No café do
Horácio discutiam-se abertamente as sondagens depois do 15 de Setembro, opiniões antagónicas
sobre vencedores, o Pacheco da peixaria pouco convicto da utilidade destas na
actual conjuntura:
-Isto com eleições ou sem elas, quem governa
é o FMI, escusam de gastar dinheiro ao país! Para estes tipos uma corda ao
pescoço ainda era pouco!
-Mas ainda assim o melhor são as eleições.
Quem o povo quiser que descalce a bota! -o Chico da barbearia, era pela
democracia apesar de tudo.
-O problema é que a democracia se esgota na
letra e na semântica das formas, mas não nos meios de lá chegar! -interrompeu
o professor Lopes, docente de Matemática no liceu da Portela, e estudioso dos
sistemas eleitorais.
Apanhado pela
erudição, o Chico fez uma careta, perguntando-se o que seria a tal semântica,
o Lopes, vendo ter assistência, pediu mais uma bica e expôs os seus pontos de
vista:
-É como digo, o sistema “um homem, um voto”
apesar de tido como o mais representativo está paradoxalmente longe de o ser. E
casos há em que provavelmente acabamos por eleger o candidato menos votado!
-Como assim? -o Horácio, curioso, quis ouvir mais.
-Vejam o seguinte exemplo -continuou,
escrevendo num toalhete do café - suponham
que para primeiro-ministro concorrem o Seguro, o Passos Coelho e o Paulo Portas
e que votam, por exemplo, 12 pessoas. Cada votante tem uma hierarquia de
preferências entre eles, do 1º para o 3º. Suponhamos que as ordens de
preferência são as seguintes: para 5 pessoas, a preferência vai para a
sequência Seguro-Portas-Passos, para 4 delas Passos-Portas-Seguro, para outras
3 Portas-Passos-Seguro. De acordo com a regra “um homem, um voto”, cada um vota
apenas numa preferência e aí o Seguro será eleito, com 42%, certo?
-Certo! Acho eu, pois…-o Horácio coçou
a cabeça, concordava, mas desde que não fosse o Seguro a ganhar.
-Mas e se o Passos Coelho retirar a
candidatura? O conceito de justiça eleitoral levaria a pensar que devia ganhar
o Seguro. Nada mais errado! Uma simples contagem mostra que retirando-se
Passos, Portas ganha a Seguro por 70-50 porque Seguro é a primeira escolha para
50 pessoas mas a última para 70. É eleito o Portas! Mais: em eleições só entre
2 candidatos, Portas vence Passos por 80-40 e Passos vence Seguro por
70-50. Os resultados mostram que os eleitores vêm Portas como o melhor
candidato, pois ganha a todos isoladamente e Seguro o pior, pois perde em
comparação com todos os outros. Ironia do destino: no sistema actual seria
eleito Seguro e Portas ficaria em terceiro. O resultado colectivo foi o menos
desejado pela maioria dos eleitores. Isto resulta da forma de contar os votos.
O sistema “um homem, um voto” não reflecte as opções do eleitorado!
-Estou a ver…é como no Sporting! -ripostou o
Chico da barbearia, com ar de entendido.
-Mais ou menos…-sorriu o professor, sem o
querer desmentir, a cabeça do Chico já estava confusa. Era preciso é que não
fosse o Seguro:
-Esse, nem que a vaca tussa! -elevou a
voz, irritado. O professor, ante os inesperados alunos concluiu, rasurando o
toalhete:
-O ideal seria que cada votante ordenasse os
candidatos por ordem de preferência. Se há 3 candidatos, o primeiro, por
exemplo, recebe 2 pontos, o segundo 1 e o terceiro 0. No final somam-se os
pontos e ganha quem tiver mais. É mais justo, pois reflecte todas as opções dos
eleitores e não apenas uma, a primeira. No exemplo dado, Portas teria 150
pontos, Passos 110 e Seguro 100. Cambalhota: o vencedor, aplicado o outro
sistema, ficaria agora em último!
-E já que se fala em democracia representativa, nada
como aproximar os resultados das opções das pessoas - concordou o
Horácio.
-No fundo, é o sistema do Festival da Canção…-
rematou professoral o Chico.
Duma mesa do
canto, o velho Albuquerque, anarquista empedernido, metendo-se na conversa,
rematou, sentenciando:
-Escrevam é o que lhe digo: se o voto é a
arma do povo, não votem, que ficam desarmados! O resultado das eleições vai ser
FMI- 120. Mais o juro de 5%. Ganham o primeiro, o segundo, o terceiro, e até o
Euromilhões….
-Pois…-suspirou o professor Lopes -o problema é que eles já são donos da
urna…
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