Embalado
pelo lento torpor outonal que anuncia o virar de ciclo da estiagem
sonolenta para o ritual despir das árvores, lembro junto à velha
roseira do jardim memórias da infância de veraneante burguês, com toldo ao mês na Praia das Maçãs e nêsperas suculentas nas
árvores da velha quinta.
Lembro
o café do Alcino, durante décadas pensão e café, onde muitos de nós assistimos às
tertúlias nocturnas de Agosto, quando as famílias da capital vinham a
banhos,e se assistia aos shows de
ilusionismo do Xaimix, Merlin de aldeia que fazia chover moedas
das nossas orelhas e, onde durante o
Mundial de Inglaterra, se chegou a pagar para assistir aos jogos, numa
das primeiras televisões que por lá apareceram, abaulada e com
falhas regulares na ligação á Eurovisão, enquanto se bebia um “pirolito”
ou uma Laranjina C.
E
havia o Salão, com cinema e teatro (cinco escudos dois filmes),e os
matraquilhos "ao perde paga",e apanhavam-se enguias no rio, e tocava-se
viola e ficava-se na conversa até ás 5 da manhã encostados aos muros das
casas, até que os galos da manhã cantavam e finalmente um sono
confortante nos esperava. Era um mundo imutável, previsível, aconchego
de certezas e promessas de felicidade renovada a cada Verão. E assim
passaram anos, e décadas, e a sépia virou cor, as televisões viraram
rectangulares e os toldos ao mês mudaram para Sul.
Como
parecia longa a viagem de 3 horas entre Lisboa e Sintra, por dentro da
Amadora e Massamá (ainda sem prédios),e os carros da Sintra Atlântico e
do Eduardo Jorge, os pêssegos gigantes e as maçãs reinetas, e as noites
cacimbadas a falar de tudo no velho café do Alcino, inventando peças de
teatro que depois se gravava altas horas da noite em bobinas de fita.
Um
dia chegou um tempo novo, madrugada dita redentora, e as árvores viram chegar
novos personagens, novos sons, cartazes nas paredes, caseiros que agora
também se sentavam na mesa dos “senhores de Lisboa”.Várias luas e sóis
passaram, as mesmas árvores e ventos renovaram a sua magia todos os
anos, e de novo cá esperamos, como se da primeira vez se tratasse, mais
um Outono intruso mas familiar, com a brisa leve vinda desse mar oceano
soprando sobre a velha casa cheia de mundos idos e outros ainda a vir.Alguns partiram entretanto, mas continuo a ouvir a voz dizendo que o jantar está pronto, e acorro, neste e em todos os outonos até ao fim.
Sem comentários:
Enviar um comentário