Naquela manhã o
sol raiou glorioso nos céus de Washington D.C. Na West Wing da Casa Branca, o
presidente dos Estados Unidos após reunião com o chief of staff, terminava uns flocos de aveia, enquanto lançava
pelo ar um frango de borracha, a estimular os reflexos de Bo, o presidencial cão de água português. Teria um dia agitado:
reuniões sobre o novo projecto de criação de empregos, a visita de líderes do
Congresso, e a recepção ao primeiro-ministro português preenchiam a manhã. As
coisas não andavam bem para a Administração Obama, o desemprego não cedia,
e os bastards da Moody’s insistiam
em desafiar o sacrossanto triplo AAA do rating.
Ao primeiro-ministro português, em apuros no seu país, reservara vinte minutos,
a sublinhar a condição de “amigo” e “aliado” na “NATO alliance”, o adido de imprensa lembrava-o para elogiar os “delicious” pastéis de Belém que o
presidente Silva lhe oferecera durante a visita a Lisboa em 2010.
Com olheiras,
atormentado pelos problemas do défice, agravado pelo desvio da execução
orçamental, Passos Coelho, após as fotos e o aperto de mão da praxe, uma vez no
sofá da Sala Oval, foi direito ao assunto, num inglês límpido, recortado pela
sua voz de barítono, melhor fora ter feito carreira por aí, lamentava às vezes
com Laura, no aconchego do T3 de Massamá:
-Senhor Presidente, é importante o empurrão
que o seu governo possa dar junto da chanceler Angela Merkel. Ela não ouve
ninguém, ainda a tentei convencer cantando-lhe “Una Furtiva Lacrima” ao ouvido,
mas aquilo é um Panzer sem coração. O Berlusconi é que tinha razão, se
estivesse sexualmente mais, digamos… amparada… talvez amolecesse o coração e
ajudasse com eurobonds para o peru do Natal…
Obama sorriu,
pondo a mão por cima do desafortunado chefe do governo. Oferecendo um
Toblerone, que Passos aceitou, guloso, aventou uma sugestão:
-Pedro, tem de ter paciência. Aqui nos States
também tenho problemas com as mulheres: a Michelle, em casa, anda sequiosa, não
posso sair da Sala Oval que me agarra pelos cantos, é confrangedor, com os
serviços secretos sempre a ver tudo. Olhe, cada vez que me lança um olhar
lânguido, dou-lhe um Toblerone destes, e mando-a com as miúdas visitar o
Mandela ou a comer um Big Mac.Ainda para mais, deu-lhe para achar que tenho uma
Levinsky, uma moça do Harlém que anda aí a tirar fotocopias.
Um secretário,
pedindo licença para interromper, avisava que tinha Samaras, o chefe do governo
grego, do outro lado. Após alguns minutos, durante os quais Passos Coelho
aproveitou para fotografar a Casa Branca com o telemóvel, Obama voltou,
confidenciando ao português:
-Era o Antonis. Vinha propor-nos a venda de
sete ilhas no mar Egeu, no Dodecaneso, 40% de desconto na compra imediata, e a
ilha de Patmos de oferta, para mim e Michelle. Fiquei de pensar. Malyia precisa
de praia, e as águas são terrific.
Passos
aproveitou a deixa e lançou a escada para uma proposta ousada:
-Barack, lá por isso, também temos ilhas
fantásticas, e bem mais perto. A Madeira, por exemplo, clima tropical e
vegetação luxuriante…
-Madeira? Isso não fica no norte de África?
-Sim, mas é tudo nosso, europeu. A troco da
nossa dívida à troika, poderíamos vender-vos a Madeira. E ainda dávamos Porto
Santo de bónus, para levar amigos a jogar golfe!.
Obama coçou o
queixo e chamou Timothy Geitner, o secretário do Tesouro, que, feitas as
contas, achou o negócio interessante, acordando-se logo um contrato promessa de
compra e venda. Para evitar chatices com o Eurogrupo, seria tudo em dinheiro
vivo, ao país, amargurado e desde Washington, o primeiro-ministro falava em “refundar o futuro” e num “novo paradigma de Nação” bem como num
prazo de 50 anos em que o português vigoraria na Madeira como língua de
trabalho, assim como se fizera com Macau. Na Quinta da Vigia, Jardim bufava,
praguejando e esmurrando uma foto de Passos, só uma injecção com concentrado de
poncha o acalmou, deixando-o a dormir dois dias.
Três meses
depois, Passos Coelho, de fato novo, e trauteando o La Donna e mobile, comparecia em mais um Conselho Europeu.
Rigoroso, desaconselhava apoios aos despesistas gregos, sugerindo a sua saída
do euro, ao lado dos da linha dura. Merkel, derrotada em todas as eleições
internas, via-se perdida no meio de relatórios do hiperbólico Barroso, que
falava sem parar, e sem dizer nada. Magnânimo, Passos ofereceu-lhe um Toblerone,
piscando o olho à Merkel, depois do jantar curtiriam a noite de Bruxelas,
conhecia um restaurante óptimo perto do Grand
Sablon. A dívida fora saldada, e grandes investimentos chegavam agora em
catadupa, relançando a economia nacional. Amigo, Portugal oferecia-se para
comprar dívida grega a 80% a 2 anos, Vítor Gaspar fora mesmo enviado a Atenas, a
ministrar um curso de finanças tântricas.
Enquanto isso,
num resort de luxo no Lido, o
presidente dos Estados Unidos tirava uns dias de férias no mais recente estado
americano, o 51º, enquanto um assessor lhe mostrava como funcionava um
artefacto local designado bailinho,
depois de passado a pente fino pela secreta. A stars and stripes flutuava em toda a ilha, pululando
casas de espetadas, agora designadas como maderan
barbecue, um Disney World estava já planeado para o Machico, e uma sequela
do Avatar para o Chão da Lagoa. Divertido e junto à piscina, Bo brincava,
correndo e roendo um chapéu de palha que pertencera ao antigo chefe do governo
local, agora a viver nas Canárias, onde à noite fazia biscates de stand-up-comedy num café concerto em
Tenerife. Tudo está bem quando acaba bem.
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