sábado, 10 de novembro de 2012

Reforma Administrativa: a árvore e a floresta



Sob a pressão psicológica da extinção das freguesias, tem-se descurado um pouco a oportunidade de relançar o debate em torno da melhor forma de gerir as comunidades locais mais pequenas, tudo se reduzindo a um mapa economicista e à sua aceitação ou negação "tout court". 
As realidades e necessidades de Portugal em 2012 recomendariam porém um debate mais vasto, que olhasse para o país como um cosmos multifacetado, que em algumas situações pode requerer uma abordagem ao nível da freguesia, e das virtudes da sua actuação de proximidade, mas, noutras, poderia essencialmente ser aproveitado para recentrar o problema na criação prévia de um conjunto de sistemas de gestão de centros urbanos com uma roupagem jurídica e instrumentos ao nível da gestão do território, quadros de pessoal ou serviços partilhados criados a partir dessa verificação prévia, não tendo apenas a manutenção de freguesias como cavalo de batalha ou como uma luta de senhores feudais.
A liturgia do discurso político dominante não passa sem que se fale do “grave momento que o país atravessa”, e armadilha emocionalmente para a aceitação acrítica de uma série de inevitabilidades e "cortes", geralmente dominadas pela escassez da verba e escamoteando a tarefa essencial de pensar a Cidade, nas suas versões macro e micro, e tal levou a que se tivesse instalado um pernicioso e estéril clima de Maria da Fonte, olhando para o que, podendo ser uma oportunidade de reforma nascida de baixo para cima e das pessoas para as instituições, num mero tocar de sinos a rebate pelas actuais freguesias, que, se não devem ser alteradas por uma UTRAT qualquer, não devem igualmente deixar de ser pensadas racionalmente, à semelhança do que fez recentemente Lisboa, num processo iniciado antes do famigerado memorando de entendimento.
Ao pecado da falta de democraticidade e de respeito pela vontade popular que levará ao desmantelar do Estado visível em muitas zonas do território nacional, com o desaparecimento de tribunais, farmácias, centros de saúde e de muitas freguesias, agora, junta-se a endémica ausência duma visão moderna de gestão do território, que tenha como primeira preocupação a forma eficaz e virtuosa de privilegiar instituições locais que possam promover e captar investimentos, gerir equipamentos e dispor de recursos humanos, ou do acesso desburocratizado aos mesmos. A maneira como as coisas decorreram, prenuncia, ao invés, um quadro em que energias importantes se vão perder na instalação contrariada e desnecessária de novas freguesias, que, nascidas por outorga e não pela vontade popular, nunca hão-de conquistar o coração das populações, desviando energias de tarefas mais importantes, como por exemplo, a implementação dum modelo de desenvolvimento regional, modelado por um orçamento participativo, com auscultação efectiva e prévia das populações e congregação em torno de projectos de desenvolvimento estruturantes que possam ajudar a recuperar empresas e empregos perdidos na voragem da crise financeira.
Um exemplo: até Fevereiro ou Março de 2013 deverá Portugal, se quiser beneficiar do mecanismo, ter pronto um conjunto de propostas e projectos concretos a submeter ao próximo QREN 2014-2020, o qual pode ser a última oportunidade para o financiamento de muitos projectos essenciais para o desenvolvimento regional.  Perdidos em guerras de alecrim e manjerona, não se vê porém o envolvimento do poder ou dos eleitos locais na preparação ou articulação estratégica para esse fim, apresentando projectos, apontando prioridades, ou promovendo a captação de recursos financeiros para áreas elegíveis para apoio, que, a não serem apresentados atempadamente, se poderão perder, ou por tardar projecto plausível, ou por faltar a definição cirúrgica de sectores ou áreas a intervencionar.
Mais que pensar no número de mandatos dos presidentes da Câmara, na agregação de freguesias ou na manutenção das mesmas, há infelizmente todo um quadro institucional e de gestão que não entra nas preocupações de quem devia pensar não o campanário ou a clientela, mas, outrossim, estar centrado no território primeiro, e na sua ossatura jurídica depois, uma vez mais se privilegiando a árvore sem querer ver a floresta abordando-se a reforma administrativa como um combate de chefes das várias aldeias gaulesas que por esse país ameaçam com o machado de guerra. 
Extintas ou agregadas, criar freguesias potencialmente desertificadas e sem vislumbre de investimento multiplicador, afigura-se um desperdício de energias, começando pelo fim um processo onde as pessoas e o modelo de desenvolvimento deveriam ser a primeira e primordial tarefa, e o quadro institucional adequado o passo seguinte, e, portanto, ou me engano muito, ou estamos perante mais uma oportunidade perdida para reformar o Estado, olhando-se primeiro para o umbigo e só muito depois para o horizonte.

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