Decorreu no dia 1 de Outubro na Biblioteca Nacional a
apresentação do documentário de Miguel Ferraz “Barros Queiróz-Figura Moral da
República”, evocativo dessa figura, antigo ministro da Fazenda e edil em Lisboa
e ligado a Sintra, onde tinha uma casa e proclamou a República em 5 de Outubro
de 1910. Para esse trabalho gravei há cerca de 2 anos um depoimento sobre a
ligação a Sintra, e no mesmo, realizado de forma didática e interessante,
prestam igualmente depoimento personalidades como Mário Soares, Maria de Belém
Roseira, Guilherme d’Oliveira Martins, Carlos Manique, António Nogueira Leite
ou João Rodil. Ver reportagem na Saloia TV em
http://saloia.tv/v/yjFUESSwnS8
http://saloia.tv/v/yjFUESSwnS8
Em Sintra, a 5 de Outubro de 1910, o directório do Partido
Republicano Português designou Tomé de Barros Queiróz, figura de destaque na
época e ligado a Sintra, onde tinha um chalet, para proceder à sua proclamação
solene. Barros Queiróz havia chegado a Sintra em meados de Setembro, vindo de
férias nas termas, e aqui recebeu a notícia da morte de um dos chefes da
revolta, o Dr. Miguel Bombarda. Confirmado o sucesso do movimento militar,
Barros Queiróz foi convidado pelo PRP
para proclamar a República em nome da Junta Revolucionária, tendo sido
designados para o acompanhar nesse momento histórico o jornalista João
Chagas, bem como José Barbosa e Malva do
Vale. Foi assim que um grupo de apoiantes do novo regime se concentrou junto
com Barros Queiróz num local onde hoje fica a Praça Afonso de Albuquerque para
esperar os outros enviados do PRP. Alguns deles, armados, inclusive já desde
alguns dias guardavam residências de políticos e figuras destacadas do regime
monárquico, entre as quais a de João Franco, que veraneava em Sintra com a
família real, e que tinha sido um dos protagonistas do odiado governo que em
1908 custou a vida ao rei D.Carlos, e que agora, paradoxalmente, era protegido
na sua pessoa e bens pelos revolucionários, para evitar pilhagens e actos de
vandalismo. Entre os que protegeram João Franco em Sintra contava-se o filho de
Barros Queirós, Daniel, com 19 anos na altura, sendo que João Franco, apesar do
reviralho que se adivinhava, mandou servir comida e café aqueles que se
preparavam para alterar o regime que ele servira.
Estavam os populares reunidos quando chega um dos poucos
carros que havia naquele tempo, ostentando uma bandeira verde rubra, ao que os
populares responderam com vivas à República. Nessa viatura vinha uma eufórica
senhora de apelido Quaresma Val do Rio Barreto.Passado um tempo, uma outra
viatura, aberta, transportava duas figuras vestidas de escuro . Eram a rainha D.Amélia
e uma camarista, que vindas da Pena, se dirigiam a Mafra a juntar-se ao deposto
rei D.Manuel, de onde partiriam posteriormente em direcção a Inglaterra. Barros
Queiróz, reconhecendo a rainha, tirou o seu chapéu, e silenciando os vivas à
República, saudou com cortesia a real figura, no que foi acompanhado pelos
demais. Revoluções à portuguesa, dirão alguns…
Finalmente chegou o grupo vindo de Lisboa, e todos se
dirigiram à varanda dos Paços do Concelho (os actuais, que haviam sido
inaugurados um ano antes, em 1909, e proclamaram solenemente a República
Portuguesa, tendo na altura sido anunciados Formigal de Morais como presidente
da Câmara Municipal de Sintra e Gregório Casimiro Ribeiro como administrador do
concelho. Todo o dia foi de festa em Sintra, tendo uma banda de música
percorrido a vila em clima de euforia júbilo.
Tomé de Barros Queiróz foi deputado, Ministro das Finanças,
Ministro da Instrução Pública e Presidente do Conselho de Ministros e membro da
Maçonaria. Nascido em Quintãs, Ílhavo, filho de modestos lavradores, veio muito
cedo para Lisboa, começando a trabalhar aos 8 anos como caixeiro numa casa
comercial. Apenas na década de 1890 conseguiu matricular-se na Escola Elementar
de Comércio de Lisboa. Em 1888 tornou-se militante do Partido Republicano
Português, ascendendo rapidamente a lugares cimeiros na direcção daquele
partido. Envolvido nas lutas operárias, foi um dos promotores da criação da
Associação dos Caixeiros Nocturnos de Lisboa, ligando-se por essa via à
imprensa, sendo fundador de A Voz do Caixeiro e colaborando no periódico O
Caixeiro.
Eleito em listas republicanas foi, entre 1908 e 1911,
presidente da Junta de Freguesia de Santa Justa e vereador da Câmara Municipal
de Lisboa. Como referido, foi ele quem proclamou a República em Sintra em 5 de
Outubro de 1910.Representou Sintra na Assembleia Constituinte que elaborou a
Constituição de 1911, ao ser eleito deputado por Torres Vedras nas primeiras
eleições após o 5 de Outubro, pois esse círculo englobava Torres Vedras,
Lourinhã, Sintra e Cascais, entre outros locais, tendo obtido 7609 votos.
Com a cisão do Partido Republicano Português após a
proclamação da República Portuguesa, integrou o Partido Unionista, onde militou
entre 1911 e 1919. Foi também secretário-geral e director-geral da Fazenda
Pública, cargo em que foi o principal autor da reforma tributária de 1911. Como
deputado por Torres Vedras, no mandato de 1911 a 1915, foi escolhido para
vice-presidente da Câmara dos Deputados, apresentando então um parecer, à época
considerado excepcional, sobre a Lei de Meios de 1912-1913 (o orçamento do
Estado à altura).
Em 1912 iniciou-se na Maçonaria, na loja Acácia, de Lisboa,
adoptando o nome simbólico de Garibaldi.
Na sequência da revolução de 14 de Maio de 1915, aceita o
lugar de Ministro das Finanças, cargo que exerceu até 18 de Junho de 1916.
Mantendo-se na actividade política, já em período de
degenerescência da Primeira República voltou ao Governo no período entre 24 de
Maio e 30 de Agosto de 1921, como presidente do Conselho de Ministros (o título
do Primeiro Ministro da época), acumulando com a sua antiga pasta das Finanças.
O seu curto mandato à frente do governo português ficou marcado pela profunda
crise financeira do Estado e por uma tentativa desesperada de recorrer ao
crédito externo, através da contracção de um empréstimo de 50 milhões de
dólares na América. Este empréstimo, anunciado como salvador pelo líder
republicano Afonso Costa, acabou por não se materializar. Em 1922 foi eleito
deputado pelo círculo açoriano da Horta, reingressando nesse mesmo ano pelo
círculo de Lisboa, mantendo-se no parlamento até 1924. A partir de 1923 passou
a militar no Partido Nacionalista. Faleceu em Lisboa a 5 de Maio de 1926, já em
pleno ano final da Primeira República Portuguesa de que fora um dos fundadores.
A ligação de Tomé de Barros Queiróz a Sintra vinha já de
antes do 5 de Outubro, pois aqui adquiriu um chalet na antiga avenida Alda, no
final da actual Av. Heliodoro Salgado, onde tinha por vizinho Henrique Santana,
pai do grande actor Vasco Santana, que contava na altura 12 anos, e vivia com
uma senhora espanhola chamada D.Pepa. Sendo a casa de Barros Queiróz de 6
divisões e a de Henrique Santana de 12, e tendo Barros Queiróz 4 filhos,
fizeram uma permuta de casas, instalando-se Barros Queiróz no popularmente
designado “Chalet Nabo” pela forma de nabo em que terminava a cúpula aí
construída precedida duma escada de caracol. Nesse local se realizaram muitas
tertúlias e encontros.Em 1913, sendo Estevão de Vasconcelos Ministro do
Fomento, intercedeu Barros Queiroz para o arranjo urbanístico do local onde
hoje está o jardim da Correnteza.
Depois da sua morte, em Maio de 1925,a Câmara Municipal de
Sintra presidida pelo então presidente da Comissão Administrativa, capitão
Craveiro Lopes (futuro Presidente da República) inaugurou uma rua com o seu
nome, no 5 de Outubro de 1926,cerimónia que contou com muitos vultos nacionais
bem como locais, dos quais se destacavam o dr.Virgílio Horta e Eduardo Frutuoso
Gaio. Uma coincidência haveria de ocorrer mais tarde durante a recuperação
urbanística da Correnteza que ele em 1913 preconizara: os candeeiros de
iluminação pública aí ainda hoje existentes, viriam a ser adquiridos numa loja
da família Barros Queiroz no Largo de S.Domingos, em Lisboa. Pode pois dizer-se
que por diversas formas, a Correnteza é a Correnteza de Barros Queiróz
Eu e João Rodil na apresentação do documentário
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