos dos ocupantes.
Portugal, 7 de Maio de 1945. Berlim fumegava, destruída, os russos vitoriosos controlavam já a cidade depois da rendição total. Longe dali, no extremo ocidental da Europa, alheio a tudo, Joaquim Gregório, banheiro da Praia da Adraga, no litoral de Sintra, recolhia mexilhões para uma patuscada na taberna do Zé Patrocínio. Mar encrespado, apesar de dia claro, nada como a praia pela manhã, ainda sete horas não eram e o dia raiava, primaveril. Ao fundo, uma traineira dirigia-se para o porto da Ericeira, dolente e rodeada de gaivotas. Um vulto negro e compacto pareceu surgir junto da traineira, emergindo do mar, a idade entorpecia-lhe já a vista, era ilusão de óptica, por certo, foi até à taberna emborcar um tinto retemperador.
Junto à traineira, e longe dos olhares, um submergível vinha agora à superfície, um U-BOOT tipo XXI alemão, a suástica do Reich não deixava dúvidas. Depois de aberta a escotilha e de na traineira estranhos pescadores de gabardine e chapéu baixarem uma escada, um homem e uma mulher saíam do submarino entrando de imediato na traineira. Ele aparentava cinquenta anos, magro, cabelo cortado rente, ela algo mais nova, assustada e seguindo-o obediente. Pelo comportamento dos homens da gabardine seria alguém importante, a PIDE encarregara aqueles inspectores de uma missão secreta, de recepção a importantes dignitários alemães fugidos da guerra, nada mais se adiantando, a neutralidade do país não podia arriscar notícias de envolvimento com o Eixo.
Dali a traineira rumou a Cascais, não sem que o comandante do submarino fizesse a saudação nazi, dizendo para o homem que nunca abriu a boca  “Até sempre, mein Führer!”.As instruções eram de, após deixar o casal na costa portuguesa, acordada com o governo local, desembarcarem perto de Leixões e afundar o submergível, desmobilizando depois da Marinha alemã, cada um a um novo destino.
Com discrição, o casal foi alojado numa casa na Malveira da Serra, de longe guardada por agentes da polícia internacional de Portugal, embarcando em Agosto seguinte sob identidade holandesa e passaportes fornecidos por Lisboa num vapor com destino a Buenos Aires. Na Malveira, apenas constava serem refugiados judeus em trânsito para a América, era o que se dizia na vizinhança, nunca saíram da casa enquanto lá permaneceram.
Rio Gallegos, Argentina, Setembro de 1964. Entre consternação geral, gaúchos a cavalo escoltavam o funeral de Marcus Schoof, fazendeiro de origem holandesa há quase vinte anos radicado na Patagónia e um dos maiores proprietários locais, uma fazenda com um milhão de hectares e a melhor carne da Argentina. Muitos outros europeus, sobretudo alemães e austríacos radicados na província compareciam ao enterro. A viúva, a senhora Eva seguia atrás, numa charrette, vários dos presentes, amigos de Schoof esticavam o braço saudando em sinal de respeito. Pablo, que fora feitor da fazenda nos últimos anos lamentava com Juanita a morte do patrão, vítima de sífilis, dizia-se à boca pequena, comentando a estranha colecção de dentes de ouro que guardava num cofre, algo bizarra, mas de onde se dizia provir muito do rendimento com que adquirira a propriedade em 1945 ao chegar de Portugal. Junto a Eva, uma velha amiga dos tempos da Europa, uma senhora que fazia filmes, segundo Juanita, Leni Riefensthal, inconsolável já lhe confidenciara como quando novo e na terra dele o siñor Schoof fora um grande orador em prol de grandes causas e grande amigo dos pobres.


quarta-feira, 24 de abril de 2019

Sintra em 1974

Em vésperas de mais um 25 de Abril, recordar Sintra nesses já remotos dias:
Inaugurado o campo de futebol do Ginásio 1º de Maio, em Agualva Cacém
Entra em funcionamento o Centro Operacional de Satélites em Alfouvar, perto de Negrais 
Janeiro 
5- Abre o restaurante Ad Hoc, de Francisco Catalão
12-Inauguração da sede da Liga dos Amigos da Rinchoa 
13-Festa dos Avós em S. Pedro, onde Marcelo Caetano participa como "avô" 
20- O Ministro do Interior, Moreira Baptista, visita Sintra.


26-Francisco Cordeiro Baptista administrador do Bairro Administrativo de Queluz


O bacalhau custa por essa época trinta escudos o quilo (15 cêntimos).
Fevereiro
O Grupo Dramático do Mucifal leva à cena nos Bombeiros Voluntários de Colares a peça “Recordar é Viver”.
António Casul Reis é presidente do Sport União Colarense.
IV Encontros de Sintra. 
Março
1- Entrada em funcionamento do Centro de Saúde de Sintra, dirigido por Aires Gouveia
António Nunes é treinador do Sintrense
Abril
2-Visita a Sintra do Lord Mayor de Londres, Sir Hugh Wontner 
Com o 25 de Abril, demite-se a Câmara. No Jornal de Sintra de 27 de Abril, o edital 38 da CMS anuncia estar aberto concurso para "desinfectação e desratização no concelho"... 
Maio
1-Grande manifestação em Sintra assinala o primeiro 1º de Maio e a recente revolução de 25 de Abril. 

24- Vitor Roneberg preside ao grémio, agora Associação de Comerciantes do concelho de Sintra 
25- Reúne-se em Colares a comissão local da CDE, o partido que vinha da oposição democrática, intervindo José Alfredo Azevedo e Maria da Graça Forjaz
Junho
14-Toma posse a Comissão Administrativa da CMS pós 25 de Abril, composta por José Alfredo Costa Azevedo (presidente) José Joaquim de Jesus Ferreira, Aristides Campos Fragoso, Lino Paulo, Jorge Pinheiro Xavier, Cortêz Pinto, Álvaro de Carvalho, Manuel Monteiro Vasco, Carlos Quintela, António Manuel Carvalheiro, Manuel Maximiano e Mário Barreira Alves. 

Valério Chiolas é presidente da Comissão Administrativa de Colares. 
11-Carlos Galrão preside aos Espeleólogos de Sintra 
19- Comício do MDP/CDE no Carlos Manuel, com José Tengarrinha
19- Fundação do Grupo Cultural e Recreativo de Rio de Mouro 
Jornal de Sintra custa nessa altura dois escudos (1 cêntimo). 

24-Luis Pedroso Miguel é presidente do Mem Martins Futebol Clube.  
28- Morre o padre José Oliveira Boléo 
29-Morre o escritor e grande amigo de Sintra Ferreira de Castro.
Julho
1- Comício da Comissão Administrativa da Câmara no ringue do Parque da Liberdade
Fecha a fábrica de queijadas Mathilde, de Manuel Soares Barreto. 
O PCP ocupa o edifício da cadeia comarcã. 
10-
13-Morre Raul Lino, arquitecto com vasta obra em Sintra.

24-Comício do PS no Cineteatro Carlos Manuel, com Sargo Júnior, Maria Barroso, Jorge Campinos e José Alfredo.
O Liceu Nacional de Sintra aprova uma moção defendendo a sua professora Maria Almira Medina, injustamente atacada.
Decorre uma polémica em torno da não abertura do Hospital de Sintra.
Agosto
15- Abre em Cabriz o restaurante "Curral dos Caprinos"
Setembro 
8-Festas de Nossa Senhora do Cabo em S. João das Lampas
20-Hermínio Lopes de Sousa presidente do Sintrense
24-Assinada a cedência do espólio dos escultores Anjos Teixeira, pai e filho, à Câmara de Sintra.
António Costa Alcobia é presidente da Comissão Administrativa da Junta de S. Martinho.Compõe a junta António Luís Pedro Baptista, Luís Oram Soares,Maria da Graça Macedo Forjaz e Albino Morais Calinas. Outras juntas: Agualva Cacém-José Manuel Cunha Ferreira, Algueirão-Mem Martins, Rogério Solano da Silva; Almargem do Bispo Alberto Rodrigues Almeida; Belas Guilherme Dias; Colares Valério Chiolas; Montelavar Romualdo Cipriano;Queluz Salvador da Luz; Rio de Mouro Américo Serronha; S. Maria e S. Miguel António Faria; S. João das Lampas Joaquim Pedro;  S. Pedro, Pedro Soares Santos;  Terrugem Josué Duarte Gaspar.
30- O Hockey Clube de Sintra sobe à I Divisão
Outubro
31-Inauguração da luz eléctrica no CF Os Montelavarenses
Novembro
15-Armando Esteves Pereira presidente do HCS
Flagelo da construção clandestina em Casal de Cambra 
Um ministro nesta altura ganha 26 contos (cento e trinta euros) que podem chegar a 35 com ajudas de custo.
Dezembro
13-Abre o supermercado Carôço em Mem Martins
19- Norberto Lopes Leal presidente dos Bombeiros de S. Pedro 
21-Pelo DL 735/74 o monumento do Outeiro das Mós, na Praia das Maçãs (tholos) é classificado como monumento nacional. 

Francisco Barreto das Neves passa a gerência da Sapa para Maria Fernanda das Neves

sábado, 20 de abril de 2019

O rasto da serpente

Passam hoje 20 anos do massacre de Columbine, na Columbine High School em Jefferson County,Colorado. Além do tiroteio, o ataque envolveu o uso de bombas para afastar os bombeiros, tanques de propano convertidos em bombas, 99 dispositivos explosivos, e carros-bomba. Os autores do crime, Eric Harris e Dylan Klebold, mataram 12 alunos e um professor e feriram outras 21 pessoas, tendo depois cometido suicídio. De então para cá, uma América cada vez mais violenta e em negação sobre a repressão na aquisição livre de armas,cultivada pela Administração Trump e hoje pelo Brasil de Bolsonaro, assistiu a inúmeros massacres, sinal duma sociedade desestruturada e herdeira dos velhos cowboys do Oeste. Uma coisa é certa: violência gera violência, e apesar de Rousseau e Voltaire, Hobbes e o seu homem lobo do outro homem ainda campeiam por aí.Ironicamente, o massacre ocorreu na data do nascimento de Adolf Hitler em 20 de Abril de 1889, passam hoje 130 anos.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Paris já está a arder


Vendo a Notre Dame em chamas, recordo a minha primeira viagem a Paris, nos idos de 1979. O velho Sud-Express, testemunha de muitas partidas dolorosas e excitadas chegadas, de emigrantes a salto e camones louros que de fora traziam a Europa ao rincão, em tempos de chumbo e melancolia, foi a minha porta de embarque para um primeiro banho de Europa e para muitos que fora de portas pouco ou nada conheciam. Aos castanhos de Portugal e Espanha, recortados pelos picos nevados dos Pirenéus, a Europa surgiu molhada, em Irun, na mudança para comboio mais moderno e paisagens de vinha e castelos, a Provença e a França industrial. A verdadeira Europa começava aí. Paris foi uma sensação esquisita: a tão aguardada Cidade Luz, fosse pelo tardio da chegada ou pelo cansaço da viagem, pareceu sombria e soturna: uma ratazana coquette serpenteando nos carris, em Austerlitz, já na gare, um clochard sem abrigo dormindo e fazendo duma caixa de sapatos uma almofada. Paris, enfin!...
O dinheiro não era muito, mas a diversão imensa: passeios em Pigalle, fotos no Moulin Rouge, a aventura dumas ostras no Boulevard des Italiens, que se danasse, a vida eram dois dias. Ao fim da segunda noite, na esplanada do Café de La Paix, não estavam Breton nem Hemingway, mas alguns portugueses e o mundo, razoáveis exigindo o impossível, despreocupado, um velho acordeonista tocava canções de Chevalier e Trenet.
A Notre Dame era a velha senhora, do alto dominada por Montmartre, impondo a grandeza do tempo das catedrais feitas para distanciar os Homens de Deus, entre anjos, vitrais e esfíngicas estátuas. Entrando reverente, lembrei o corcunda da história, quiçá escondido num torreão entre as gárgulas, o suplício de Jacques de Molay, ali perto, ou o casamento de Bonaparte com uma pouco provável Josefina. E dali, a vista para a Rive Gauche, de Sartre e Levi Strauss, de alfarrabistas, pintores e poetas parnasianos, Toulouse-Lautrec ou Edith Piaf.
E os versos de Eluard:”et d’abord j’ecriverai ton nom: liberté”.
Arde Paris e ardem séculos de holográficas epopeias e insuportáveis misérias. Não arderá a memória, pois se para glória de Deus foi feita esta glória dos Homens, do engenho dos Homens ressurgirá de novo a silhueta gótica da vetusta e senhorial catedral.


Maria Alberta Menéres

Leio no Twitter que morreu a professora e escritora Maria Alberta Menéres. Recordo-a como minha professora de Português na Escola Preparatória Pedro de Santarém, em Benfica, nos idos de 1971, e as suas exaltantes aulas nas quais descobri o gosto por Homero, tendo com prazer, e pela sua palavra e energia descoberto as aventuras de Ulisses nessa tortuosa mas trepidante viagem para Ítaca que ela nos desfiava como se para lá nos transportasse. Pedagoga, possuidora dum sorriso envolvente, é com mágoa que a vejo partir, exemplo maior dum tempo de professores missionários em prol da Educação e da Escola como formadores de Cidadãos. Ulisses voltou a Ítaca e a professora Maria Alberta, sorrindo, entrou no Olimpo.

domingo, 14 de abril de 2019

Phubbing, ou o medo de existir

Estão a ver quando quatro ou cinco pessoas estão à mesa de um café e ninguém fala com ninguém com os olhos postos no telemóvel? Estamos perante uma nova doença da classe das esquizofrenias chamada phubbing, onde o que o que se passa para lá do retângulo mágico é a realidade e a realidade o seu avatar.
Vivemos tempos de mudança. Vidrados na Sarjeta Mágica que nos diz quão verdadeiras são as notícias falsas, cá vamos arregimentados pelo Big Brother que já não está watching you mas nos devorou, apoderou da alma, filtrou a realidade, tornou a democracia um depositório de likes ululantes e de forma desvairada odiando e amando tudo o que mexe várias vezes ao dia, seja o clube de futebol, a política ou o video amador do amigo, tudo entrecortado por muitas selfies, a comer uma lasanha, a ver o por do sol na praia, com o Toy ou o professor Marcelo, numa perturbadora necessidade de mostrar. 
E no meio de tudo, não desligar do eletrodoméstico mágico, não se vá perder um comentário, uma "boca" ou a salvação do mundo entre duas imperiais ou um zapping na televisão.
Ele é nas paragens de autocarro,  nos cafés, nos centros de saúde ou nos cabeleireiros, como sarna incurável umbilicalmente ligando-nos a tal mundo. Por lá passam os novos hedonismos, a vaidade pessoal, a solidão de muitos que nesse novo confessionário se refugiam ante os altares dos download. Morre alguém? O RIP na rede social chora o defunto, com smileys adequados e gifs à escolha. Há uma festa de anos? Cria-se um evento no Facebook. Quer-se dar para uma causa para estar na moda? Promove-se um crowdfunding que muitas vezes não passa do contributo virtual do promotor, mas nos deixa com o espírito filantrópico do Live Aid de centro comercial. É este o Admirável Mundo Novo, paradoxalmente dito de era da comunicação mas onde provavelmente se janta em família (quem ainda janta em família...) a olhar para o ecrã mágico e sem nada para dizer ou partilhar.