Respingamos algumas considerações sobre a produção cultural na análise lúcida de José Gil:
1) «Na sociedade portuguesa actual, o medo, a reverência, o respeito
temeroso, a passividade perante as instituições não foram ainda
quebrados por novas formas de expressão da liberdade (...) O Portugal
democrático é ainda uma sociedade de medo, e é o medo que impede a
crítica” (...) raros são aqueles que conhecem o pensamento livre.»
2) «Não há espaço público porque este está nas mãos de umas quantas
pessoas cujo discurso não faz mais do que alimentar a inércia e o
fechamento sobre si próprios da estrutura das relações de força que elas
representam. Os lugares, tempos, dispositivos mediáticos e pessoas
formam um pequeno sistema estático que trabalha afanosamente para a sua
manutenção.»
3) «Se vamos a um espectáculo de um coreógrafo que vem a Portugal,
gostamos de dança e descobrimos qualquer coisa de novo, uma parte
daquele espectáculo deveria derrubar alguma coisa na nossa vida e mudar a
nossa vida, descobrir espaços diferentes, maneiras de falar e de
comunicar, etc. mas o que acontece é que tudo isso fica para dentro. Nós
gostámos muito, tivemos mesmo em êxtase, mas ao sair do espectáculo
voltamos para casa, gostámos, mas não acontece nada... O feed back nos
jornais é geralmente uma crítica sempre descritiva porque tem-se medo de
inscrever. Não se ousa criticar porque se tem medo (...) A arte é uma
questão privada. Não entra na vida, não transforma as existências
individuais.»
4) «A não-inscrição continua hoje. O que acontece no nosso país é sem
consequência. Nada tem efeitos reais, transformadores, inovadores, que
tragam intensidade à nossa vida colectiva. Nestas condições, como
participar no aprofundamento da democracia ?»
- Quem melhor poderá contribuir para as necessárias e urgentes
alterações políticas, sociais e culturais senão os próprios agentes
culturais, na sua diversidade de interesses?
- E porque é que isso não tem acontecido de forma concreta, estruturante e vigorosa ?
- Estaremos já submersos num tal "síndrome do pânico", que perdemos a orientação e o sentido da "boa vida" urbana ?
- O que significa "autonomia" e "liberdade" cultural, hoje, aqui e agora?
- Somos súbditos domesticados e obedientes ou cidadãos livres?
- Estaremos realmente sob o efeito de biopolíticas e biopoderes cujo objectivo de governação é a «desactivação da acção» ?
- E se é verdade que a biopolítica actual está em estreita conexão
com as "indústrias criativas" (trabalho imaterial, bens imateriais,
ideias, formas de comunicação, relações humanas, precariedade laboral,
etc...) estará a vida cultural, afectiva e espiritual reduzida à
retórica oportunista e eleitoralista dos nossos actuais governantes ?
- .... classes criativas, cidades criativas, bla, bla, bla...sim
sim, claro...mas como? Assim de repente como quem faz magia e copia
modelos importados à pressa? E o resto, as condições de cultura? A
democracia participativa? O alargamento dos públicos da cultura? A
democracia cultural? Os serviços públicos de cultura? A efectiva
democratização da cultura e da criatividade? etc...etc...sem saltos
"quânticos", portanto!
- Qual é acção cultural pertinente e necessária nas circunstâncias actuais ?
- Como estimular a auto-organização e a acção colectiva em rede nos
sistemas culturais urbanos, designadamente nas cidades de média
dimensão?
- Devem as Câmaras Municipais (do alto do seu abusivo protagonismo)
ser programadoras de eventos culturais ad-hoc? Ou antes pelo contrário
assumir um papel de catalisadoras e facilitadoras dos processos
criativos, artisticos e culturais promovidos pela sociedade cívil?"
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