A expressão
“menos Estado, melhor Estado" entranhou-se no léxico político, mas
sobretudo entre os que mais beneficiam com a intervenção do Estado a seu favor.
A apologia de um Estado minguado ganhou apoio porque se pretende que ele cada
vez mais se afaste do seu papel de assegurar uma organização social tendente à
eliminação de assimetrias sociais, garantindo ao mesmo tempo igualdade e liberdade.
Mas foram os mesmos que hoje fazem essa apologia, os responsáveis pela
degradação da qualidade do serviço público e mais contribuiram para tornar
mínimos os serviços essenciais, e, uma vez chegados aos governos, o tal Estado
minimal. Sendo que é paradoxal que os políticos que defendem esse princípio,
são os que se candidatam aos lugares cimeiros nesse mesmo Estado, para a partir
daí e à sua sombra controlar negócios privados. Um exemplo: sendo adepto de
menos Estado, porque razão um ex-Primeiro-Ministro se candidatou ao lugar e ao
invés não abriu uma empresa, demonstrando, como liberal, o apego ao empreendedorismo
que agora acusa os outros, os tais piegas, de não promover? Porque ocupam
lugares na órbita do Estado, quando para eles, este é a fonte do mal e da
indesejável regulação?
"Melhor
Estado", significa "melhor" para uns,” e “ pior” para outros.
Melhor para quem o quer usar para o tráfico de influências ou centro de
negócios. Pior, para quem quer um sistema público de ensino de qualidade, um
serviço de saúde universal e gratuito, apoio à arte e cultura, justiça
atempada, segurança pública, protecção ambiental, etc.
"Menos
Estado" cavalga a tese de que se reduzirmos a despesa pública, poderemos
diminuir os impostos. Certo é que, enquanto o tal "melhor Estado"
continuar a ser melhor apenas para banqueiros, empresários ou donos das cadeias
de distribuição, os impostos continuarão a crescer, e os profetas ditos
liberais continuarão a apregoar a livre iniciativa, mas, sempre a comer à mesa do
Orçamento. Sempre assim foi em Portugal, das companhias pombalinas à venda dos
bens nacionais no período liberal, dos monopólios dos tabacos ao proteccionismo
industrial de Salazar, das indemnizações das nacionalizações, e dos fundos
comunitários às parcerias público-privadas. Tudo em nome da iniciativa privada,
ou do progresso, tudo porém à sombra do Estado, afinal, como sempre em mais de
200 anos.
Apesar de
termos ao longo das últimas décadas assistido a uma diminuição do peso do
Estado na economia em geral, a carga fiscal - principalmente sobre os
rendimentos do trabalho - não tende a diminuir, antes pelo contrário. Ora, o
problema não é de quantidade de Estado, é o da sua independência e fixação de
objectivos. Muitas vezes os governos metem-se naquilo para que não têm
vocação, promovendo “certos” sectores
(banca, construção civil, etc) mas não se preocupam em fazer aquilo que o
Estado e só ele pode e deve fazer (como a administração da justiça, por
exemplo.)
O que
precisamos, pois, é de um Estado capaz de gerir a coisa pública com
independência, que defenda os fracos e regule os interesses.
O
argumentário neoliberal insiste no “menos Estado, melhor Estado”. Porém, apenas
a primeira parte se tem revestido de veracidade, posto que se tem assistido ao
esvaziamento das funções estatais na economia e na sociedade, e que se verifica
que a ideia de “menos Estado”, é totalmente falaciosa e oportunista.
Primeiro, ao
nível económico. Após a crise de 2008, que expôs as debilidades do modelo
neoliberal, numa época em que a natureza especulativa do capital assumiu
importância central, os governos dogmaticamente marcados pelo neoliberalismo
apressaram-se a injectar milhões nos bancos, de forma a acudir às fortunas de
alguns, em detrimento dos rendimentos de muitos. Aí, claramente se viu que
quando se trata de salvar o capital financeiro, lá se vai o “menos Estado”…, ou
que "tem de se actuar por causa do risco sistémico..."O caso
português é particularmente esclarecedor, e para o provar aí tivemos o BPN, o
BES, o BPP e o Banif…
Mas,
repare-se que ao recuo nos serviços públicos, onde se pretende libertar espaço
para o mercado, corresponde por outro lado um reforço das polícias e forças de
segurança, e aí, sim, vemos o aparelho do Estado ao serviço do “menos Estado”,
pois, paradoxalmente, só assim se consegue alcançar "menos Estado"
para alguns...
Um exemplo
de “menos Estado” vem das associações cívicas e de muitas organizações
não-governamentais, mas aí, o poder não hesita em recorrer a todos os meios
para as apoucar. Porquê? O que se pretende, afinal, é roda livre para os
mercados especulativos.
Escreveu o
velho Engels que o Estado se resume a um grupo de homens armados que garantem a
dominação de uma classe, e mais tarde Max Weber que o Estado é uma estrutura
que detém o monopólio do uso da violência legítima. Traduzindo por miúdos, isto
corresponde nos dias de hoje a algo como “menos Estado Social, mas melhor
Estado Policial” ou “menos Estado para quem vive do seu trabalho, e mais e
melhor para os especuladores de casino”. Como escreveu Shakespeare, no seu
"Júlio César", words, words,
words.... Estamos conversados.