Na
sala da fisioterapia os dois pacientes seguiam resignados os
procedimentos que tirânica, a enfermeira Consuelo ditava: alongamentos,
passadeira (20 minutos) e bicicleta. Resignados, lá se sujeitavam, Hugo e
Fidel, já amigos do trivial pursuit e de sessões de paintball na Sierra Maestra, disparando bolas de tinta azul a yankees de borracha, encontravam-se agora para irritantes tratamentos, hasta la cura, siempre!
Fidel,
que se habituara já às visitas de Hugo,( sempre que ia a Havana levava
umas bananas e DVD’s do Speedy Gonzalez, os favoritos de Fidel) , por
ironia do destino e gáudio dos contra revolucionários fora agora traído
por um pélvis mais fraco, por sinal detectado a tempo por camaradas
cubanos e dissolvido no paredón do hospital à sombra tutelar
dum quadro de Simon Bolivar, que para assistir à operação, como Virgem
da Macarena, fora mandado vir. Na convalescença, a hora da fisioterapia
era sempre comovente, sem guerrilheiros barbudos ou imperialistas à
espreita, mas a enfermeira Consuelo, pior que Estaline, esperando o fim
do exercício para impiedosa espetar-lhes a seringa na revolucionária
nalga. Hugo, pedalando ia falando com o velho líder, a ausência de
exercício físico e o abuso da tequilla não ajudavam muito à recuperação:
-Mira,
Fidel, temos de nos recuperar rápido, o povo sem nós fica desorientado e
órfão. Se domingo não apareço no meu programa de televisão, o“Alô
Presidente” a Venezuela vai sentir-se desamparada. Este mês foi só
azares, coño, apanho este abcesso ridículo, falho o bicentenário da
independência e para rematar perdi o meu aliado na Europa, o Sócrates.
Tem de se arranjar algo rápido, inventar que a CIA me queria matar, ou
levar para Guantanamo!
Fidel, cara mirrada e frágil, com vários meses de tratamento em cima,fazia que ouvia, andando na passadeira e com uns headphones colocados, escutava pela 587ª vez o Hasta Siempre,
de Carlos Puebla, uma vez com a emoção levantara um braço e deslocara-o, a osteoporose, reaccionária, fazia o seu trabalho ao
serviço dos gringos do Norte. De vós trémula, aconselhou o
recém-chegado:
-Sempre
que te diagnosticarem uma doença há que desmentir como
contra-informação do inimigo. Vê o meu caso: quantas vezes anunciaram a
minha morte? Sabes quantos presidentes americanos já passaram dizendo
que me iam liquidar? Onze! São onze caixas de puros que fumei, uma por
cada um que saía, falhando. E podem esperar sentados: quando o Raul
morrer-sim, que ele é mais novo mas tem uma próstata de mierda!- hei-de
voltar, Cuba sem mim não sobrevive, sou o único revolucionário que
resta!
-Bueno,
compañero, não te esqueças de mim também, que dou emprego aos teus
oftamologistas desempregados. Sabes quantos venezuelanos que viam bem
pus a usar óculos só para vos ajudar? Miles!. No futuro o povo só
recordará Fidel Castro e Hugo Chavéz como libertadores e pais da
revolução! Victória o muerte!
Fidel
tossia intensamente agora, Consuelo, profissional e atenta, mandou-o
abrir a boca para mais uma colher de xarope, meio engasgado, El
Comandante, depois da colher de chá amarga, sentou-se a descansar, Hugo,
sem ordem de intervalo, continuava na passadeira com o seu fato de
treino amarelo e azul:
-Compañeros,
o camarada fisioterapauta aconselha que incentivemos os exercícios de
fitness! O compañero Chavez tem de tirar dez quilos, dieta rigorosa!- Consuelo olhava o relógio, para Chavéz, vinte minutos ainda, antes do duche.
-Fitness?- rosnou Chavéz, continuando a andar- isso é coisa de gringo! E virando-se para o velho Castro, piscou-lhe o olho, com ar maroto:
-Tinham de estar mais chicas na enfermaria, não? Podíamos mandar vir do Malecón ou do Tropicana, para nos fazerem o penso…
Fidel, cansado e de olhar mortiço, aí sorriu, sessenta anos de revolução não tinham sido em vão, ao lado do povo….
De
rompante, entrou na sala Raul, agora comandante da Revolução, vinha a
visitar o irmão e o hóspede. Hugo acenou-lhe ruidosamente de longe, ao
mesmo tempo rindo para si ao lembrar-se da conversa da próstata que
Fidel lhe confessara:
-Então compañero presidente, mais um e já jogamos à sueca…- gritou Chavéz, quase falhando a passadeira, levava já três quilómetros e suava como um cervo.
-Podemos
chamar o Ortega ou o Evo Morales. Aliás, acho que o Ortega até quer
vir, revolucionário com gabarito e que se preze, está em Havana e no
hospital por estes dias. E olha, podem fazer discursos a partir daqui,
todos os dias, e exaltar os serviços de saúde cubanos!- Raul, bem disposto, gozava o prato, esperara anos mas o poder chegara-lhe de bandeja.
Alguns
minutos depois,Consuelo, olhando o relógio, mandou Chavéz terminar, era
a hora da injecção, o presidencial traseiro já começava a ficar dorido
de tanta condecoração cubana. Baixando as calças atrás do biombo,
enquanto a enfermeira preparava a seringa, o presidente continuou a
conversa com Raul e Fidel, que num canto do ginásio do hospital tomavam
agora um sumo de maracujá, tinha planos para o futuro:
-Sabem
companheiros, esta do tumor foi muito boa. Quando sair, vou organizar uma parada
triunfal para me receber no aeroporto, convido o Morales, a Dilma, o
Correa, olhem e até o Sócrates, que eu para mim, amigo é sempre amigo.
Espero que não tenha ficado chateado porque não lhe comprei o barco de
Viana que me queriam impingir, mas eu, quando vou às compras é assim,
regatear, sempre! O meu pai era cigano, sabem…
A
sala abafava com o dialecto-tortilha do presidente da Venezuela,
continuando o monólogo presidencial, alguns segundos passados, a vós
trémula de Fidel, sentado à janela da enfermaria interrompeu o hóspede
de Cuba:
-Chavéz?
-Si, compañero, habla, que pasa, coño?
-Por que non te callas?
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