quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Recordando uma conversa com Valter Hugo Mãe


Valter Hugo Mãe é o grande vencedor da 10.ª edição do Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa na categoria de melhor romance com a A Máquina de Fazer Espanhóis, e também do Grande Prémio Portugal Telecom 2012. Já consagrado como um dos grandes novos valores da literatura portuguesa, entrevistei-o em tempos, para o site da Alagamares, recuperando agora essa conversa neste espaço.

O valter hugo mãe distribui-se por diferentes áreas de actividade artística, literária e musical e até é licenciado em Direito.Qual a sua propensão natural de todas estas? Como se definiria?

 Sou um escritor. Não é possível comparar tudo o mais que faço, ou com que me envolvo, com o meu percurso e empenho na escrita. Sou, de facto, alguém que escreve e tem na escrita um eixo fundamental da sua vida.

A sua escrita reflecte uma visão muito contemporânea da nossa sociedade e valores. Que valores predominam hoje na sociedade portuguesa com os quais se revê?

Isso gostava eu de saber, que o mais que faço é andar à procura de entender. Os meus livros pretendem ajudar-me a conhecer e a aceitar, eventualmente, o lugar do outro. Não creio que sejamos piores do que os outros, creio é que podemos mesmo ser melhores do que já somos. Gosto de uma certa humildade portuguesa, mas lamento o menosprezo, gosto da familiaridade portuguesa, não gosto tanto da intromissão ou da inveja, como bem aponta José Gil. Uma sociedade melhor há-de ser sempre uma sociedade que procure os seus equilíbrios. Precisamos amenizar defeitos e potenciar virtudes, para isso há que diagnosticar e assumir.

Já ganhou um prémio Saramago. Revê-se ou aprecia mais o homem, o político, o escritor ou nenhum?

O José Saramago é um grande homem, é um grande escritor. Cresci a admirar o seu compromisso constante com as questões sociais e políticas, admiro que se incomode e não preciso de estar sempre de acordo com ele. Acho que é bem verdade aquela máxima que diz que o preocupante não é o barulho dos maus, mas sim o silêncio dos bons. O Saramago escreve magistralmente e nunca se calou, correndo riscos e incomodando-se. Gosto de gente assim, que pense e opine, para que quem detenha o poder não se julgue invisível ou impune.

Quem são para si os grandes escritores vivos da actualidade?

Saramago (ainda vivo na altura da entrevista) e Lobo Antunes (por quem tenho uma paixão avassaladora), Herberto Helder, Agustina, Ramos Rosa, Maria Velho da Costa, Armando Silva Carvalho, José Agostinho Baptista, Adília Lopes.

Acha que um blogger é um escritor que não arranjou editor ou é um repentista que gosta de se ouvir a si próprio? Há uma literatura do tempo das redes sociais?

Um blogger pode ser de tudo. Há-os bons e maus. Há daqueles que hão-de passar a livro em esplendor, e outros que não chegarão lá. Acho que o blogue intensificou algumas características que já vinham a ser exploradas na literartura pós-moderna, a fragmentaridade e a atenção a um sem número de temas menores, aquilo que leva a uma espécie de literatura de tom diarístico. As recolhas do Pedro Mexia mostram isso bem. Penso que serão dos melhores livros resultantes de blogues que tivemos em Portugal. Por consequência o Pedro Mexia será dos nossos bloguers mais interessantes, sem dúvida. Mas ele já vinha dos livros, na verdade, o blogue veio depois.

Acordo Ortográfico: sim ou não?

Sim, se exactamente como está definido é que tenho dúvida. Mas acho fundamental que procuremos manter a língua coesa no âmbito dos PALOP. Se o mundo nos deixar com o português confinado a Portugal vamos ficar mais sozinhos, muito mais pequenos, numa espécie de claustrofobia que será difícil de ultrapassar e que nos prejudicará a todos os níveis, desde logo, e mais ainda, no que respeita à auto-estima.

O graffitti é uma forma de arte ou vandalismo?

Amo graffittis. Há gente fabulosa a pintar por aí. Adorava que me pintassem umas paredes, umas telas, uns papéis, o que fosse. Mas compreendo que nem todos os cidadãos pensem assim, e as casas são de quem são. Creio que há graffitters que entendem um pouco melhor a ética da coisa e fazem intervenções em lugares que, por algum motivo, se adequam melhor à filosofia rebelde da coisa. Penso que algumas zonas das cidades deviam ser declaradas de liberdade criativa a este respeito. Seria lindo. Já a malta dos tags é uma treta. Assinam por aí fora num problema de ego mal resolvido. Não gosto.

Porque escreve sempre com minúsculas?

Porque procuro aproximar-me do modo como verdadeiramente falamos, e não falamos com maiúsculas. O nosso discurso acentua-se naquilo que, pelo sentido das palavras, leva o interlocutor a uma espécie de sublinhado. Nos livros faço isso, ou procuro fazer, que é deixar ao leitor a atribuição da importância relativa de cada palavra. Há uma aceleração do texto e uma democratização da dignidade de cada expressão, de cada vocábulo.

Como vê a juventude portuguesa desta última década?

Infelizmente parece-me que a minha geração está a retroceder em valores. Nos anos oitenta vivemos numa liberdade, e sobretudo com os olhos postos numa prometida liberdade que, quando passamos a ser pais, voltamos a fechar.
Lamento encontrar em escolas que visito malta dos 15 aos 18 com valores mais antigos dos que os meus. Cheios de preconceitos e caminhando, por exemplo, para uma sociedade mais machista. Abomino essas cantoras tipo putas que se põem nos vídeos de cuecas a esfregarem-se nos carros ou nos gajos com ar de chulos. A América está a vender à juventude de todo o mundo uma imagem dos rapazes como durões antipáticos e das raparigas como descerebradas e no cio. É uma pena, e lamento que a malta nova depois mimetize estes clichés julgando que isso lhes dá poder.

Sintra para si suscita que tipo de sentimentos?

Tenho vertigens. Tentei um dia subir aí umas ruínas e fiquei petrificado nos primeiros degraus. Tinha vinte anos e foi um pesadelo. Quando penso em Sintra revivo um pouco esse momento em que percebi que o incómodo com as alturas podia ser extremo.

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