Julho de
1966.Mais um Verão em Galamares, o carocha preto rolava pela estrada de
paralelepípedo rente aos pomares rasgados pelo elétrico aberto, de onde por
vezes furtivamente se apanhavam nêsperas empoleirados no estribo. A escola
acabara, as férias prometiam aventuras, fugidias enguias no rio, o teatro
amador na garagem, a velha Amália abrira as portadas para sair a humidade. O
Verão chegava para as famílias da capital a banhos e toldo ao mês na praia, no
café voltavam as habituais tertúlias, enquanto os mais novos se divertiam com
os matraquilhos ao “perde paga” e discos de vinil com os hits do momento.
Tudo corria
sem pressas. Chegados dias de sol, uma fauna de artistas e escritores invadia a
mansidão do local, enchendo as seis pensões e as casas de vilegiatura.
Não havia
Verão, porém, sem o Xaimix. Xaimix, o Homem Cérebro Electrónico, ilusionista,
trapezista, andarilho, com os seus truques de cartas e as moedas tiradas das
orelhas, perante o espanto dos miúdos boquiabertos, num tempo de televisão a
preto e branco e de um canal só. Todos os anos, a esplanada do Alcino se enchia
para ver o Xaimix, Houdini dum pequeno mundo de sonhos e ilusões, com os seus
truques acompanhados pela virtuosa harmónica bocal. Homem dos sete
instrumentos, surpreendia e encantava, deixando todos a adivinhar como a
marosca era feita, oferecendo fantasia a troco duma pequena moeda.
Vários anos
passaram e numa madrugada redentora chegou um tempo novo, as árvores viram
novos pássaros e escutaram novos sons, inusitados cartazes nas paredes,
caseiros agora sentados na mesma mesa dos senhores doutores, renovando a magia
de sempre. Eterna, a brisa vinda do mar oceano sopra ainda sobre a casa cheia
de mundos idos e outros por vir, sentinela, a esplanada do Alcino, alpendre das
conversas de muitos anos, desapareceu.
O Xaimix
envelheceu sem abandonar a ribalta e continuou com a sua harmónica, agora para
os filhos dos miúdos, ainda intrigados com os truques, desconfiando das cartas
marcadas ou da partenaire comprada.
Nunca descobririam. O Xaimix, era um personagem de Fellini, Merlin daquele
pequeno mundo, fugindo do cinzento no colorido palco que para ele a vida foi.
Morreu já e
foi enterrado com o seu traje de
ilusionista, artista na vida e na morte. O mundo continuou, a serra quedou-se
sentinela, o elétrico voltou a serpentear, a harmónica bocal, essa, ecoa ainda,
roufenha, na nuvem onde para sempre continuará a tocar.
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