Alguns anos após a fratricida guerra dos Balcãs, a Croácia
prepara-se para aderir à União Europeia, moribunda manta de retalhos capturada
por interesses onde o dos povos que a compõe não é, claramente, a prioridade.
Na década de oitenta, recordo como a Portugal pareceu que
passado meio século de obscurantismo e na ressaca da agitação de 75, a entrada
no Mercado Comum, como então se chamava à CEE, pareceu a redentora aceitação no
clube dos ricos, donde choveria o leite o mel para estradas e hospitais, e
graças ao qual alemães, portugueses, irlandeses ou italianos seriam irmãos
eivados do escopo que era o bem comum e a integração económica e política.
Recordo também uma manhã fresca de Agosto de 1980 em que, de mochila às costas,
desembarquei na estação de Zagreb, vindo da opulenta Áustria, e em pleno
período da guerra fria me deparei com uma cidade vazia, sem lojas ou bancos,
néons ou marcas de roupa, e onde os mais jovens nos abordavam ávidos das nossas
calças Levis que lá não vendiam, encerrados numa Jugoslávia marcada pelo
omnipresente marechal Tito, recentemente falecido, e cujo retrato, novo ou
velho, fardado ou à civil, dominava em todas as lojas e locais públicos, ele que
entre o Oeste e o Leste impusera o não-alinhamento como terceira via e
ficticiamente unira a Sérvia muçulmana e a sua Croácia cristã, e mais
pseudo-estados encravados entre a Europa dos Habsburgos e o antigo império
Otomano.
Era diferente essa Europa, como ainda o era o nosso rincão,
embora a boleia da “Europa” surgisse como desígnio, encerrado o ciclo do mar e
do Império.
Na véspera do dia em que a Croácia se prepara para entrar
para o “clube”, talvez com a mesma emoção e ingenuidade com que nós entrámos num
já longínquo 1985, e recordando esses dias em Zagreb e Rijeka, o desejo que as
aspirações iniciais não terminem da forma como está agora a correr com os países ditos “ajudados”,
e que a Croácia não seja o último que veio apenas para apagar a luz.
Foi a 10 de Janeiro de 1952 que a
Câmara de Sintra decidiu que o feriado municipal fosse o dia de S. Pedro, 29 de Junho,
depois de durante alguns anos tal feriado ter sido a 29 de Agosto, data da morte em Sintra
do escritor Latino Coelho em 1891. E porque não 9 de Janeiro, data em que em 1154 D. Afonso
Henriques concedeu foral a Sintra?
O 29 de Agosto foi a data emblemática
dos republicanos, o 29 de Junho a data com que o Estado Novo quis neutralizar
leituras políticas, não obstante invocar para tal escolha a feira de S. Pedro, numa época em que os feriados passaram todos a coincidir com dias de santos, como ainda hoje ocorre. Pelo meio ainda se celebrou a 14 de Agosto, em homenagem a Nuno Álvares Pereira e à Batalha de Aljubarrota. O 9 de Janeiro marca a data em que, 7 anos após ter caído sem luta, num dia de
Novembro de 1147, nas mãos do primeiro Afonso, lhe foi dada dignidade jurídica e
uma carta de direitos e deveres, sendo 30 os primeiros cristãos que de seguida
se instalaram no Arrabalde, daí administrando em nome do rei, em paz com a
vasta comunidade moura que em suas várzeas e hortas continuou a trabalhar a
terra.
Se as datas têm de ter simbologia,
que esta seja no sentido de unir a comunidade, e celebrar Sintra em torno de
datas históricas relevantes mais contribuiria para que de quando em quando não
se tivesse de vir a escolher novas datas.Isto, enquanto os feriados não acabarem de vez, num avassalador quadro de branqueamento da nossa História e valores, como o que actualmente assola o país.
Às portas da morte, mas há muito
imortalizado, o mais conhecido prisioneiro de Robben Island e sagaz lutador
contra o regime do apartheid prepara-se para a Grande Viagem, qual velho
e pachorrento elefante a caminho da derradeira morada.Com Nelson Mandela partirá
o derradeiro lutador icónico do século XX, depois de Ghandi, Luther King, Che
Guevara ou Madre Teresa de Calcutá.
Com Mandela, o mundo assistiu ao
exemplo da perseverança na luta pelos ideais, à reconciliação para lá da cor da
pele, ao orgulho das convicções e ao exemplo em quem todos se querem rever.
Madiba para o seu povo, Madiba de todos nós, é justo recordá-lo no momento em
que luta pela vida mas com página já garantida nos manuais de História. Não na dos
caudilhos ou demagogos, mas na dos inspiradores e idealistas, como o foi na África
do Sul Shaka Zulu.
Recordo a sua viagem a Portugal em
Outubro de 1993, e como foi inspirador escutar na Aula Magna um homem a quem 27
anos de prisão não deixaram sombra de ressentimento e com serenidade nos falou do futuro, e de
como o perdão com olhos no devir é atributo que só grandes homens têm o dom de
possuir.
No dia em que, sereno como quem
acabava de dar um simples passeio pelo jardim, saiu de mão dada com Winnie de
Robben Island, o mundo pela CNN, viu pela primeira vez o rosto envelhecido mas
sereno do homem que esteve 27 anos encarcerado e em trabalhos forçados, junto
com outras figuras emblemáticas do ANC. Nesse dia, já Mandela era imortal, e os
anos que seguiram o demonstraram. Quase a partir, obrigado Madiba!
Noticia a imprensa que é intenção
da Parques de Sintra-Monte da Lua, após a inauguração na passada sexta-feira do
edifício da Abegoaria, no Parque da Pena, virar-se agora para os Capuchos.
Ocasião pois para recordar a
visita que aí efectuou a 27 de Maio do
ano passado a Alagamares, (foto acima) no sentido de sensibilizar os seus associados e a
opinião pública em geral para o estado de conservação daquele monumento classificado
na área do Património Mundial.
Registando a manutenção (ainda)
da visita grátis para os munícipes aos domingos de manhã, e a boa informação em
várias línguas disponível à entrada, bem como o agradável parque de merendas
existente, algum reparo porém para os preços da cafetaria (uma água de 1/4 de
litro custa 1,60€, por exemplo).
Durante muitos anos ao abandono e
ruína, nota crítica para o sistema de sinalização luminosa no chão, a imitar
iluminações natalícias das que se adquirem na loja dos chineses, e a falta de restauro
da estatuária (uma Maria Madalena na capela da Paixão de Cristo), em falta, e
há anos retirada para restauro, ou os dois frades enterrados na câmara que se
segue à Porta da Morte, e as pinturas murais representando São Francisco e São
António na Ermida da Senhora do Horto, por exemplo, que poderiam já ter sido alvo
de intervenção de restauro, dado o lapso de tempo decorrido desde que foi feito
o anúncio de tal intenção. No que à mata endémica envolvente respeita,
regista-se o razoável tratamento da mesma, com sinalização das espécies
existentes adequada e boa informação no local sobre os exemplares existentes.
Questionável foi para alguns dos
visitantes a manutenção da estrada alcatroada entre a portaria e o acesso ao
convento (separando aquilo a que João Rodil, o guia da visita, designou como
separação entre o mundo profano e o mundo sagrado) sugerindo como mais
consentâneo um acesso em terra batida ou gravilha.
De entre o que há a fazer, realce
para a reposição da estatuária retirada para restauro, que se espera a PSML
tenha em devida conta.
Segundo Jacques Rancière, um dos principais filósofos
contemporâneos, torna-se cada vez mais evidente que os Estados nacionais agem
apenas como intermediários para impor aos povos a vontade dos poderes
financeiros. Em toda a Europa, os governos, de direita como de esquerda,
aplicam o mesmo programa de destruição dos serviços públicos e da proteção
social, que garantiam um mínimo de igualdade no tecido social, revelando-se a
oposição entre uma oligarquia de financeiros e políticos, e a massa do povo
submetida à precariedade sistemática e sem poder de decisão. Estarão pois
reunidas as condições para um momento político, isto é, um cenário de
manifestação popular contra o aparato de dominação. Mas para que esse momento
exista, não é suficiente que se dê uma circunstância, mas também que esta seja
reconhecida por forças susceptíveis de transformá-la numa demonstração,
intelectual e material, e de converter essa demonstração numa alavanca capaz de
mudar a paisagem do “perceptível e do pensável”. O movimento do 15-M, em
Espanha, por exemplo, ou as manifestações no Brasil, hoje, mostrou claramente a
distância entre um poder real do povo e as instituições. Resta a capacidade de
transformar o protesto numa força autónoma, representativa e independente.
Os movimentos do 15-M ou do Ocupy Wall Street respondem à
ideia do poder próprio daqueles que nenhum motivo destina ao exercício desse
poder, e esse poder materializou-se, subvertendo a distribuição normal dos
espaços. Geralmente há espaços, como as ruas, destinados à circulação de
pessoas e bens, e espaços públicos, como os parlamentos ou os ministérios,
destinados à vida pública e o tratamento de assuntos comuns. Um renascimento da
política passará pela existência de organizações que se subtraiam a essa
lógica, que definam objetivos e meios de acção construindo uma dinâmica
própria, espaços de discussão e formas de circulação de informação visando o
desenvolvimento de um poder autónomo de pensar e agir.
Em Maio de 68, as pessoas discutiam Marx, segundo Rancière, o
que se discute hoje é uma visão do mundo que estruture naturalmente estas novas
formas de acção colectiva. Em Maio de 1968, a explicação marxista do mundo
funcionou no âmbito de uma visão histórica pela qual o capitalismo estaria
condenado a desaparecer pela acção da classe trabalhadora. Os manifestantes de
hoje não possuem horizonte histórico
para o seu combate, e são antes de tudo indignados, pessoas que rejeitam a
ordem existente, que não podem considerar-se agentes de um processo histórico,
e é isto que alguns aproveitam para escamotear, desqualificando o seu idealismo
e o seu carácter “inorgânico”.Com estes movimentos, há uma interrupção da
lógica da resignação à necessidade histórica preconizada pelos governos. Desde
o colapso do sistema soviético, o discurso intelectual contribuiu para endossar
os esforços para implodir as estruturas colectivas de resistência ao poder do
mercado. Esse discurso acabou. Seja qual
for o seu futuro, os movimentos recentes põem em xeque essa fatalidade
histórica, lembrando que não lidamos com uma crise da sociedade, mas sim com
uma ofensiva destinada a impor formas
brutais de precariedade.
Para restaurar os valores democráticos, é necessário chegar a
acordo sobre o que chamamos democracia. Habituámo-nos a identificá-la como um
duplo sistema de instituições, as representativas e as do mercado. Hoje, isso é
coisa do passado: o mercado mostra-se cada vez mais como uma força de
constrangimento que transforma as instituições representativas em meros agentes
da sua vontade, e reduz a liberdade de escolha dos cidadãos às variantes de uma
mesma lógica. Nesta situação, ou se denuncia a democracia como uma ilusão, ou
se repensa o que esta significa. Porque a democracia não é uma forma de Estado,
é antes de mais a realidade de um poder do povo que não deve nem tem de coincidir
com uma específica forma de Estado. Sempre haverá tensão entre a democracia
como exercício de um poder partilhado de pensar e agir, e o Estado, cujo
princípio é apropriar-se desse poder, justificando essa apropriação com a
complexidade dos problemas, ou a necessidade de se pensar a longo prazo.
Recuperar os valores da democracia será, pois, em primeiro lugar, reafirmar a
existência de uma capacidade de julgar e decidir, que é de todos, frente a essa
monopolização, e reafirmar a necessidade de instituições próprias, distintas do
Estado. A primeira virtude democrática é
a virtude da confiança na capacidade de qualquer um, e o poder dos cidadãos
acima de tudo, o poder de agir por si próprios, e constituir-se em força
autónoma. A cidadania não é uma prerrogativa ligada ao facto de se haver sido
contabilizado nos censos, como habitante ou eleitor, ela é, acima de tudo, um
exercício que não pode nem deve ser delegado. É pois preciso opor claramente
o exercício da acção cidadã aos discursos sobre a responsabilidade dos cidadãos
na crise da democracia, que lamentam o desinteresse dos cidadãos pela vida
pública e o imputam à deriva individualista dos consumidores penalizados. Essas
supostas chamadas à responsabilidade só têm, na verdade, e segundo Rancière, um
efeito: culpar os cidadãos, para prendê-los mais facilmente no jogo que
consiste em seleccionar aqueles por quem os cidadãos deverão deixar-se capturar
na sua possibilidade de agir fora do momento do voto. Estamos pois num ponto de
mutação na ideia de democracia, num sentido mais denso e sentido, cuja próxima
fase será a de encontrar vozes e meios com vista a ocupar o seu lugar numa
sociedade cuja construção/destruição está dramaticamente em curso.Taksim, Brasil, Atenas, Lisboa, o paradigma está a mudar
Trinta e cinco
anos de experiências autárquicas demonstram que é chegado o momento do virar de
página no quadro territorial, de competências e de gestão das mesmas.
Litoralizado o país, florescendo conurbações interligadas nas áreas metropolitanas
de Lisboa e Porto, sobretudo, impõe-se um novo quadro, não porque a troika em
“economês” o diz mas porque realidades há que exigem novas abordagens,
unificando concelhos ou reajustando outros, pesem os bloqueios de paróquia que
mais se devem afirmar no quadro de afirmação cultural que na representação
institucional. Por outro lado, mais ágil e adequado se afigura um modelo
eleitoral em que as candidaturas sejam para a Assembleia Municipal, sendo
presidente o candidato da lista mais votada, e os demais tendo assento na
Assembleia, esta com poderes reforçados, modelo que, por interesses
partidários, não vingou até hoje. O presidente, livre de escolher a sua equipa,
apresentaria programa à Assembleia, poderia ser objecto de censura, em tudo
acompanhando o modelo actualmente usado com o Governo. Sugeriria que,
introduzindo a “nuance” da obrigação de, derrubado um executivo, os opositores
deverem apresentar alternativa clara, a sós ou em coligação, em nome do
princípio da governabilidade (moção de censura construtiva). Os membros da
vereação poderiam ser livremente nomeados e demitidos pelo presidente, e este
teria poderes reforçados, havendo vantagens na presidencialização do presidente
da câmara, evoluindo do actual modelo para outro mais eficaz. O mesmo quadro
para as juntas de freguesia. No quadro da gestão, haveria que criar sistemas de
gestão partilhada de serviços e pessoal, num quadro inter-municipal e regional,
potenciando economia de meios e reforço de recursos. Porquê a proliferação de
serviços de águas, lixo, cultura, protecção civil por cada município, quando
num quadro integrado se poderia obter vantagens de gestão, força de
reivindicação, e operacionalidade reforçada? O quadro das despesas deveria
contemplar a maleabilidade do outsourcing, a eliminação de serviços duplicados,
e o das receitas, derramas sobre as mais-valias a favor de obras ou acções de
interesse comunitário e maior participação na fatia dos impostos nacionais. O
cheque para a cultura, em que 1% dos impostos e taxas cobrados serviria para
financiar um fundo de promoção cultural gerido pela autarquia e pelos agentes
culturais, e as isenções de parte do IMI para os proprietários que
reabilitassem seriam outras medidas bem vistas. No quadro do planeamento,
prioridade à reabilitação urbana, agilizando os planos de pormenor, reduzindo
os pareceres de entidades sempre que haja plano director aprovado e dispensando
prazos de apreciação quando os pedidos se ajustassem a plano-tipo que a
autarquia disponibilizaria. O recurso a empresas externas para a apreciação de
projectos ou a manutenção de equipamentos num quadro de igualdade de
oportunidades seria igualmente interessante. No que a Sintra concerne, seria
curial um número de vereadores não superior a 7 e uma assembleia municipal reduzida
em 1/3). A gestão das áreas da educação, saúde, polícia municipal, cultura ou
cobrança de impostos poderia ser feita num âmbito intermunicipal, por exemplo.
Claro, tudo isto são só ideias e sugestões. Seria no entanto útil que os
visados tivessem uma palavra a dizer em vez de virem a ser surpreendidos com
uma reforma autárquica feita a partir de cima e às pressas, e numa lógica
meramente economicista.