Um mês depois do regresso à velha
Albion, após viagem pelo continente, John Hobhouse e Byron juntaram-se para um
Porto no clube, em Tavistock Road, batiam as onze em St Paul's. Lord Aviemore,
na sala de fumo, puxando do cachimbo e levantando os olhos do jornal,
deparou com ele junto ao bilhar, degustando um Croft. Era George Noel Gordon,
sexto barão Byron, membro da Câmara dos Lordes e afamado maverick,
fazia meses que não vinha ao clube:
-Byron! Hobhouse!De volta à
City?
-Lord Aviemore, my respects.
Sim, infelizmente, voltámos à chuva e aos becos de carvoeiros indigentes -ironizou
Byron, com ar enfadado, meneando a cabeça na direcção de Aviemore, grande
proprietário em Durham e tory empedernido.
-Well….E o Continente, aqueles
jacobinos todos, já ganharam algum juízo?
Hobhouse até ali calado,
intrometeu-se, ensaiando um relato:
-A bem dizer, Portugal foi o
mais interessante, milord. Lisboa está cheia de salteadores e rameiras, mas há
recantos no countryside que surpreendem num pardieiro daqueles…
-Really? O quê? Igrejas,
cheias de bloody catholics?
Byron retomou o relato:
-Sintra, milord. Fica nos
arredores da capital, verdejante como o Yorkshire e amena como Brighton.
Misturam-se de forma peculiar os labregos montando burros e a formosura dos
jardins, uma dádiva inesperada que ninguém adivinharia naquela parte de
Espanha…
O navio que de Falmouth
transportou Hobhouse e George ancorara em Lisboa em plena ocupação francesa, com anarquia nas ruas e assaltos generalizados. Acompanhados de três
criados, tudo lhes pareceu exótico e pitoresco. Hobhouse, após dois dias
em Lisboa, juntou-se a Marsden, e ambos partiram a descobrir Sintra, por uma
estrada com muitas curvas, munidos de três jugos de vinho, pão e queijo, o
palácio de Marialva e os jardins de Monserrate, antes pertença do sodomita
Beckford, haviam sido recomendados. Byron aventurou-se em Mafra, a visitar
o convento, antes da invasão os frades eram mais de cem, apenas
trinta agora. Foi agradável a primeira noite em Sintra, na companhia de Scott,
Simmons e Turner, reverendos ingleses alojados na estalagem da irlandesa Lawrence, que agora
recordavam com bonomia.
-Mas nesse lugar há alguma
civilização, good heavens? –zombou Aviemore, para quem já Manchester era pouco interessante, quanto mais essa terra de negreiros e
estivadores esturricando ao sol - há é que impor lá a lei do Império, e de
chicote na mão!
-Há de tudo, lord Aviemore, é
muito pitoresco, indeed! -relatou Hobhouse, divertido. -Num mosteiro a
que chamam de S. Jerónimo, na montanha, vivem quatro monges, pobres.
No Cork Convent, na parte alta da região, há franciscanos que não comem carne
ou bebem vinho, e flagelam-se, veja só! Mas melhor, melhor, foi Colares…-lembrando
as pipas de tinto e palheto, retomou o relato: -bela vila, vinho abundante,
é óptimo o clarete. Em Colares, o pobre Turner soube o que o vinho português
pode fazer ao fígado…A estalagem é que foi um horror, cheia de
hóspedes embriagados, a landlady, uma irlandesa gordurosa, presenteou-nos com
uma conta de quarenta libras, imagine!
Lord Aviemore, cansado das
descrições, demasiado coloridas, acenou ao criado, pedindo tabaco para o
cachimbo. Byron, sentindo o velho incomodado, apimentou a conversa,
divertido:
-Foi muito divertido nadar no
Tejo, montar burros e dizer palavrões em português.”Carracho” é o que dizem os
fidalgos de lá quando praguejam, é como o nosso 'damme!- relatou, olhando
trocista para o velho lorde.
-Sim, sim…Bem, meus senhores,
deixo-os com os vossos rústicos portugueses. Tenho um almoço com Lord
Windermere em Covent Garden. Passar bem! E saiu, agastado com as
informalidades do jovem lorde, tinha seis minutos e meio para chegar ao
encontro.
Hobhouse e Byron haviam estado dez dias apenas em Portugal, mas a memória daquele verde selvagem e dos
palácios, parecendo esconder ogres famintos, ficara-lhes na memória. Observando
a chuva que caía copiosa dos lados de Kensington, recordavam o cheiro a
eucalipto e os musgos perfumados daquela inesperada selva ao sul da Europa.
Pudesse aquele recanto separar-se e ser transportado para terra decente…
-Carracho!- soltou Byron,
estalando os dedos, e engolindo o seu Porto de um trago.
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