Falar de Ferreira de
Castro é falar de Sintra, terra pela qual se apaixonou e onde passou largas temporadas,
e onde para sempre repousa, depois de, por pressão de outro grande sintrense,
José Alfredo Costa Azevedo, ter sido enterrado perto do Castelo dos Mouros, em 31
de maio de 1975, para a eternidade se ligando à sua terra de adopção.
Ligação que não passou só
pela ligação física, ao manifestar a vontade de “ficar sepultado à beira duma dessas poéticas veredas que dão acesso ao
Castelo dos Mouros», mas também pela do seu espólio literário, a Sintra
doado em 3 Abril de 1973, por influencia de Francisco Costa, destacado escritor
sintrense, e então director da Biblioteca Municipal, e de Alexandre Cabral, que
teve na Camiliana de Sintra um apreciável acervo bibliográfico e documental
para o desenvolvimento da sua investigação. Sendo presidente da Câmara António
José Pereira Forjaz, este, em carta de 10 de Abril de 1973, dirigida ao
romancista, manifestou-lhe alvoroçadamente o seu júbilo pela doação, aceite pela
Câmara a 18 de Abril seguinte, dum total de mais de vinte mil documentos, doravante
acessíveis aos investigadores.
A
Selva,
o seu mais conhecido romance, foi publicada em todas as latitudes, havendo que
juntar-se-lhe outras magníficas obras como Emigrantes,
Eternidade, Terra Fria (Prémio Ricardo Malheiros), A Lã e a Neve, A Curva da
Estrada, A Missão ou O Instinto
Supremo, entre outras, além da literatura de viagens, como A Volta ao Mundo, de 1939. Foi por duas
vezes proposto para Prémio Nobel de Literatura, e em França, obteve, em 1970, o
primeiro Prémio Águia de Oiro, do Festival Internacional do Livro de Nice,
atribuído por um júri internacional presidido por Isaac Singer.
O conto na obra de Ferreira
de Castro surge logo nos seus primeiros anos de emigrante no Brasil, em 1912,
quando trabalhou como caixeiro na região amazónica, tendo já nos anos vinte
publicado os volumes de contos A Casa dos
Móveis Dourados e O Voo nas Trevas.
Andrée Crabbé Rocha,
ilustre professora de Coimbra e que foi esposa de Miguel Torga, escreveu um dia
que o “conto casa-se bem com o
temperamento português, feito de pronta emoção e rápida catarse”. Em
Ferreira de Castro, a simplicidade e naturalidade corrente da linguagem, com a
força da expressão dos sentimentos do homem comum, a sensibilidade perante a
dor, a esperança no resgate da miséria e opressão, fizeram dele um escritor
aberto às multidões, captando simpatia e adesão, percursor entre os autores que
viram na arte uma missão social. É com limpidez que nos fala do homem sofredor,
manifesta o seu amor pelos humildes e a confiança no futuro, devendo ser lido
pelas novas gerações e relido pelas mais antigas, exemplo acabado do português
pelo mundo repartido.
Em Ferreira de Castro sobressaem as descrições de paisagens,
coloridas e densas, sejam as fragas e serranias do Norte, seja a exuberância
inebriante dos trópicos, ou as pequenas cidades e vilas ainda com rosto humano,
ao mesmo tempo que se assume como cirurgião de dramas, denunciante da
exploração do trabalho, narrador da árdua luta pela sobrevivência, num fresco
humano que, dando um panorama caleidoscópico duma sociedade desigual, nunca
deixou igualmente de aprofundar a psicologia dos seus personagens e o seu
sofrimento abnegado, figurantes dum mundo limitado e muitas vezes sem esperança,
acordando as as consciências para o espelho da Vida.
A passagem de Ferreira de Castro por Sintra está
documentada desde a primeira metade da década de 1940. No Hotel Netto escreveu
parte da sua obra, e em Sintra se encontrou e veraneou com escritores como Jaime
Cortesão e Mário Dionísio, em Seteais conheceu Stefan Zweig, pela Volta do
Duche deambulou, deixando memórias hoje a sépia recordadas.
Homem do Mundo, soube entender
os pequenos mundos que vivenciou, sofrendo, vivendo a vida, e no silêncio
gritante da sua máquina de escrever ou do papel libertador cantar as serras
beirãs e o império da Casa Grande e da Sanzala que moldaram o pathos de ser português.
A melhor homenagem que lhe
podemos fazer é lê-lo, reeditar as suas obras e penetrar nas suas narrativas
impregnadas de Vida, e, se possível, à sombra duma árvore no Castelo dos
Mouros, o melhor lugar para se contemplar o Mundo.
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