Não sendo
comentador político, mas não sendo apolítico porém, algumas notas sobre o ambiente esquizofrénico em que, de forma acintosa e alterada, se vai fazendo e
vivendo a política em Portugal.
Num quadro em que a erosão dos partidos leva cada vez à descrença e ao aumento da abstenção nos actos eleitorais (e os Açores, ontem, confirmaram essa tendência, uma vez mais) apenas alguns portugueses estão hoje representados (por opção própria) no arco da governação, o que, não deslegitimando no plano das regras os vencedores das eleições, dá verdadeiramente que pensar. A verdade é que, contados os votos, deitados os foguetes, e distribuídos empregos e prebendas, ninguém efectivamente faz mea culpa ou dá um contributo efectivo para a reversão de tal situação, comatosa e inquinada.
Em Portugal, com os anos, os partidos tornaram-se corporações de interesses e sindicatos de lóbis, divorciados da sociedade, agarrados a dogmas, capelas e clientelas, (e aqui incluo a esquerda dita anti-sistema, no fundo também ela em busca de um sistema, diferente, mas sistema) e isso afastou da participação as elites pensantes, as profissões qualificadas e as pessoas honradas avessas a ver o nome sujo, ou arrastado na praça pública e imprensa tablóide.
Toda a nossa cultura e praxis política carece por isso de ser alterada, a começar nas mentalidades, tarefa ciclópica e difícil, quando até os jovens que se envolvem na política acabam por se encaixar e encaixar-se no discurso dominante e nas suas representações formais, reproduzindo tiques e mimetismos duma cultura de facção, apesar da aparente frescura na linguagem e uso de recursos irreverentes e modernos, em tirocínio para mais do mesmo.
A causa para este estado de coisas deve ser procurada na sociedade blindada e supérflua em que nos tornámos, atávica na forma maniqueísta de apontar os bons e os maus, reduzindo a política ao grau zero do fait-divers ou concurso de simpatias. Repare-se como hoje as televisões procuram suscitar nos espectadores/eleitores um suspense semelhante ao dos reality shows, como se eleições e política não passassem de um programa televisivo em prime time…..
Tudo espectáculo, e contudo, com total ausência de discussão das escolhas, ou debate de ideias, se é que ainda há ideias, mortos que estão os ideais.
A sociedade portuguesa vem-se mostrando avessa e diletante no que a uma profunda e cirúrgica reforma efectivamente respeita, deixando a política nas mãos dos grupos de media e comentadores politicamente engajados, traficantes de influências e funcionalismo clientelar, veiculando uma opinião publicada que não traduz a verdadeira opinião pública, permeável ao tilintar de sound bites e às folclóricas arruadas ou manifestações inorgânicas. Daí que, instalado e larvar, o novo rotativismo, com a ajuda da opinião publicada, vá secando o país que pensa, que tem ideias e quer inovar, qual eucalipto invasivo neste pinhal à beira-mar plantado, capturado pelos rituais tribais, a emulação dos chefes, a domesticação dos conversos e a venda de realidade virtual. Esse país continua por irromper, com ou sem eleições, e só quando o ciclo das claques sem cérebro se esgotar (se alguma vez se esgotar) e todos, transversalmente reflectirmos seriamente sobre o que somos e queremos, poderemos começar a tentar mudar o país na sua essência, forças e fraquezas, para lá da mera troca de rostos e protagonistas. Tarefa difícil, mas a única que vale a pena prosseguir, por difícil ou ciclópica que seja. Enquanto tal revolução de ideias e comportamentos não ocorrer, o Portugal que quer e tem de mudar, ciclicamente ficará entregue ao fado das troikas, adiado e órfão da esperança, encalhado naquilo que se pode chamar uma subespécie de democracia, ou uma sua doença infantil.
Alguém viu já os partidos reunir e ouvir as universidades, sentar a massa cinzenta a discutir soluções, ouvir, argumentar, pensar o país real, para lá de brejeiros beijos às peixeiras, arruadas ruidosas, comícios (e bebícios...), para depois nas costas do povo decidir da sua sobrevivência ou ruína, felicidade ou tristeza, gozo de direitos ou garantia de um futuro sustentável?
Novos paradigmas precisam-se, e passam por um permanente e consequente auscultar da sociedade, aprofundando o diagnóstico e acordando-a da anomia em que vegeta. Não podem nem devem os sequiosos de mudanças ficar no mero panfleto, nas acampadas folclóricas, nos protestos inorgânicos, ou pelas páginas do Facebook. Mudar, impõe uma atitude activa, não por reacção ao adversário ou sem saber para onde, arregaçando as mangas e interiorizando a verdadeira democracia, virada para as pessoas, e o seu anseio por felicidade e futuro. Esse o debate, essa a causa mobilizadora que a sociedade portuguesa ainda não levou a sério, sobretudo por tacanhez e fraqueza das suas anémicas elites, insistindo em não ver a floresta para além da árvore. Enquanto tal estado de coisas continuar, enquanto a forma se sobrepuser à essência, e novas ideias ganharem foro de representação política, a abstenção e o divórcio dos cidadãos continuarão a aumentar, e o país enfrentará o desencanto que perigosos chamamentos de sereia poderão um dia atrair para perigosos rumos, à medida que a crise tire o pão da mesa, o médico do hospital, o aluno da escola ou a dignidade ao povo.
Vivemos em colectiva esquizofrenia: governo contra oposição, patrões contra empregados, o país contra a Europa, a própria Europa enredada na sua teia, culpabilizando-se todos mutuamente e sem um caminho, um guia, uma solução ou um desígnio. Ou mudamos este estado de coisas, ou um dia destes acordamos à ordem de profetas que prometendo o maná, mandarão esculpir bezerros de ouro, não sem que até lá penemos dezenas de anos no deserto. Este não é um texto pessimista. É o desabafo de um optimista avisado.
Num quadro em que a erosão dos partidos leva cada vez à descrença e ao aumento da abstenção nos actos eleitorais (e os Açores, ontem, confirmaram essa tendência, uma vez mais) apenas alguns portugueses estão hoje representados (por opção própria) no arco da governação, o que, não deslegitimando no plano das regras os vencedores das eleições, dá verdadeiramente que pensar. A verdade é que, contados os votos, deitados os foguetes, e distribuídos empregos e prebendas, ninguém efectivamente faz mea culpa ou dá um contributo efectivo para a reversão de tal situação, comatosa e inquinada.
Em Portugal, com os anos, os partidos tornaram-se corporações de interesses e sindicatos de lóbis, divorciados da sociedade, agarrados a dogmas, capelas e clientelas, (e aqui incluo a esquerda dita anti-sistema, no fundo também ela em busca de um sistema, diferente, mas sistema) e isso afastou da participação as elites pensantes, as profissões qualificadas e as pessoas honradas avessas a ver o nome sujo, ou arrastado na praça pública e imprensa tablóide.
Toda a nossa cultura e praxis política carece por isso de ser alterada, a começar nas mentalidades, tarefa ciclópica e difícil, quando até os jovens que se envolvem na política acabam por se encaixar e encaixar-se no discurso dominante e nas suas representações formais, reproduzindo tiques e mimetismos duma cultura de facção, apesar da aparente frescura na linguagem e uso de recursos irreverentes e modernos, em tirocínio para mais do mesmo.
A causa para este estado de coisas deve ser procurada na sociedade blindada e supérflua em que nos tornámos, atávica na forma maniqueísta de apontar os bons e os maus, reduzindo a política ao grau zero do fait-divers ou concurso de simpatias. Repare-se como hoje as televisões procuram suscitar nos espectadores/eleitores um suspense semelhante ao dos reality shows, como se eleições e política não passassem de um programa televisivo em prime time…..
Tudo espectáculo, e contudo, com total ausência de discussão das escolhas, ou debate de ideias, se é que ainda há ideias, mortos que estão os ideais.
A sociedade portuguesa vem-se mostrando avessa e diletante no que a uma profunda e cirúrgica reforma efectivamente respeita, deixando a política nas mãos dos grupos de media e comentadores politicamente engajados, traficantes de influências e funcionalismo clientelar, veiculando uma opinião publicada que não traduz a verdadeira opinião pública, permeável ao tilintar de sound bites e às folclóricas arruadas ou manifestações inorgânicas. Daí que, instalado e larvar, o novo rotativismo, com a ajuda da opinião publicada, vá secando o país que pensa, que tem ideias e quer inovar, qual eucalipto invasivo neste pinhal à beira-mar plantado, capturado pelos rituais tribais, a emulação dos chefes, a domesticação dos conversos e a venda de realidade virtual. Esse país continua por irromper, com ou sem eleições, e só quando o ciclo das claques sem cérebro se esgotar (se alguma vez se esgotar) e todos, transversalmente reflectirmos seriamente sobre o que somos e queremos, poderemos começar a tentar mudar o país na sua essência, forças e fraquezas, para lá da mera troca de rostos e protagonistas. Tarefa difícil, mas a única que vale a pena prosseguir, por difícil ou ciclópica que seja. Enquanto tal revolução de ideias e comportamentos não ocorrer, o Portugal que quer e tem de mudar, ciclicamente ficará entregue ao fado das troikas, adiado e órfão da esperança, encalhado naquilo que se pode chamar uma subespécie de democracia, ou uma sua doença infantil.
Alguém viu já os partidos reunir e ouvir as universidades, sentar a massa cinzenta a discutir soluções, ouvir, argumentar, pensar o país real, para lá de brejeiros beijos às peixeiras, arruadas ruidosas, comícios (e bebícios...), para depois nas costas do povo decidir da sua sobrevivência ou ruína, felicidade ou tristeza, gozo de direitos ou garantia de um futuro sustentável?
Novos paradigmas precisam-se, e passam por um permanente e consequente auscultar da sociedade, aprofundando o diagnóstico e acordando-a da anomia em que vegeta. Não podem nem devem os sequiosos de mudanças ficar no mero panfleto, nas acampadas folclóricas, nos protestos inorgânicos, ou pelas páginas do Facebook. Mudar, impõe uma atitude activa, não por reacção ao adversário ou sem saber para onde, arregaçando as mangas e interiorizando a verdadeira democracia, virada para as pessoas, e o seu anseio por felicidade e futuro. Esse o debate, essa a causa mobilizadora que a sociedade portuguesa ainda não levou a sério, sobretudo por tacanhez e fraqueza das suas anémicas elites, insistindo em não ver a floresta para além da árvore. Enquanto tal estado de coisas continuar, enquanto a forma se sobrepuser à essência, e novas ideias ganharem foro de representação política, a abstenção e o divórcio dos cidadãos continuarão a aumentar, e o país enfrentará o desencanto que perigosos chamamentos de sereia poderão um dia atrair para perigosos rumos, à medida que a crise tire o pão da mesa, o médico do hospital, o aluno da escola ou a dignidade ao povo.
Vivemos em colectiva esquizofrenia: governo contra oposição, patrões contra empregados, o país contra a Europa, a própria Europa enredada na sua teia, culpabilizando-se todos mutuamente e sem um caminho, um guia, uma solução ou um desígnio. Ou mudamos este estado de coisas, ou um dia destes acordamos à ordem de profetas que prometendo o maná, mandarão esculpir bezerros de ouro, não sem que até lá penemos dezenas de anos no deserto. Este não é um texto pessimista. É o desabafo de um optimista avisado.
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