terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A torre do Cabo da Roca e o direito à paisagem

 
Foi inaugurada no Cabo da Roca uma torre com câmaras e radar construída pelo Ministério da Administração Interna mesmo ao lado do farol. A estrutura faz parte dos 20 postos fixos do denominado Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo da costa portuguesa (SIVICC). A propósito da instalação de tal torre de 45m, contra a vontade e pareceres do Ministério do Ambiente e da Câmara de Sintra, mas protegida por critérios discutíveis da Defesa Nacional e da Administração Interna, alegando compromissos de vigilância da costa (mais à frente já não vigiava a costa?) importa recordar aqui a Convenção Europeia da Paisagem, também conhecida por Convenção de Florença (onde foi adoptada em Outubro de 2000), iniciativa do Conselho da Europa que tem por objectivos promover a protecção, gestão e ordenamento das paisagens europeias e organizar a cooperação europeia sobre os temas da paisagem, e que é o primeiro tratado internacional dedicado exclusivamente a todas as dimensões da paisagem europeia, aplicando-se a todo o território dos Estados que a ratificaram e que ”incide sobre as áreas naturais, rurais, urbanas e periurbanas. Abrange as áreas terrestres, as águas interiores e as águas marítimas. Aplica-se tanto a paisagens que possam ser consideradas excepcionais como a paisagens da vida quotidiana e a paisagens degradadas” (artº 2º) tendo entrado em vigor em 10 de Março de 2004, com a sua ratificação por 10 estados membros.

Portugal assinou a Convenção em Outubro de 2000, em Florença. Através do Decreto 4/2005, de 14 de Fevereiro, o Governo aprovou a Convenção. A ratificação ocorreu a 29 de Março e a entrada em vigor a 1 de Julho do mesmo ano.

Reza essa Convenção:

Artigo 5.º

Medidas gerais

Cada Parte compromete-se a:

a) Reconhecer juridicamente a paisagem como uma componente essencial do ambiente humano, uma expressão da diversidade do seu património comum cultural e natural e base da sua identidade;

b) Estabelecer e aplicar políticas da paisagem visando a protecção, a gestão e o ordenamento da paisagem através da adopção das medidas específicas estabelecidas no artigo 6.º;

c) Estabelecer procedimentos para a participação do público, das autoridades locais e das autoridades regionais e de outros intervenientes interessados na definição e implementação das políticas da paisagem mencionadas na alínea b) anterior;

d) Integrar a paisagem nas suas políticas de ordenamento do território e de urbanismo, e nas suas políticas cultural, ambiental, agrícola, social e económica, bem como em quaisquer outras políticas com eventual impacte directo ou indirecto na paisagem.

Resulta pois do Direito Internacional ao qual Portugal se vinculou que a paisagem é um elemento importante da qualidade de vida da colectividade, desempenhando importantes funções de interesse público, nos campos cultural, social e ambiental, e é essencial ao bem-estar e à sensação de conforto individual e social, implicando a sua tutela e gestão direitos e deveres ao Estado e à colectividade

É em razão dessa concepção que a instalação da torre que ora desfigura o Cabo da Roca, icónico local visitado por turistas de todo o mundo e património português, e sintrense em particular, é um exemplo do desrespeito aos direitos da colectividade, transfigurando a estética do local sob argumentos equívocos de necessidades de defesa nacional. E de poluição visual. A poluição visual é uma espécie do género poluição, devendo-se caracterizá-la como a degradação da qualidade ambiental do bem de uso comum, no caso, os espaços públicos livres e abertos à colectividade.

Contra a poluição visual e pelo direito à paisagem, respaldados no Direito Internacional e atento o princípio da proporcionalidade pelo qual entre uma localização que bem poderia ter escolhido outro espaço e a defesa do Promontório da Lua optou por o desfeitear e aviltar, há que optar pela defesa do interesse público primário que a defesa do local e da sua integralidade paisagística, histórica e monumental representam. Antes que se acordem os Adamastores da Roca…

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