Coelho Passos chegava para a Páscoa, Lisboa estava já cheia
de espanhóis rezando pelo rating, por
supuesto, sendo recebido em apoteose pelos fiéis, com Saulo Tortas gritando
hossanas, enquanto era tocada música das Doce. Vindo de Berlim, conseguira à
ultima hora negociar uma saída à caçadora, que reenviava os homens da troika
para casa mais cedo. Aborrecido com o percalço, um tinha até já uma mariscada
combinada no Guincho com o Carlos Moedas.
Ufano, ganhando pontos nas sondagens, convidou os mais
chegados para um robalo no Gambrinus, era Semana Santa, convinha não abusar de carne.
Antes de chegar, premonitório, porém, predisse que seria traído por um dos
seus. Todos se entreolharam, admirados. Ao servir o presunto comentou:
"Tomai e comei todos, este saiu-me do corpo". Logo após, em sinal de
brinde, ergueu o Reguengos e disse: "Tomai e bebei todos, este é o meu
sangue, o sangue da nova aliança, que por vós será emborcado para comemoração
dos meus feitos”. À mesa, os doze correligionários celebravam, apenas Miguel
Frasquilho, preocupado, via a taxa do vinho, 13º, em dez minutos subiria até o
juro mais recalcitrante. Falava Passos com Barroso ao telemóvel quando,
ruidoso, chegou o Corpo de Intervenção. Mal pousava o telemóvel para ver o que
se tratava, logo Saulo Tortas lhe deu um beijo na cara de soslaio. Surpreendido
e sem reacção, olhando ora Saulo ora os polícias, foi algemando ante o olhar
incrédulo do desgrenhado Poiares Kuduro. Em bicos de pés, Marques Mendes bem
tentava chegar ao corpulento comandante da força para lhe explicar que cometia
um grave erro, que aquele era o Primeiro dos Primeiros, Senhor do Défice e
Guardião de S. Bento, mas nada, havia ordens expressas. Infiltrado, Tortas
combinara a revelação do local do jantar com Pôncio Cavacus, o Governador de
Belém. Em troca iria para embaixador na OCDE, precisava de descanso, nada como
Paris, longe da crise e da dívida. “Eis o
vosso homem”, apontou Tortas, com ar sério. A coisa era séria, na verdade.
Levado ao Parlamento, reunido de emergência, apesar da Semana
Santa, sentado algemado na bancada do governo, vários deputados o cercaram como
chacais. Inquisitorial, Saulo Tortas abriu o interrogatório:
-Sabemos, Primeiro dos
Primeiros que contra nossa vontade negociaste um novo acordo com a Angela Lidl,
a valquíria do euro. Quem te mandatou para fazeres alianças com os teutões?
-Sim- rancorosa, Manela Ferreira Leite,
carinhosamente tratada pelos amigos como “a Bruxa Velha” quase lhe enfiava o
dedo num olho- eu bem avisei…- e
virando-se para Pacheco, o filósofo de serviço, buscou apoio:- avisei, não avisei?….
O Coelho Passos pasmava com este autêntico golpe de estado.
Quisera chamar apoios mas com o fim de semana prolongado estavam todos no
Algarve a discutir os cortes em Vilamoura. Altivo, manteve-se calado, afinal
falar com estes era para ele um frete, um simples telefonema e despacharia a
oposição, tonitruante mas inofensiva. Pensava, enganado porém.
Dali, os líderes sublevados levaram-no a Pôncio Cavacus, que em
Belém se deliciava comendo um pedaço de folar. Acusavam-no de trair o país.
Pôncio hesitante ainda pensou enviá-lo de presente a Gerónimo, chefe das hordas
do Sul, mas este, ouvido ao telefone, devolveu-o a Cavacus. Era de praxe
libertar um prisioneiro por ocasião da Páscoa. Cavacus alinhou o Coelho Passos
e um burlão de nome Oliveira e Costa, o “Robin dos Bosques dos ricos” na
escadaria do palácio, e pediu à multidão
que escolhesse qual dos dois deveria ser
libertado. A multidão voltou-se contra Passos e escolheu o velho, pelo
sim pelo não podia ser que pagasse os calotes do BPN- Banco de Pagamentos
Nocturnos. Então, Cavacus, lavando as mãos entregou-o, para ser crucificado num
interrogatório conduzido por Manela Ferreira Leite.
A crucificação era a forma comum de execução em prime time e
aos domingos à noite. A Passos, em fato de treino, enfiaram na cabeça umas orelhas
de burro, ao pescoço, pendurado, um retrato de Gaspar, o Avarento. A seguir,
forçaram-no a levar até aos estúdios e a pé, três caixotes com o projecto dos
cortes nas pensões, aí, esfregando as mãos, a megera Manela o esperaria no
estúdio 1.
Lá chegado, e já bastante combalido, sentaram-no numa
cadeira, e cruéis, negaram-lhe o teleponto. Acesas as luzes, e dado um grande
plano da presa, Manela atacou:
-Diz-me, tu a quem chamavam Primeiro dos Primeiros, são ou
não verdadeiras todas as acusações que te fazem: é verdadeiro o negócio dos
swaps? E o curso do Relvas? E a venda da TAP?. E a derrota do Porto? E aquela vez
que o meu marido falhou na cama comigo alegando cansaço? Não vale a pena negar,
eu e os espectadores sabemos tudo- carnudos, os lábios pareciam jorrar sangue,
a um canto, Marcelo, o Magnífico, assistia deleitado, lendo quatro livros de
cada vez e uma biografia de Charles Dickens. Já o pior parecia ter passado,
sempre o mandando calar antes que pudesse responder, quando cruel, nova tortura
estava preparada: Sepulcral e envergando uma túnica negra, de gadanha na mão, Louçã
avançava com a sentença do público, votada a 60 cêntimos mais IVA: como
castigo, a demissão e o exílio. Antes de o levarem, levantou os olhos ao Céu e
suspirou:
-Angela, Angela, porque
me abandonaste!
O Novo Primeiro dos Primeiros, empossado no Domingo de Páscoa
foi o finlandês Soini, que depois de apear as fotos do Coelho Passos pôs o país
a arenque e instituiu a semana de 166 horas, com apenas duas para descanso e para
uma pequena sauna. Os do Parlamento e Cavacus ainda reclamaram, mas tardava já,
o ancião Medina Carreira, novo ministro da Salvação Nacional ordenara o fecho
do hemiciclo e a abertura em S. Bento de um call-center para atender queixas
contra políticos. Indignado, Saulo Tortas comentou com a Bruxa Velha:
-Acho que errámos, Manela.
Queríamos amêndoas na Páscoa e saiu-nos foi
amêndoa amarga….
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