terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Um cheiro a selva em Tavistock Road



Um mês depois do regresso à velha Albion, após viagem pelo continente, John Hobhouse e Byron juntaram-se para um Porto no clube, em Tavistock Road, batiam as onze em St Paul's. Lord Aviemore, na sala de fumo, puxando do cachimbo e  levantando os olhos do jornal, deparou com ele junto ao bilhar, degustando um Croft. Era George Noel Gordon, sexto barão Byron, membro da Câmara dos Lordes e afamado maverick, fazia meses que não vinha ao clube:

-Byron! Hobhouse!De volta à City?

-Lord Aviemore, my respects. Sim, infelizmente, voltámos à chuva e aos becos de carvoeiros indigentes -ironizou Byron, com ar enfadado, meneando a cabeça na direcção de Aviemore, grande proprietário em Durham e tory empedernido.

-Well….E o Continente, aqueles jacobinos todos, já ganharam algum juízo?

Hobhouse até ali calado, intrometeu-se, ensaiando um relato:

-A bem dizer, Portugal foi o mais interessante, milord. Lisboa está cheia de salteadores e rameiras, mas há recantos no countryside que surpreendem num pardieiro daqueles…

-Really? O quê? Igrejas, cheias de bloody catholics?

Byron retomou o relato:

-Sintra, milord. Fica nos arredores da capital, verdejante como o Yorkshire e amena como Brighton. Misturam-se de forma peculiar os labregos montando burros e a formosura dos jardins, uma dádiva inesperada que ninguém adivinharia naquela parte de Espanha…

O navio que de Falmouth transportou Hobhouse e George ancorara em Lisboa em plena ocupação francesa, com anarquia nas ruas  e assaltos generalizados. Acompanhados de três criados, tudo lhes pareceu exótico e pitoresco. Hobhouse, após dois dias em Lisboa, juntou-se a Marsden, e ambos partiram a descobrir Sintra, por uma estrada com muitas curvas, munidos de três jugos de vinho, pão e queijo, o palácio de Marialva e os jardins de Monserrate, antes pertença do sodomita Beckford, haviam sido recomendados. Byron aventurou-se em Mafra, a visitar o convento, antes da invasão os frades eram mais de cem, apenas trinta agora. Foi agradável a primeira noite em Sintra, na companhia de Scott, Simmons e Turner, reverendos ingleses alojados na estalagem da irlandesa Lawrence, que agora recordavam com bonomia.

-Mas nesse lugar há alguma civilização, good heavens? –zombou Aviemore, para quem já Manchester era pouco  interessante, quanto mais essa terra de negreiros e estivadores esturricando ao sol - há é que impor lá a lei do Império, e de chicote na mão!

-Há de tudo, lord Aviemore, é muito pitoresco, indeed! -relatou Hobhouse, divertido. -Num mosteiro a que chamam de S. Jerónimo, na montanha, vivem quatro monges, pobres. No Cork Convent, na parte alta da região, há franciscanos que não comem carne ou bebem vinho, e flagelam-se, veja só! Mas melhor, melhor, foi Colares…-lembrando as pipas de tinto e palheto, retomou o relato: -bela vila, vinho abundante, é óptimo o clarete. Em Colares, o pobre Turner soube o que o vinho português pode fazer ao fígado…A  estalagem é que foi um horror, cheia de  hóspedes embriagados, a landlady, uma irlandesa gordurosa, presenteou-nos com uma conta de quarenta libras, imagine!

Lord Aviemore, cansado das descrições, demasiado coloridas, acenou ao criado, pedindo tabaco para o cachimbo. Byron, sentindo o velho incomodado, apimentou a conversa, divertido:

-Foi muito divertido nadar no Tejo, montar burros e dizer palavrões em português.”Carracho” é o que dizem os fidalgos de lá quando praguejam, é como o nosso 'damme!- relatou, olhando trocista para o velho lorde.

-Sim, sim…Bem, meus senhores, deixo-os com os vossos rústicos portugueses. Tenho um almoço com Lord Windermere em Covent Garden. Passar bem! E saiu, agastado com as informalidades do jovem lorde, tinha seis minutos e meio para chegar ao encontro.

Hobhouse e Byron haviam estado dez dias apenas em Portugal, mas a memória daquele verde selvagem e dos palácios, parecendo esconder ogres famintos, ficara-lhes na memória. Observando a chuva que caía copiosa dos lados de Kensington, recordavam o cheiro a eucalipto e os musgos perfumados daquela inesperada selva ao sul da Europa. Pudesse aquele recanto separar-se e ser transportado para terra decente…

-Carracho!- soltou Byron, estalando os dedos, e engolindo o seu Porto de um trago.

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