quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A ignição da revolta


Do rio que tudo arrasta dizem ser violento. Porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Esta clássica frase de Brecht continua actual e descreve bem os dias de ira que, primeiro como fait divers, e no futuro como tragédia, impendem sobre o povo português.
Pretendem os que através de políticas iníquas de confisco de direitos e assalto aos rendimentos, desencadearam a agressão da sociedade, que esta, mansa e anestesiada, tudo aceite como inevitável, ou como castigo pela prodigalidade dos dias das vacas gordas, quando, malandros, gastaram o que não deviam, e viveram acima das posses. Há porém um conjunto de etapas que a sociedade, qual panela de pressão, atónita primeiro, incomodada depois, e revoltada agora, vai perigosamente queimando, começando nas franjas esclarecidas e nos jovens, generosos e irreverentes, e cada vez mais alastrando, como óleo derramado, pela ruptura do tecido económico e pelo desprezo pelo contrato social, a segmentos etários e socioeconómicos habitualmente passivos, longe da luta política ou do protesto empenhado.
Quem semeia ventos, colhe tempestades. E, se é verdade que a sociedade tem de ultrapassar a dívida e o défice a que se deixou chegar, igualmente necessário é que tal surja por um processo onde sejamos “nós” contra “eles”(ou com “eles”), e não “nós” contra “nós”, (os bons e os maus políticos, os bons e os maus manifestantes) enquanto esfíngicos e vorazes nos delapidam os cofres, esventram a alma e espalham sementes de revolta. Porque para que a “cura” preconizada funcione, são necessárias melhoras do doente, tal como para que o cão de Pavlov ladre é necessário apresentar um osso. Sem melhoras e sem osso, sobrevêm a revolta, o desespero e a falta de horizontes, que ao silvar de perigosas pitonisas pode levar a actos radicais e à subversão da paz social.
As fotogénicas imagens de “assalto ao palácio de Inverno”, testemunhadas com avidez mediática pelas televisões ansiosas por sangue, e o clima de guerra civil que isso acarreta para a estabilidade emocional da sociedade, não contribuem para a ultrapassagem do problema, sobretudo quando do outro lado está um governo opaco e insensível ao seu povo, ilegítimo, por aplicar um programa que não sufragou, e imoral, por se voltar contra aqueles de quem emana, e que o elegeram para os defender, não para dizimar. Não pode, porém, abrandar o combate e a luta pela congregação de forças que apontem novos rumos e novas políticas, e aí, para os partidos tradicionais, está o desafio de uma geração, que pode levar ao aligeirar do espartilho, ou ao definhar e morte deste sistema rotativista e sem chama, que não descortina soluções em momentos de emergência nacional, podendo levar mesmo ao soçobrar do regime e da democracia, vista em último caso, como a causa do problema e como força de bloqueio.
Foi Brecht também quem escreveu “Se não podem com o povo, dissolvam-no e elejam outro”.Não sendo tal possível, por enquanto, bom será que os políticos responsáveis  estejam atentos,  antes que o rebanho vire matilha e dos pastores não sobre rasto. Estamos no fio da navalha.

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