sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A pérola do Atlântico



A aproximação ao aeroporto do Funchal trazia a Ralph a lembrança da primeira vez que visitara a ilha, trinta anos antes, para a lua-de-mel com Marjorie. Jornalista dum diário de Manchester, vinha cobrir as novas realidades da ilha, para o suplemento de domingo, o governo da Madeira, interessado na promoção, pagaria as despesas. Nessa altura, a pequena pista era o terror de qualquer piloto, não aterrando à primeira, teria de voltar a levantar, e travar a fundo, para não ir cair no mar, recordava como Marjorie lhe segurara as mãos, assustada.
No aeroporto, segurando um ramo de estrelícias, uma menina vestida com um traje regional acolhia o periodista, e logo atrás dela, o doutor Ornelas, delegado regional do turismo, e seu cicerone, durante três dias correriam a ilha, a ver as novas infra-estruturas e atracções para o turismo.
Do que se recordava, o Funchal crescera muito, auto-estradas, novos hotéis, túneis, muitos, os locais chamavam-lhe os “furados”, esventrando a ilha e ligando em poucos minutos o que antes levava horas a percorrer. Lembrava-se bem da impressão que na altura lhe causara uma aldeia num imenso vale, o Curral das Freiras, onde, apesar de ficar a poucos quilómetros do mar, muitos nunca o haviam visto, ou saído até ao Funchal.
O doutor Ornelas há muitos anos trabalhava para o governo regional, chefiado por um político truculento, na manhã do segundo dia, apanhou Ralph no Reid’s e partiram para a volta a ilha. O Funchal pululava de turistas, vindos em cruzeiros, pela manhã, no mercado das flores, captou fotos das coloridas hortênsias, um dos emblemas da ilha. O novo teleférico levou-os à parte alta, enquanto Ornelas ia distribuindo folhetos e explicando as obras executadas:
-Como vê, o meu governo tem modernizado a cidade. A capacidade hoteleira triplicou e o movimento de paquetes vai ser muito valorizado com o novo terminal junto ao Machico. Aqui fazemos obra! -atirou, ufano, como que fazendo um paralelo com o resto do país, assolado pela crise.
-E é investimento privado? -questionou Ralph, tomando notas.
-A maior parte é esforço do governo regional. A zona franca ajuda, também, mas o nosso presidente entende que não se deve olhar a dificuldades no esforço modernizador. E vê-se. Aqui e no Porto Santo.
-E a oposição não questiona o endividamento em obras? -quis apurar o inglês -porque a iliteracia parece ser grande ainda, segundo li.
-Ora… a oposição local é invejosa e não chega aos pés do doutor Jardim. Grande homem, grande homem!. Um dia há-de ter uma estátua no Chão da Lagoa, a olhar para o Funchal e para a sua grande obra!.
Ralph sorriu, bem vistas as coisas nem sabia porque perguntara algo de que já calculava a resposta.
Pelos novos túneis seguiram para o Cabo Girão, em Câmara de Lobos, duas gulosas ponchas, oferta do Ornelas, predispuseram para uma suculenta espetada no Estreito de Câmara de Lobos, antes da visita a Santana. Ornelas ia apontando novos centros de saúde, escolas, acessibilidades, trinta anos de empolgante bailinho sob a batuta do timorato dirigente. Anotando tudo, Ralph perguntou por preços e custos, a obra mostrada era francamente superior à receita arrecadada junto dos pouco mais de duzentos e sessenta mil habitantes, Ornelas fez-lhe um briefing:
-Sabe, temos tido acesso a muitos fundos comunitários, e os nossos deputados em Lisboa são tipos experientes, têm sabido negociar com o governo apoios e transferências. Olhe, a um governo dos socialistas até conseguimos que nos perdoassem a dívida, veja lá como eram tansos. Mas é tudo em prol da Madeira. Está lindo, tudo, não está? -e mudando de assunto, seguiram para um revigorante cálice de Madeira.
Em São Vicente, grandes obras públicas estavam em curso, bem como no Porto Moniz, atravessando o maciço central, Ralph deteve-se a fotografar as levadas e a floresta laurissilva. Nessa tarde, Ornelas teve de ir a despacho no Funchal e Ralph internou-se montanha abaixo, abrigos em madeira ofereciam acolhedores alojamentos de natureza. Sem se identificar, entrou num, como cliente, a saber preços e se havia vagas. Relutante, um recepcionista, pediu desculpa, mas só telefonando para o chefe. A medo ainda confessou ao suposto hóspede:
-Sabe, aqui é só para amigos do Alberto João…sorry, sir!
Passados três dias, recolhida a informação para o jornal, terminou a visita com um jantar na Camacha, ao som do tradicional folclore e saboreando o bolo do caco. Após brindar com o doutor Ornelas, que em jeito de despedida lhe ofereceu bordados e livros sobre a ilha, ainda o questionou sobre a captação de investimento, com a crise internacional e os cortes orçamentais impostos por Lisboa. Terminando uma semelha e erguendo o cálice em jeito de brinde, Ornelas, seguro, e com a experiência de muitos anos pelas secretarias do Funchal, rematou sem hesitar:
-Ralph, acredite. Pode faltar dinheiro em Lisboa, mas sempre haverá na Madeira. E sabe porquê? Como no futebol, o ataque é sempre a melhor defesa…
A cem metros, e apesar do acordo de resgate com o Continente, uma perfuradora rasgava a montanha para mais um “furado”, símbolo da enorme obra de fomento do mais desafiador dos políticos. Ainda que em Lisboa não houvesse um tostão “furado”, a Madeira trilharia o progresso na mão de homens de visão, calejados na arte de fazer política.

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