terça-feira, 2 de setembro de 2014

Minhas memórias de João Justino



Conheci o comendador João Justino, recentemente falecido, em Novembro de 1989, era eu jurista no Departamento de Urbanismo da Câmara de Sintra e ele candidato à presidência da mesma. Por ironia, semanas antes tinha-me sido distribuído um processo relacionado com um muro por si reconstruído em Colares, alvo de polémica jornalística e contestação local, o que levou na altura o comendador a perguntar-me, numa visita aos serviços: “gosta de tourada?”, ao que respondendo com um "às vezes", o levou a rematar: “é que, sabe, estou rodeado de touros e toureiros, de quais é que quer ser?”.

Ganha a eleição, durante dois anos pude acompanhar de perto a forma muito própria como abordou a sua presidência, assumindo o poder efectivo quando muitos o haviam escolhido para rainha de Inglaterra cerimonial, papel que claramente não era o dele, acabando por sucumbir a cascas de banana que a sua falta de preparação jurídica e política facilitaram. Ficou-me na memória o dia em que, estando numa reunião com ele e chegada a notícia da sua perda de mandato (por questões ridículas, que noutras situações e com outros jamais levariam a tal desfecho) teve de retirar em poucas horas as suas coisas do gabinete, perante o ar triunfante do seu vice,  que, sem nada fazer, recebeu o poder de bandeja.

Muitas foram as peripécias daqueles dois anos em que por força das minhas funções me vi envolvido, das guerras com o vereador Ferreira dos Anjos ao embargo de obras de familiares e às acaloradas sessões de Câmara, num período de grandes polémicas em torno de licenciamentos de obras com a construção em Sintra no seu auge (no bom e mau sentido). Poderoso como capitalista e self made man, que constantemente destacava as suas origens humildes, mas também a jactância do seu poder, João Francisco Justino chegou à Câmara num tempo que já não era o seu. Nos últimos anos, passado o período frenético das guerras de 1990-92, por dever de ofício tive de formatar um embargo à sua casa de Colares, já não era presidente, o que o levou a deixar de me falar (não obstante ter ele muitas ordenado embargos motivados por estados de alma), como se fosse por vontade minha ou capricho pessoal que o fazia.

Os homens são a sua circunstância, e João Justino, criado serralheiro e feito comendador, presidente e capitalista, teve a sua, e num certo espaço e tempo sintrenses marcou as últimas décadas, com um feitio truculento onde sempre transpareceu o homem do povo que ascendera socialmente. Toureando e toureado.

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