quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Quem quer a freguesia dos Santos?



Pela redefinição do mapa das freguesias, S. Pedro de Penaferrim, S. Maria e S. Miguel e S.Martinho constituirão futuramente, contra a vontade das populações, uma só freguesia, assim deitando pela janela oitocentos anos de história, suprimindo as freguesias seculares e que em si consubstanciam o essencial da vida deste território ao longo dos tempos.
A nova freguesia, extensa, explanando-se de Janas ao Barrunchal, e do tamanho dos concelhos de Lisboa e Oeiras juntos, subtrai na soma das suas parcelas, porquanto diminui identidade, enfraquece a intervenção de proximidade, desmantela práticas e procedimentos e, sobretudo, nasce contra as pessoas que a não desejam e nada farão para nela se reverem, e pouco ajudarão a construir. Os funcionários que para ela trabalharão conhecerão apenas uma parte da realidade, e vão passar os primeiros anos a rectificar o cadastro, refazer o recenseamento, redefinir prioridades, redesenhar símbolos, heráldica e logotipos, assim desperdiçando energias, e, muito provavelmente, a ter de agir com menos dinheiro e recursos.
Que ganhos, que tão só os duma visão economicista e desalmada podem resultar desta destruição? Nenhuns, até porque, se uma partilha de recursos materiais e humanos pode em abstrato ser positiva, propiciando economias de escala, não estão as freguesias preparadas para assumir um novo paradigma dum dia para o outro, faltando-lhes assessoria técnica, pessoal, verbas e planeamento.
As realidades e necessidades de Portugal em 2012 recomendariam um debate que poderia essencialmente ser aproveitado para recentrar o problema na criação prévia de um conjunto de sistemas de gestão de centros urbanos, com roupagem jurídica e instrumentos ao nível da gestão do território, quadros de pessoal ou serviços partilhados criados a partir dessa verificação prévia, não tendo apenas a manutenção formal da freguesia como cavalo de batalha ou como luta de senhores feudais.
A liturgia do discurso político dominante levou a que se tivesse instalado em torno deste debate um pernicioso e estéril clima de Maria da Fonte, olhando para o que, podendo ser uma oportunidade de reforma nascida de baixo para cima e das pessoas para as instituições, se reduz a um mero tocar de sinos a rebate pelas actuais freguesias, que, se não devem ser alteradas por uma UTRAT qualquer, não deveriam deixar de ser pensadas racionalmente a partir de outros critérios. Ao pecado da falta de democraticidade, e de respeito pela vontade popular, que levará ao desmantelar do Estado visível em muitas zonas do território nacional, com o desaparecimento de tribunais, farmácias, centros de saúde e de muitas freguesias, junta-se a endémica ausência duma visão moderna de gestão do território, que tenha como primeira preocupação a forma eficaz e virtuosa de privilegiar instituições locais que possam promover e captar investimentos, gerir equipamentos, e dispor de recursos humanos adequados. A maneira como as coisas decorreram, prenuncia, ao invés, um quadro em que energias importantes se vão perder, desviando-as de tarefas mais importantes, como a implementação dum modelo de desenvolvimento regional regido por um orçamento participativo, com auscultação efectiva e prévia das populações, e congregação em torno de projectos de desenvolvimento estruturantes que possam ajudar a recuperar empresas e empregos perdidos na voragem da crise financeira.
Extintas ou agregadas, criar freguesias potencialmente desertificadas e sem vislumbre de investimento multiplicador, afigura-se um desperdício de tempo e energias, começando pelo fim um processo onde as pessoas e o modelo de desenvolvimento deveriam ser a primeira e primordial tarefa, e o quadro institucional adequado o passo seguinte, e, assim sendo, estaremos perante mais uma oportunidade perdida para reformar o Estado, olhando-se primeiro para o umbigo e só depois para o horizonte.
S.Martinho, coração de Sintra encravado no seu centro histórico, revê-se nos seus palácios e quintas, na várzea e no rio, no pão de Janas e nas festas de S.Mamede, no círio da Senhora do Cabo-que com a reforma verá a secular rotatividade alterada- e nas sociedades recreativas mais antigas, no foral de 1154 e nas memórias paroquiais de 1758. Como S.Pedro se revê na sua feira, no seu orago e na Gafaria, e S.Maria e S.Miguel no Bairro da Estefânea ou no Casino. Cada uma com suas tradições, dias santos, heróis e padroeiros.
Matar a História para dar lugar à Contabilidade, é vender a alma ao Diabo, perder pedigree e abrir a caixa de Pandora para outras futuras agregações a retalho, a pedido de grupos ou por interesse de mera engenharia financeira. A reforma nasceu torta, e tarde ou nunca se virá a endireitar.

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