Para ele era o fim,
cansado de tricas e jogadas. Quarenta anos depois de tocar a rebate contra
o Conde de Sucena, quando quis murar Seteais e depois de uma vida
esgrimindo contra tiranetes de aldeia, José Alfredo Costa Azevedo, o velho
leão a quem Abril fez autarca, batia com a porta.
Presidente desde
1974, depois da alegria da liberdade, ele, que durante anos lutara contra o
homem de Santa Comba, fartou-se das facadas, desiludido com os novos tempos. Sem hesitar, assinou
a demissão e saiu pela Volta do Duche- graças a ele voltara a ser Volta do
Duche- direito à Vila, onde nascera, por cima da Periquita. Ao caminhar,
naquela tarde cacimbada, recordou com nostalgia o velho Mestre
Alonso, o Norte Júnior, o Leal da Câmara com os seus humores. Lá estavam todos,
já, com eles se iniciara nos pincéis, refrescante pausa no árido trabalho de
escrivão. O tempo começava a escassear, e tinha coisas mais
interessantes para fazer. Zé da Vila, para os leitores do Jornal de Sintra,
recordava os tempos duros da campanha de Norton de Matos, a luta contra o
"Botas", os anos na Sociedade União Sintrense, onde de varredor a director, e de actor a tesoureiro fizera de tudo. Onde entrava Zé
Alfredo, as coisas andavam.
Assinada a demissão,
que mandou entregar por mão própria, partiu, aliviado. A Câmara dera-lhe um carro e
motorista, mas não era pássaro a quem pudessem engaiolar. Passando a curva, à
vista do busto do dr. Gregório de Almeida, deteve-se, comovido. Nos anos trinta fora iniciado na
Loja Cândido dos Reis, com o nome de guerra de António Oliveira, e com Gregório
de Almeida como Venerável frequentara a loja Luz do Sol. Há muito o médico dos
pobres partira para a terra da verdade. Chegado
à Vila, sem apressar o passo, cruzou-se com o Francisco Costa, que vinha do
Arquivo, no Valenças. Saudado o amigo, Zé Alfredo deu-lhe a notícia em primeira
mão: fartara-se da Comissão Administrativa, o Cortês Pinto que completasse o mandato. Para ele, eram todos lacraus às turras. Até pela homenagem a D.Fernando
II no Ramalhão lhe infernizaram a vida, a ele, republicano, suspeito de derivas
monárquicas por parte de irrequietos "camaradas" da vereação.
Francisco Costa entristeceu-se, mas compreendeu o amigo. Homens de valores, a
política era para eles a luta por ideais, não por benesses. Zé Alfredo
desabafou, irritado:
-Isto
está como na I República, e ainda vai acabar mal, Chico. As sessões de Câmara
estavam a ficar um inferno, e para mim chega, eles que se entendam com a
cobóiada. No outro dia foi o assalto às Finanças, levaram três mil
contos, aos miúdos do judo deu-lhes para ocupar o Sintra-Cinema, julgam que
isto é a Revolução de Outubro…
-E
tu não queres ser o Kerensky de Sintra, não é, meu caro? Como te compreendo…-sorriu
o Francisco Costa.
-Além
de que está tudo a aumentar: o bacalhau já vai em trinta escudos o quilo, mas um ministro ganha trinta e cinco contos. Afinal, falávamos
dos outros, nem dois anos passaram do 25 de Abril, e é o que se vê!
-Então
e agora, o que tencionas fazer? -sondou o poeta,
querendo saber mais.
-Ler,
escrever, pintar… Olha, vou para Gigarós, tratar dos meus gatos. Para começar,
amanhã vou a Almoçageme ver a peça do Pérola da Adraga. “A Pérola das Sogras”. São levados da breca, os cachopos! E depois, logo se
verá, tenho a minha papelada para me entreter...
Chegados ao Terreiro
D. Amélia, velhos amigos vieram saudar o Zé da Vila, compincha dos velhos tempos
e presidente com a porta sempre aberta, mal sabendo que acabava de se demitir.
Em Abril daquele 1976 haveria eleições para a nova Assembleia da República, posto o endiabrado PREC, para ele, rato de biblioteca, só a
escrever e pintar se sentia bem.
Recebida a notícia da demissão, ao cansaço foi atribuída, unânimes,
todos nos dias seguintes elogiaram o Velho Leão e a sua devoção a Sintra e à
democracia, de Lacerda Tavares a Lino Paulo. Do retiro de Gigarós, mordaz e atento, continuaria a chamar os bois pelos nomes até
morrer, sorrindo à Luz do Sol.
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