Colaborar
em associações, sejam culturais, sociais ou desportivas, é um desafio nos dias
que correm, e eu que integro umas cinco em lugares de responsabilidade bem o
constato ao longo dos anos. Desde o longínquo MAEESL (de antes do 25 de Abril,
Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa, que
realizou a primeira RGA de alunos do secundário no Liceu D. Pedro V, em Maio de
1974, e onde participei, numa fase de aprendizagem, devorando o Manual das
Assembleias Gerais do saudoso Roque Laia), à Associação Académica de Direito
nos finais de 70, da participação em movimentos e causas como a da Palestina,
Timor, a libertação de Nelson Mandela (que depois tive o prazer de cumprimentar
na sua vinda a Portugal) e outras, sempre me ficou o estímulo para fazer e
inovar, nessa época com o entusiasmo de quem sabe estar a criar pela primeira
vez, consolidar amizades, gritar pelas ruas e praças, escrever em folhetos
universitários e de análise crítica, cantar e redigir poemas (cheguei a
concorrer a um festival da Canção, como autor de uma letra…) etc. Nos anos 90
integrei uma direção do Sintrense, inclusivé, num período de grandes
dificuldades financeiras do clube.
Com os
anos, nunca esse “bichinho” me largou, tendo fundado a Alagamares com mais um
conjunto de “carolas” em 2005, o Núcleo do Sporting de Sintra em 2016, tenho
batalhado pelo restauro e manutenção na esfera pública do Salão de Galamares, promovi
causas como o restauro do Chalé da Condessa ou a campanha contra alguns
atentados no Centro Histórico de Sintra e contra a tentativa de cortar 1400 árvores na Lagoa
Azul, e integrarei a direção dos Bombeiros de Colares. Pelo
caminho, muita escrita, dois livros, três blogues, textos em jornais, quase duas centenas de eventos com a Alagamares, o recente envolvimento com a Rede Cultural de Sintra e tudo o que por aí virá.
Ao longo
de todos estes anos, tenho sentido como as associações e as coletividades
locais sentem profundamente o quanto são o parente pobre do Orçamento e os
agentes culturais meros adereços decorativos nas campanhas ou usados para
abrilhantar as listas dos apoios.
Pergunta-se
se o modelo associativo como o conhecemos tem futuro. Terá, se certos atavios
forem debelados de forma enérgica.
Baluartes
de resistência e cidadania durante o período do Estado Novo, as associações
irromperam no pós-Abril como cogumelos, distribuídas nas vertentes cultural,
desportiva, socioprofissional ou de solidariedade. Mas se ser associativista é
uma forma de dizer que se quer estar ativo como cidadão-actor em prol duma
participação efetiva e do legítimo exercício da democracia -na vertente de
cultura para todos, e com todos -tal não impede que a mudança de paradigma que
as novas solicitações da sociedade global e da informação impõe permitam e
exijam que se ultrapassem algumas patologias.
A falta
de formação de novos dirigentes, articulados com as realidades do tempo que
passa e sem espírito corporativo, de imobilismo na preservação de lugares ou
incapazes de congregar novas sinergias.
A eterna
falta de verbas e da perspetiva de olhar para as associações sobretudo para a
preservação da vertente patrimonial, das sedes e equipamentos, desenquadrada do
fim último de congregar vontades, mobilizar opiniões, e gerar atos de cultura,
desporto, etc
A
prevalência do individualismo hedonístico, que desvaloriza o trabalho de equipa
ou coletivo, em benefício das figuras e dos egos, num estereótipo transmitido
por um modelo de sociedade onde o Eu vence o Nós, mas de forma volátil, efémera
e perversa.
A falta
de investimento na inovação, e na rutura com certas práticas, reproduzindo uma
"cultura de corpo" estática, distanciada das necessidades para que
muitas vezes essas associações foram criadas, facto espelhado nas múltiplas
associações que apenas mobilizam para jogar o dominó ou assar o courato, mas
deixaram de ter desporto ativo, de produzir cultura da terra para importar
cantores de moda efémeros e dissonantes, ou de se rever com o conjunto da
população, num multiplicar por esse país fora de inúmeros Cinema Paraíso
decadentes e ansiosos por revitalização.
A
subsidiodependência, a suburbanidade de escolhas culturais, o divórcio com as
forças mais dinâmicas das comunidades, e o espírito -há que dizê-lo-
reacionário e imobilista de certos dirigentes- fazem os pavilhões às moscas,
os teatros a cair de podres, os balneários sem água quente, tudo símbolos que
ninguém quer herdar ou assumir, e logo de pouca atratividade.
É na
subversão deste estado de coisas que o associativismo, com novos modelos de financiamento,
com novos e empenhados dirigentes, de braço dado com as novas tecnologias e sob
o desígnio de parcerias profícuas poderá e deverá singrar. Daí a necessidade de
conjugar esforços com outras associações no sentido de criar elos de
fortalecimento do movimento associativo, em prol de mais Participação, mais
Organização e mais Capacidade e Alcance. Mas, é preciso, sobretudo, que tal
decorra duma interiorização do papel social e comunitário dos agentes
culturais, e da manifestação pujante e unida destes perante um Poder que deles
faz parente pobre, e a quem, infelizmente, muitos se submetem.
Como escreveu André Malraux, a cultura só morre vítima da sua própria fraqueza. Há que lubrificar as mentalidades e tomar em mãos a força que, mais que qualquer arma, a Cultura e seus agentes devem ter na Sociedade, se se quer viva e fator de mudança. Os agentes da cultura não são bibelôs instrumentalizados para fotos de ocasião ou contagem de espingardas. Oiçam-nos como parceiros de desenvolvimento, pensem nas suas necessidades no momento de elaborar os orçamentos, sentem-nos em órgãos consultivos com visibilidade e representatividade, vão aos seus espetáculos, exposições, debates e mais eventos sem ser em período eleitoral, pensem neles nos regulamentos de taxas e na ocupação das salas municipais. Aos agentes importa interiorizar que participar não é só meter um like no Facebook, a postura critica e ativa é importante e só ela é idónea a produzir a mudança que faz a diferença, e não repetir mimetismos desajustados no tempo e divorciado das pessoas no mundo de hoje. Todos teremos de mudar um pouco, pensar Global para agir Local, exigir a democracia mas respeitá-la no nosso seio, exigir ser ouvido, mas saber ouvir, ter a humildade de Estar e não apenas de Ser e sobretudo Parecer. O futuro a todos convoca, vamos lá agarrá-lo!