As tertúlias foram no passado importantes círculos literários e até políticos
onde, à falta das modernas redes sociais, se discutia e perorava sobre tudo,
tendo algumas chegado aos nossos dias como referências incontornáveis. Com base
em cafés como o Nicola, a Brazileira ou o Café Gelo, pigmaliões e dandys,
cultores da palavra ou tão só do escárnio, encontraram o púlpito virtuoso para
a celebração da Liberdade e para combates que por vezes descambaram em
querelas verrinosas escritas em tinta ensanguentada pelo fel, e outros líquidos
menos ácidos.
Vem isto a
propósito de saber se nestes tempos de paradoxal incomunicação, do asséptico Skype ou da silenciosa SMS, e em que o contacto físico
é quase estranho, há espaço para as tertúlias e para o diálogo sem ser em chat. Por mim, bisneto
de Vérlaine, Rimbaud, William Blake, Baudelaire, Henry Miller, Kerouac,
William Burroughs ou Charles Bukowski, contínuo a preferir reuniões de
seitas vivas, por vezes reunidas para celebrar poetas mortos, mas que, redentoramente aí renascem, vaporizados pelo
espirito grupal, pela sede saciada, e pela fraternidade libertária,
filhos da fotocópia ou do fanzine, só da morte libertados após morrerem.
Sintra teve
e tem tradição neste campo, passando agora 10 anos dum período em que,
de 2004 a 2007, poetas, gente da cultura ou simplesmente boémios, se reuniram
para ler e ouvir poesia, peripatética dança dos sentidos bafejada pela
cintilante Luz lunar, e hoje, protestando em guturais poemas, quer voltar à
Luz no promontorial refúgio que é esta Sintra que foi de Eça e das pipas de Colares. Há que desembainhar
canetas, zurzir teclados, engrossar as vozes, para que a Cultura seja dos
seus legítimos defensores e não de avaros tutores, abrindo portas, escancarando
gargantas, fervendo o caldeirão das druídicas palavras, chamar os órfãos e
dizer-lhes que os progenitores estão vivos e de volta.
Ontem
Meninos d’Avó, hoje, qual Baltasar, regressados para a sua Blimunda, aí estão de
volta os Poetas, veteranos e debutantes, abrindo o baú da vida e redescobrindo geografias de esperança, holograficamente alterando futuros,
assassinando passados, imperadores do caderno e pujantes reis da caneta.
Nas tertúlias
se inventam palavras e se solta a magia que flui qual nocturno pirilampo. Para alguns, elas nada dirão, o segredo, cínico, ficará nas palavras que não foram
escritas, mas tão só sussurradas. O verdadeiro poema é aquele que nunca escreveremos, mas todos julgaremos
descobrir em qualquer frágil papel branco. Escrever é gerir
línguas mortas, aramaicos de lucidez, que muitos, dormentes e de fígados cansados,
ousarão profanar, guardiães de silenciosos segredos.
Nas tertúlias
se podem ainda desenhar mapas da liberdade em folhas ainda em branco, rasgar
oceanos de ilusões, montanhas de desespero, ilhas de luz. É afinal disso que se
trata: de viver a Liberdade. Como escreveu Paul Éluard:
Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vieJe suis né pour te connaître
Pour te
nommer
Liberté.
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