quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A esmola para a Cultura


Escreveu Ortega e Gasset: “A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo do homem”. Mas se espiritualmente assim é, na avara e obscurantista visão dos títeres que nos governam, a ordem é cortar, suprimir, aniquilar, numa sanha voraz e sem controlo.
Analisado o orçamento do sector da Cultura para 2013, no valor de 190,2 milhões de euros, supostamente o mesmo mantém-se inalterado face a 2012, e destacam-se os seguintes pontos: aumento de 93% do orçamento do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) para 21,9milhões de euros, reflectindo o efeito da nova Lei do Cinema e do Audiovisual; aumento de 7% do orçamento da Direcção Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas para 13,8 milhões de euros, acompanhando as necessidades do novo organismo resultante do PREMAC; aumento do orçamento das Direcções Regionais de Cultura em 26%, ao qual corresponde uma diminuição de 23% da Direcção Geral do Património Cultural. Estes números correspondem à passagem de diversos museus anteriormente na órbita do IMC para a tutela directa das direcções regionais; aumento em 11% do orçamento da Direcção Geral das Artes para 18 milhões de euros; redução de 21% do orçamento do GEPAC, em consequência da extinção da secretaria-geral do anterior Ministério da Cultura e passagem das respectivas competências para a Presidência do Conselho de Ministros; manutenção do valor das indemnizações compensatórias de forma inalterada para as entidades empresariais do Estado na área da Cultura (teatros nacionais e Companhia Nacional de Bailado).
Ora a política de austeridade e a crise levaram já a cortes de 75% no Orçamento do Estado para a cultura entre 2002 e 2012, sendo que a cultura representa actualmente 0,1% do OE. Só para dar um exemplo, o buraco do BPN já levou o equivalente a 40 anos de investimento do Estado na cultura. A associar ao facto de ter caído o Ministério da Cultura, alegando-se a “transversalidade” do sector, são tempos de vacas magras os que se vivem, com reflexo no abandono e extinção de muitos criadores e agentes culturais, a sua fuga para destinos onde sejam mais reconhecidos, e o empobrecimento da vida pública numa sociedade cada vez mais sem saídas e sem projectos, não obstante os estudos publicados revelarem que a Cultura pode vir a ser um sector com vantagens competitivas e alto grau de empregabilidade. Mas isso é em países civilizados, pelos vistos. Entre nós, tirando os eventos criados para show-off  e sorvedores de recursos,  feira de vaidades das supostas elites e onde pouco se inova, reproduzindo estrangeirismos bem pensantes e da moda, os 0,1% da esmola servirão tão só para pagar o funeral do sector. E se a cultura é a dimensão constitutiva da natureza humana, feito fica o retrato da humanidade que querem que sejamos. Tinha Guerra Junqueiro razão?

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