terça-feira, 20 de novembro de 2012

Relembrando os Meninos da Avó


“A ideia já é antiga. Reunir poetas, actores, leitores, ouvintes. Reunir seres humanos em redor da mais acolhedora das lareiras: a Poesia. Saudosos de outras tertúlias que o tempo consumou e consumiu, sentimos chegada a hora de retomar o hábito de nos desabituarmos da vida em prosa. Ei-nos regressados ao convívio das palavras!”. Assim se apresentava em Dezembro de 2004 um grupo de artistas e poetas de Sintra que durante cerca de 3 anos se reuniu e reuniu a família da poesia em torno da tertúlia Meninos da Avó.

Reunidos informalmente nas primeira e terceira 4ª feiras de cada mês, na desaparecida Casa da Avó, perto do palácio Valenças, onde hoje se encontra um hotel, ali se discutiram ideias, apresentaram livros e soltaram poemas, impulsionados por figuras como Jorge Telles de Menezes, Rui Lopo, Rui Brás e outros. E  muitos foram os cúmplices em torno da lareira literária: António Naud Júnior, Fernando Dias Antunes, Paulo Brito e Abreu, Francisco Palma Dias, Nuno Vicente, Fernando Grade, Helena Langrouva, Miguel Real, Luís Filipe Sarmento, Alexandre Vargas, António Salles, Rui Mário e Pedro Hilário, Manuel Silva Ramos, Filomena Marona Beja, Ricardo Rodrigues, Duarte Braga, Diogo Carvalho, Maria Almira Medina e outros. 


                                       Manuel Silva Ramos e Miguel Real

Durante 52 sessões e até Dezembro de 2007, Sintra bebeu da palavra dos Meninos e escutou os Mestres, inicialmente nesse espaço, posteriormente demolido para dar lugar a um hotel, e, a partir de 2006, em locais como o Regalo da Gula, na Quinta da Regaleira, no bar 2 ao Quadrado, ou no restaurante Culto da Tasca.
Rui Lopo, Fernando Grade e Jorge Telles Menezes
Do espólio desse baú, sagrado e maldito, um poema de Fernando Grade, do seu livro “Sempre tive um vinho muito ciumento”

A maior morte que aconteceu na minha infância
foi Billy the Kid.
Por esse tempo há muito tempo passaram
frutos e pedras e, então, havia aves a descerem
para o mar, havia névoas da cor das uvas
moscatéis e, talvez, a salsugem
e as sestas saboreadas dormidas em cima da caruma
nos Capuchos; era uma altura
em que o teu corpo ainda não me ameaçara
com o mar dos feitiços.
Volto atrás e sou meninos
tenho uma madrinha que era fanática
pela praia da Adraga:
os méis ainda estavam todos vivos,
não havia um verme lustroso
a roer a maçã,
foi numa noite de Verão com vento
que apareceu morto Billy the Kid
apunhalado na minha caixa dos brinquedos.

Agora quando vou aos Capuchos são outros os meus fantasmas:
o teu corpo está à beira do tempo:
os segredos que nos uniram
a mim e à parte fumegante que de ti resta
são como trapos sangrentos;
olho para o retrato da tua boca
como se fosses feita de
Lama,
nuvens que nunca vi.
Mas gostava da maneira como tratavas as plantas:
as plantas são crianças indefesas
que sentem as catástrofes
lambem a neve das estradas.

Vivi uma destas tardes a praia toda
o mar fulo, rebolei-me na areia velha onde cresci alguns verões,
lá estavam os mirones, porventura os filhos dos outros mirones,
o coxo sábio e o maneta,
tudo a cheirar a chuva e a muito sal,
as casas grandes eram sempre neuróticas
ter uma casa enorme aberta às brisas
era como sustentar uma rapariga neurótica.
Bem, havia sombras afugentadas por olhos de
pedra, lábios submersos por maçãs
vinhedos, o sabor bruxo dos pêssegos
a resina a escorrer para o rio de Colares

A praia da Adraga
foi o vinho mais feliz da minha vida.



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