quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Contra a extinção da freguesia de S.Martinho(Sintra)



Está em liça a questão da reorganização administrativa, agora numa fase de maior visibilidade, e já em presença dum documento para discussão, a Proposta de Lei n.º 44/XII de 20 de Março. Sob a semântica intenção do” reforço da coesão nacional”, da “melhoria da prestação dos serviços públicos locais” ou da "optimização da actividade dos diversos entes autárquicos”, a reforma, na verdade imposta pelo memorando da troika (a qual se duvida que saiba o que são freguesias e que em 3 semanas tenha ficado a saber muito mais) nasceu torta e sobretudo inquinada pela ausência duma real e efectiva vontade originária provinda dos interessados na sua própria reforma, essa sim, o verdadeiro paradigma da administração local democrática.
Chamando racionalização à sanha dos cortes cegos, e organização do território a um critério que trata por igual o que é de si saudavelmente desigual, a proposta acena com a libertação de recursos financeiros que serão colocados ao serviço dos cidadãos, alardeando uma suposta optimização da alocação dos recursos existentes e o reforço das atribuições e competências próprias actualmente cometidas às freguesias, acompanhado pelo correspondente envelope financeiro, prometendo uma majoração de 15% da participação no Fundo de Financiamento de Freguesias (FFF), até ao final do mandato seguinte à fusão aos que sem discussão acatem o critério preconizado na proposta.
É certo que se diz salvaguardar a pronúncia dos órgãos autárquicos, sem deixar contudo de lançar o remoque de que “ a inércia corresponderá a uma demissão face ao processo de reforma. É pois uma outorga a jeito de canga e não uma auscultação ou participação verdadeiramente democrática o que esta proposta vem oferecer. Expressões como “obrigatoriedade” de reorganização administrativa, ou “proximidade” (quando a provável nova sede da freguesia pode vir a ficar a mais de 20 km), soam a semânticas, alem de que a solução apresentada para a designação das freguesias anexadas supõe uma nomenclatura extensa e despida de identidade.
Poder-se-á chamar “participação” a uma via sacra contra-natura em que os chamados a participar querem fazê-lo, mas se calhar não nesta direcção?
O concelho de Sintra, pelo novo projecto, situar-se-á no quadro dos municípios de nível 1 (20000 habitantes por freguesia no lugar urbano e 5000 habitantes nas outras freguesias), devendo as freguesias com um índice de desenvolvimento económico e social mais elevado, maior número de habitantes e maior concentração de equipamentos colectivos ser consideradas, no quadro da prestação de serviços públicos de proximidade como preferenciais pólos de atracção das freguesias contíguas, e a sede do município preferencialmente considerada como pólo de atracção das freguesias que lhe sejam contíguas, independentemente de nestas se situarem ou não lugares urbanos.
Como município de nível 1, deverá pois o concelho de Sintra prever a redução, no mínimo, de 55% do número de freguesias cujo território se situe, total ou parcialmente, no mesmo lugar urbano ou em lugares urbanos sucessivamente contíguos, e de 35% do número das outras freguesias.
A proposta prevê que em casos devidamente fundamentados a assembleia municipal possa, no âmbito da respectiva pronúncia sobre a reorganização administrativa do território das freguesias, considerar solução diferente da resultante dos parâmetros de agregação, desde que a mesma não implique uma agregação de freguesias em número inferior. Liberdade, sim, mas limitada…
E as novas freguesias, alem de nascerem tortas, nascerão obtusas, isto é, passarão a designar-se «União das Freguesias», seguida das denominações de todas as freguesias anteriores que nela se agregarem.
Fala-se em redução de burocracia e proximidade, e para tanto acena-se com nova cenoura, de novo uma outorga e não um direito reclamado pela legitimidade originária dos fregueses: a criação dum designado conselho de freguesia, a funcionar junto da assembleia de freguesia e composto por cidadãos residentes em cada um dos territórios das freguesias agregadas, designados, em igual número, pela assembleia de freguesia. Não se descortina o que trará de novo face às assembleias de freguesia já existentes, e duvida-se mesmo que em aglomerados mais pequenos haja pessoas interessadas em deslocar-se um bom par de quilómetros para participar num órgão consultivo, duplicador da assembleia de freguesia e meramente ornamental.
Quanto às novas competências das freguesias, o projecto remete para lei ordinária posterior, na prática uma terceira cenoura (para melhor preparar o “doente” para a segunda dose de “racionalização” e “proximidade”…) prometendo uma recompensa de mais 15% de reforço nas verbas. Mas - há sempre um mas…- exceptuam-se as freguesias cuja agregação não resulte de pronúncia da assembleia municipal conforme com os princípios e parâmetros de agregação previstos na  lei,  casos em que não haverá lugar a qualquer aumento na participação no FFF. Os 15%, serão só para os bem comportados, portanto. E a assembleia municipal, só após consulta ou proposta da câmara municipal, (terá de esperar por uma proposta da Câmara, que dela emana, e não exercerá ab initio um direito próprio enquanto principal órgão da autarquia)) deliberará sobre a reorganização administrativa do território das freguesias, considerando os princípios e os parâmetros de agregação definidos na lei.
A pronúncia da assembleia municipal deverá conter a identificação das freguesias consideradas como situadas em lugar urbano, o número de freguesias, a denominação das freguesias, a definição e delimitação dos limites territoriais, a determinação da localização das sedes das freguesias e uma nota justificativa.
A pronúncia da assembleia municipal deverá ser entregue à Assembleia da República no prazo máximo de 90 dias a contar da entrada em vigor do diploma que venha a ser aprovado, acompanhada, quando emitidos, dos pareceres das assembleias de freguesia. Senão, a Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território, que funcionará junto da Assembleia da República tratará de apresentar propostas concretas de reorganização administrativa do território das freguesias.
Se a assembleia municipal não promover a agregação de freguesias nos termos da lei, o silêncio será equiparado para todos os efeitos legais, a ausência de pronúncia, e aí avançará essa figura tecnocrático-troikiana que é a Unidade Técnica, valiosa conquista do Estado de Direito democrático pós-resgate...
Esta reforma atabalhoada mexe com o Portugal profundo, a sua idiossincrasia e a vontade popular muitas vezes no passado escrita em sangue contra os poderosos, e só um contrato com as populações de génese democrática pode tornar pacífica uma lei que a todos contente, por a todos respeitar. De outro modo, está lançado o alarme social sobre o ponto do memorando da troika mais difícil de fazer cumprir.
Penalizadas pelas transferências do OGE, a Lei dos Compromissos, a suspensão de fundos comunitários, as autarquias estrebucham. S.Martinho, onde os 30 cavaleiros donatários de Sintra se instalaram depois do foral de 1154, onde os templários de Gualdim Pais zelaram pela fé, que viu o Chão de Oliva e a Xentra moura, a judiaria e a alpendrada, o nascimento e a morte de reis, o Lawrence e o Hotel Nunes, acolheu Ferreira de Castro e escutou Zé Alfredo, não pode ser engolida por uma mera decisão administrativa que a ignora e avilta.
Independentemente duma reorganização administrativa que parta das populações e seja subjacente a um modelo de desenvolvimento partilhado, que não se nega terá de se colocar um dia destes, é para já dever dos moradores e fregueses de S.Martinho dizerem que assim não.
Como escreveu Dante Alighieri, “a vontade, se não quer, não cede. É como a chama ardente, que se eleva com mais força quanto mais se quer abafá-la

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