Muito se fala agora da reforma do Estado, por alguns chamada
de “refundação”, ou do chamado Estado low
cost, pelo qual se pretende alijar a responsabilidade pela protecção dos
mais pobres e desprotegidos. Em Portugal, nunca a sociedade viveu sem ser à
sombra do Estado- fosse com os monopólios pombalinos, a Regeneração rotativista,
o Estado Novo ou as parcerias público-privadas. São mais de duzentos anos de
uma cultura de conluio entre interesses públicos e privados, com um Estado
providencial, nem sempre a olhar para os mais pobres, e que se quer agora- troika oblige- descolonizar. Da mão invisível
quer-se passar para a mão trituradora, sem que se tivessem criado condições
financeiras para que os privados possam assegurar as funções de gestão
sustentável sem um real perigo de exclusão e balcanização na sociedade portuguesa.
Os defensores desse modelo são em geral académicos sem
experiência de gestão e teóricos para quem as pessoas são números e o
investimento público sinónimo de colectivismo. Não fosse esse “colectivismo” e ver-se-ia
quem salvaria os bancos americanos tóxicos em 2008, e o nosso inenarrável BPN,
ou quem teria indemnizado principescamente os donos de empresas nacionalizadas
no Verão Quente de 1975, quando foram devolvidas aos antigos donos acompanhadas
de chorudos cheques.
A troika, que em 3
semanas delineou um programa à medida, sem conhecer Portugal e as suas
patologias seculares, ignora que nunca houve iniciativa privada digna desse
nome no nosso país, e que sem um programa de estímulo ao crescimento e
investimento, estar-se-á a tirar por um lado mas sem dar pelo outro, e sem
braços nem mãos não se pode trabalhar, nem criar riqueza.
A reforma do Estado é necessária, contudo, como tudo o que
tem sido feito em Portugal de há um ano para cá, não é por iniciativa nossa, dos
partidos ou dos órgãos de soberania, que tal acontece. Todos os timings são impostos, a receita por
demais batida (igual para o México ou Sri Lanka, como se o template do FMI servisse para qualquer país) e as elites
domésticas, sobretudo os economistas de serviço, ditos “peritos”, limitam-se a salivar e aceitar de cruz
a receita externa que ninguém contesta. Como sempre, santos da casa nunca
fizeram milagres, e o provincianismo reinante leva a aceitar como milagrosa a
receita que um qualquer alemão de segunda imponha em nome do chefe.
Prepara-se pois o fim do Estado como o conhecemos, e,
curiosamente, a frequência com que frequentemente se usa a expressão
patriotismo para justificar o injustificável nesta hora difícil que o país atravessa, lembra a frase certeira de Friedrich Durrenmatt:
“O Estado chama-se sempre pátria quando
prepara um assassínio”. Virá aí mais um arremedo de patriotismo...?
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