A pandemia que avassala o mundo fez de 2020 um ano que deixou de existir em muitos campos, com destaque para o das artes performativas e dos espectáculos, pondo a nu a realidade de um sector que em 2018 contabilizava 134 mil trabalhadores de diversas áreas, artísticas e técnicas com um volume de negócios de 6,3 mil milhões de euros. Acalmada que seja a dramática situação de muitos artistas e produtores há que construir um edifício jurídico que em momentos de stress não atire milhares de pessoas para o assistencialismo cultural das esmolas do Estado, que é sujeito de deveres neste campo igualmente.
Os agentes culturais são maioritariamente artistas individuais ou pequenos grupos por vezes com uma estrutura orgânica precária, e raramente se orientam por interesses globais, a não ser em momentos de aperto. Tive essa experiência há dez anos quando com um pequeno grupo de personalidades de Sintra fui um dos promotores e fundadores da PAACS- Plataforma das Associações e Agentes Culturais de Sintra, que juntou na altura 25 grupos e associações, visando potenciar o trabalho em rede e unificar vozes no sentido da optimização e partilha de recursos e da defesa dos interesses da classe, indo dos dançarinos ao pessoal do teatro e cinema, das correntes alternativas à música de vários estilos. Durante mais de um ano, ainda funcionou, Contudo,a hesitação em dar passos resolutos no sentido de criação duma estrutura forte, não engajada a poderes públicos, partidários e fácticos, fez com que, prematuramente, ficasse pelo caminho. Um dos pontos fracos do mundo artístico é a sua atomização, e por vezes rivalidade na disputa dos magros subsídios que um Estado avaro da cultura e que para ela olha como entretenimento e com diletantismo, embora a classe artística sempre esteja disponível para as causas de solidariedade de forma pro bono, porque os artistas são o povo que canta, escreve, e em verso, música ou risos, talha a alma dos povos .
Muitos estão hoje pela fragilidade da sua situação, no limiar da sobrevivência, e há que olhar de frente e de forma estruturada o seu futuro não só imediato como, em termos de futro, a nível da proteção social efectiva, garantia de um rendimento médio, e atribuição de espaços condignos para os seus espectáculos, ensaios e encontros. Há que ser criativo, e encontrar nesta fase novos e transitórios espaços e modelos de levar a Cultura ao povo, pois nem todas as manifestações artísticas se completam só com o online ou o You Tube, há que cheirar os lugares, escutar as vozes, apreender as cores, rir e aplaudir em uníssono e em grupo experimentar a catarse que a arte a todos proporciona, e faz evoluir.
Se os espaços interiores não comportam lotação, façam-se espectáculos nas ruas, nos parques de estacionamento, nos coretos ou nos mercados. Se pode e deve haver distanciamento social nos supermercados, nas farmácias ou nos transportes públicos, porque não nesses locais, reinventando o Espaço para o adequar a este Tempo, transitório e de purgatório?
Ninguém tem culpa da pandemia, mas um Estado avaro e pouco inovador tem culpa da anemia que assola o sector cultural e o coloca à porta da sopa dos pobres.