“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amen.
Aprouve-me, a mim Afonso, Rei dos Portugueses, filho do Conde Henrique e da
Rainha Teresa e neto do Rei Afonso, e a minha mulher, Rainha Mafalda, filha do
Conde Amadeu, dar-vos, a vós que habitais em Sintra, da classe superior ou da
inferior e de qualquer ordem que sejais, e a vossos filhos e descendentes,
carta irrevogável, de direito, estabilidade e serviço.”. Assim começou Mestre Alberto,
tabelião régio, a carta de foral que Afonso Henriques outorgava à vila de
Sintra. Deixada uma trintena de cavaleiros no castelo donde os mouros haviam
debandado, vinha agora uma delegação da vila prestar vassalagem e saber que ordenava
el-rei para a antiga praça moura. D. Afonso anuiu, e à audiência assistiram
Pelagio Zapata, Gonçalves de Sousa, Pedro Fernandes e o arcediago de Lisboa,
Sancho Moniz Egas. Por sua vontade lhes dava trinta casais, um para cada
família, por direito hereditário e sem tributo a Lisboa, também a habitual
parte em seara ficaria dispensada. Pelagio Zapata, mestre em leis, aconselhava
sobre as melhores regras para a aplicação da justiça:
-Senhor, acertado será que para os que vossas leis não
acatem tenha a justiça pesada mão: não passe homicídio ou violação de mulher
sem que quem tais crimes cometer pague dez morabitinos, metade para vossa
majestade, metade para o queixoso. E quem assaltar a casa alheia, que pague
sessenta soldos, metade para el-rei e metade para o queixoso. Quem ferir outrem
com lança, espada ou faca, cinco morabitinos, metade para el-rei e metade para
o queixoso. Quem viver amancebado com mulher séria, um morabitino. E quem ferir
ou espancar outra pessoa, receba dez varadas. Sábio será também que quem brigar
com armas e, tendo ido a tribunal não se emendar ao fim de três vezes, tenha a
casa derrubada. Proponho que no foro de Sintra haja seis juízes no julgamento
de homicídios, e três nos outros.
D.Afonso,
agasalhado com uma pele, dado o frio de Janeiro, anuiu com a cabeça, Sintra
como sentinela do Tejo, carecia de bons cavaleiros, leais mas recompensados:
-Honrados sejais, nobres cavaleiros, mas um conselho
vos dou: quem se servir de armas sem razão dentro da vila, há-de perdê-las; mas
se questões houver entre vós, não se julgue o pleito pelo foro de Sintra no que
respeita ao elmo e à loriga, mas apenas quanto ao escudo e à clava. E não entre
lá homem de outra terra: tal o recado que mande, tal lho mandem a ele, igual
por igual; e seja a sua caução ou fiança de um soldo, se houver junta ou
destrinça.
A Gonçalves
de Sousa, senhor de Lamego, chamou a atenção o enorme número de mouros forros
trabalhando nas várzeas de Almargem, também aí convinha a mão real chegar:
-Curial será, senhor, que peões que lavrem com um só
boi paguem um sexto de trigo e cevada, e se lavrarem com dois ou mais, entreguem
um quarto, entre trigo e cevada, por alqueire do mercado. Justo será também que
se pague um puçal de vinho a tirar de cinco quinais. O rei, pouco dada à lavoura,
mandou Mestre Alberto escrever:
-Que se lavre como ordem real: quem lavrar
com bois, não pague tributo por qualquer ganho. Caçador que apanhar cervo ou
caça do género com laço ou armadilha, entregue meio lombo, e se for porco, uma
costa. O batedor de coelhos, que entregue uma vez por ano três coelhos, com suas
peles. Ao colhedor de mel selvagem, que entregue uma vez por ano meio alqueire
do que tiver colhido. Pague por ano o sapateiro um soldo, o ferreiro ferre um
cavalo, o mercador e o peleiro, paguem um soldo cada! Mestre Alberto sorriu,
com os anos Afonso aprendia a ser rei, menos dado a correrias atrás dos mouros, forte na justiça e a pensar nos cofres.
Peres
Ramires, dos de Sintra, chamou a atenção sobre os limites das terras sob alçada
régia. Pelágio Zapata avançou com uma proposta: desde Almosquer, pela vertente
e outeiros, servindo de limite um caminho público em Cabriz, até ao monte, e
dessa vertente pelos outeiros ao limite de Cheleiros, seguindo daí até ao rio
em Galamares. Aos cavaleiros de Sintra, aquartelados no Arrabalde, agradava,
assim ficaria. A D. Afonso importava o concurso dos homens de armas, os
cavaleiros deveriam combater uma vez por ano no exército, e estar disponíveis
para pelejar.
Respeitosos, ajoelharam. O Conquistador lavrada a carta, apôs o selo real, bem como a rainha, na presença dos confirmantes: Pedro Pelágio, príncipe de Lisboa, Afonso Mendes, de Coimbra, e Rodrigues Pelágio, de Santarém. Era o dia 9 de Janeiro de 1192 da era de César. (* 1154 da era de Cristo)
Respeitosos, ajoelharam. O Conquistador lavrada a carta, apôs o selo real, bem como a rainha, na presença dos confirmantes: Pedro Pelágio, príncipe de Lisboa, Afonso Mendes, de Coimbra, e Rodrigues Pelágio, de Santarém. Era o dia 9 de Janeiro de 1192 da era de César. (* 1154 da era de Cristo)
Retirando
para os aposentos, molestado por dores, sequela de pelejas antigas, D. Afonso
saudou os trinta, um a um, e mandou-os em paz. Os mais próximos repararam que
coxeava duma perna. Virando-se para Peres Ramires, esboçou umas palavras
finais:
-Lavrada fica a palavra do rei. E se alguém desfizer
este contrato, com Satanás seja excomungado!
No dia
seguinte, e na posse do precioso foral, os trinta de Sintra volveram ao
Arrabalde, como sempre envolto em neblina, e agora terra d'el-rei. Logo mais,
irmãos templários se juntariam no termo, desde o cabeço da serra e estendendo-se
até ao mar, uma nova ordem nascia e em harmonia. Por muitos anos, cristãos,
marranos e mouros, haveriam de ver crescer as hortas e, destros, caçar gamos na
serra.
Sem comentários:
Enviar um comentário