sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

No regresso das tertúlias de Sintra


As tertúlias foram no passado importantes círculos literários e até políticos onde, à falta das modernas redes sociais, se discutia e perorava sobre tudo, tendo algumas chegado aos nossos dias como referências incontornáveis. Com base em cafés como o Nicola, a Brazileira ou o Café Gelo, pigmaliões e dandys, cultores da palavra ou tão só do escárnio, encontraram o púlpito virtuoso para a celebração da Liberdade e para combates que por vezes descambaram em querelas verrinosas escritas em tinta ensanguentada pelo fel, e outros líquidos menos ácidos.

Vem isto a propósito de saber se nestes tempos de paradoxal incomunicação, do asséptico Skype ou da silenciosa SMS, e em que o contacto físico é quase estranho, há espaço para as tertúlias e para o diálogo sem ser em chat. Por mim, bisneto de Vérlaine, Rimbaud, William Blake, Baudelaire, Henry Miller, Kerouac, William Burroughs ou Charles Bukowski, contínuo a preferir reuniões de seitas vivas, por vezes reunidas para celebrar poetas mortos, mas que, redentoramente aí renascem, vaporizados pelo espirito grupal, pela sede saciada, e pela fraternidade libertária, filhos da fotocópia ou do fanzine, só da morte libertados após morrerem.

Sintra teve e tem tradição neste campo, passando agora 10 anos dum período em que, de 2004 a 2007, poetas, gente da cultura ou simplesmente boémios, se reuniram para ler e ouvir poesia, peripatética dança dos sentidos bafejada pela cintilante Luz lunar, e hoje, protestando em guturais poemas, quer voltar à Luz no promontorial refúgio que é esta Sintra que foi de Eça e das pipas de Colares. Há que desembainhar canetas, zurzir teclados, engrossar as vozes, para que a Cultura seja dos seus legítimos defensores e não de avaros tutores, abrindo portas, escancarando gargantas, fervendo o caldeirão das druídicas palavras, chamar os órfãos e dizer-lhes que os progenitores estão vivos e de volta.

Ontem Meninos d’Avó, hoje, qual Baltasar, regressados para a sua Blimunda, aí estão de volta os Poetas, veteranos e debutantes, abrindo o baú da vida e redescobrindo geografias de esperança,  holograficamente alterando futuros, assassinando passados, imperadores do caderno e pujantes reis da caneta.

Nas tertúlias se inventam palavras e se solta a magia que flui qual nocturno pirilampo. Para alguns, elas nada dirão, o segredo, cínico, ficará nas palavras que não foram escritas, mas tão só sussurradas. O verdadeiro poema é aquele que nunca escreveremos, mas todos julgaremos descobrir em qualquer frágil  papel branco. Escrever é gerir línguas mortas, aramaicos de lucidez, que muitos, dormentes e de fígados cansados, ousarão profanar, guardiães de silenciosos segredos.

Nas tertúlias se podem ainda desenhar mapas da liberdade em folhas ainda em branco, rasgar oceanos de ilusões, montanhas de desespero, ilhas de luz. É afinal disso que se trata: de viver a Liberdade. Como escreveu Paul Éluard:

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie

Je suis né pour te connaître

Pour te nommer

Liberté.

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