7h30m,
noticiário da manhã, a dívida, o desemprego, assaltos. Os dias mais escuros, levantar
com o cheiro a ovos na cozinha,o duche reconfortante antes de sair
para um dia de aulas. No jardim, o cachorro ladra, arrastando um balde roubado
à avó Ana, é um brincalhão o Google,
irrequieto motor de busca, sobretudo na casa dos vizinhos. O padeiro chega com
cara de poucos amigos, seis carcaças e um pão saloio, saudado pelo Google e outros cães inimigos de padeiros. As rotinas sucedem-se, cadenciadas e sem surpresa, em
mais um dia de Mafalda: a corrida atrasada para o autocarro das 8h25m, fantasmas
enraivecidos ao volante, acelerando estrada fora, gritando com tudo e todos,
fanfarrões e impacientes.Mafalda, com o caderno e os inseparáveis phones, toma
o caminho para a escola, ao encontro dos colegas mais que de outra coisa, uma
pizza ao meio dia no jardim junto à escola e uma profusão de SMS para as
amigas encherão o dia, risonho, que a crise é para maiores de dezoito.
Noutro mundo, aconchegada nos quinze anos ingénuos, as caras mortificadas no
autocarro destapam moribundos que se arrastam para frágeis empregos, caminhando
por ruas cada vez mais soturnas, doenças sem comparticipação, maridos desempregados,
filhos rebeldes e deserdados da esperança. O inimigo presente.
Inertes, passivos, carpindo o destino que se deixou acontecer, messiânico e
brutal. Mafalda, adolescente e alva, alheia a tudo, problema é o Moche para falar aos amigos, cinco euros
para poder sair à noite, e tásse. A mãe já
só faz frango, coitada, carne da mais barata, ontem cortaram a luz, o tio Zé
desenrascou o dinheiro, mas por uns dias, coisa de cotas mal dispostos,
comentou na escola com a Xana, olhando gulosa o Bruno do 8ºC.
Em casa, já só o futebol interrompe a crise nos dias assombrados, ópio do povo e sacrossanta força. Um canto não marcado, um fora de jogo, hoje no campo, amanhã na vida, a vitória ou derrota, já no tempo dos descontos. Agitado, o pai pagou a luz, só para não perder o jogo em canal aberto.
Na escola, sussurram-se revoltas. Dos professores, congelados e cortados, dos colegas, filhos de pais sem trabalho e caídos no álcool, capturados por um futuro sem futuro, suspirando por um passado já passado. É dose. A stôra de História fala dos navegadores, e dos dias de glória, passados, terá sido cá? Que remotos Ronaldos conquistaram o Brasil e a Índia nessa ibérica Champions, com Portugal favorito no torneio de Tordesilhas? O Filipe, do 9ºB, levou um autocolante de Portugal no caderno. Angustiada, a professora de História passou-lhe a mão pela cabeça e afagou-o, entristecida. Restará algo ainda? Valem os dias, quentes e amenos, como se os deuses, tolerantes, compensassem a crueza dos tempos com o perfume do bom tempo, ainda assim, com os antigos incrédulos agoirando a seca e o atraso para as sementeiras.
Nos cafés junto à escola, ao almoço, funcionários públicos clamam contra a iniquidade dos cortes, da discriminação, surpreendentemente, a escola de línguas regista aumento de alunos. Para os putos se pirarem um dia destes, alvitra o Mike, o professor de inglês, com dez anos de Portugal. Alheias, Mafalda e amigas correm do café para o jardim, seguidas pelos rapazes da turma, acne no rosto e barba recente, chegada a puberdade e o tempo da sedução. As folhas amarelecem, mas tardam a cair. No café do Baptista, as notícias mostram a Grécia em chamas, sob o ataque dos mercados, indelevelmente anunciando o fim dos amanhãs de fartura. Alheio e ausente, um gato amarelo, lança-se sobre restos de comida espalhados no jardim.
Anoitece já quando Mafalda torna a casa, no mesmo autocarro da manhã, a D.Lurdes volta do médico, também, com mais uma receita, mais cara agora, ruidosos colegas alegram o autocarro, serpenteando nas curvas de Sintra com os castelos silenciosos no alto. E a um dia outro sucederá, a cumprir calendário, que não vida. Das casas em silêncio saltam rumores, desabafos, vidas perdidas, doentes acamados. À porta de casa, o Google, alheio e abanando o rabo, ladra à chegada de Mafalda, a avó espera já com um yogurte e um pão com fiambre. Tempo de Facebook, de SMS, de Morangos, e agora de chat com o Bruno do 8ºC, o gato lançou a escada.Colada à televisão, no sofá do quarto, a avó, já noite e solitária, vê o reality show, e abana a cabeça, Mafalda, no quarto, com o computador, recolhe-se ao confessionário de silêncios da felicidade virtual. É Portugal, e 2012.
Em casa, já só o futebol interrompe a crise nos dias assombrados, ópio do povo e sacrossanta força. Um canto não marcado, um fora de jogo, hoje no campo, amanhã na vida, a vitória ou derrota, já no tempo dos descontos. Agitado, o pai pagou a luz, só para não perder o jogo em canal aberto.
Na escola, sussurram-se revoltas. Dos professores, congelados e cortados, dos colegas, filhos de pais sem trabalho e caídos no álcool, capturados por um futuro sem futuro, suspirando por um passado já passado. É dose. A stôra de História fala dos navegadores, e dos dias de glória, passados, terá sido cá? Que remotos Ronaldos conquistaram o Brasil e a Índia nessa ibérica Champions, com Portugal favorito no torneio de Tordesilhas? O Filipe, do 9ºB, levou um autocolante de Portugal no caderno. Angustiada, a professora de História passou-lhe a mão pela cabeça e afagou-o, entristecida. Restará algo ainda? Valem os dias, quentes e amenos, como se os deuses, tolerantes, compensassem a crueza dos tempos com o perfume do bom tempo, ainda assim, com os antigos incrédulos agoirando a seca e o atraso para as sementeiras.
Nos cafés junto à escola, ao almoço, funcionários públicos clamam contra a iniquidade dos cortes, da discriminação, surpreendentemente, a escola de línguas regista aumento de alunos. Para os putos se pirarem um dia destes, alvitra o Mike, o professor de inglês, com dez anos de Portugal. Alheias, Mafalda e amigas correm do café para o jardim, seguidas pelos rapazes da turma, acne no rosto e barba recente, chegada a puberdade e o tempo da sedução. As folhas amarelecem, mas tardam a cair. No café do Baptista, as notícias mostram a Grécia em chamas, sob o ataque dos mercados, indelevelmente anunciando o fim dos amanhãs de fartura. Alheio e ausente, um gato amarelo, lança-se sobre restos de comida espalhados no jardim.
Anoitece já quando Mafalda torna a casa, no mesmo autocarro da manhã, a D.Lurdes volta do médico, também, com mais uma receita, mais cara agora, ruidosos colegas alegram o autocarro, serpenteando nas curvas de Sintra com os castelos silenciosos no alto. E a um dia outro sucederá, a cumprir calendário, que não vida. Das casas em silêncio saltam rumores, desabafos, vidas perdidas, doentes acamados. À porta de casa, o Google, alheio e abanando o rabo, ladra à chegada de Mafalda, a avó espera já com um yogurte e um pão com fiambre. Tempo de Facebook, de SMS, de Morangos, e agora de chat com o Bruno do 8ºC, o gato lançou a escada.Colada à televisão, no sofá do quarto, a avó, já noite e solitária, vê o reality show, e abana a cabeça, Mafalda, no quarto, com o computador, recolhe-se ao confessionário de silêncios da felicidade virtual. É Portugal, e 2012.
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