terça-feira, 1 de abril de 2014

Sintra: como fruir do património encerrado?


O artigo 78º da nossa Constituição estabelece que todos têm direito à fruição cultural, correspondendo-lhe um dever de preservar e valorizar o património cultural.

Apenas na revisão constitucional de 1997 foi introduzido tal artigo, sob a epígrafe “fruição e criação cultural”. Outros artigos se interligam com a cultura, como o artigo 9º (tarefas fundamentais do estado), a c), do artigo 58º, o nº 3 do artigo 70º, o nº2 do artigo 72º, o artigo 74º (o ensino e a cultura estão interligados). Ainda os artigos relacionados com o direito fundamental de informação, artigos 37ºe 38º e o artigo 42º (liberdade de criação cultural).

Ora o conceito de fruição tem aqui de ser entendido como a possibilidade de todos terem acesso aos bens materiais e imateriais que constituem um dado património, cuja classificação como tal só tem razão de ser se for para que a comunidade o compreenda, estude, divulgue e proteja.

Em Sintra, apesar da classificação como património da Humanidade, nem todo o património classificado está disponível para conhecimento e visita, coartando a finalidade da classificação. E deixo apenas dois exemplos:
a)  A Igreja de Santa Maria, monumento nacional desde 29 de Junho de 1922, permanentemente encerrada, uma das primeiras igrejas cristãs a ser edificada no burgo depois da ocupação por D. Afonso Henriques.

b)  A Quinta da Penha Verde, classificada de monumento nacional em 17 de Abril de 1954, antiga propriedade do vice-rei D. João de Castro e rica em artefactos e simbologia.

A natureza pública ou privada desse património não deveria ceder perante o facto de ao ser classificado, não só deveriam tais espaços ficar a salvo de intervenções desvirtuantes ou demolições indesejadas, mas que deveria a sua fruição pública através de visitas, ainda que espaçadas e regulamentadas, ficar assegurada. Sob pena de se frustrarem os objectivos teleológicos da classificação e o fim de fruição cultural que ao património está guardado.

Muito património permanece em ruínas no Centro Histórico de Sintra, nas mãos de privados e, paradoxalmente, do Estado, infelizmente, o que não deve ser exemplo para ninguém. Mas além da ruína material, outra decorre também do facto de se desconhecer o que existe, e não se poder educar para preservar quando não se conhece o que se tem.

Estes são dois exemplos apenas, mais haverá a elencar. Esperemos que a Área de Reabilitação Urbana recém criada tenha em conta igualmente preocupações de natureza histórico-cultural e não apenas de ordenamento do território e urbanismo.
 
 

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