sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Sintra e as alterações climáticas

   Foto: Pedro Macieira, Rio das Maçãs


O tema do clima está na ordem do dia com cada vez maior premência, levando a que na próxima semana de novo os líderes mundiais se voltem a sentar, para discutir documentos jurídicos que de pouco servirão se os grandes poluidores não se esforçarem no terreno para contrariar a carbonização e o aquecimento global.
Entre nós, o tema entrou na agenda política, alternando entre o catastrofismo e o disparate, alimentando modas e novos clichés mais para alimentar as redes sociais que para inverter a tendência no terreno.
Até Sintra, o tradicional Delicious Eden das sombras frescas e da brisa amena se verá confrontada no futuro com uma realidade que por ora se estranha, mas má será se vier a entranhar-se.
Em Sintra, segundo o "Plano Estratégico do Concelho de Sintra Face às Alterações Climáticas" em tempos coordenado pelo prof. Filipe Duarte Santos, antevê-se que em meados do século XXI as temperaturas médias anuais subam1.7 a 3.3 °C, com maior ênfase no Verão (3.6ºC a 5.4°C em julho) do que no Inverno (0.7 a 1.6 °C em dezembro). No final do século a elevação da temperatura média anual pode chegar a 2 a 3°C acima do que são atualmente no Inverno e 5º a 10º C no Verão, com ondas de calor mais frequentes e noites tropicais em que poucas vezes a temperatura descerá abaixo de 25º C. A precipitação média no final do século baixará de 800 mm para 540 a 700 mm e a radiação solar aumentará até um máximo de 8%.
Haverá reduções anuais no escoamento dos principais cursos de água na ordem dos -30% em meados do século e -50% para o final do século, e para os aquíferos é de esperar uma diminuição da capacidade de exploração sustentável. O impacto no rebaixamento do nível nos aquíferos será ainda modesto, menor que -0,5 m, mas para o final do século já alcançará máximos de -0,7 m no final do semestre húmido, e -0,8 m no final do semestre seco.
O consumo de água dos sintrenses, agora da ordem de 80 m³ entre 2020 e 2030 será 3% a 15% acima dos valores atuais. O nível médio do ar continuará a subir, com cenários de 0,2 m a 1,4 m para o horizonte de 2100.
Fenómenos de precipitação intensa irão promover a erosão das arribas, e a modificação do regime das ondas associada às alterações climáticas deverá aumentar a deriva litoral e, portanto, o potencial de transporte de sedimentos, predominante para sul, em até mais 20% em relação à situação atual. A configuração das praias aponta para reduções da superfície dos areais, embora muito variáveis de praia para praia. Nas mais encaixadas e instaladas em desembocaduras fluviais, a redução será pequena. Pelo contrário, as praias mais abertas, estreitas e limitadas pelo lado de terra por uma arriba, como a do Magoito, que são extremamente sensíveis à rotação do rumo das ondas, devem perder grande parte do areal.
Os cenários colocados pelos autores do estudo sugerem um aumento do stress ambiental na vegetação florestal. O stress hídrico poderá tornar as árvores mais suscetíveis e aumentar os danos causados pelas pragas e doenças.
No futuro aumentará também o risco de incêndio florestal e a deterioração dos ecossistemas florestais pela dificuldade de regeneração das árvores e pela proliferação de espécies invasoras mais competitivas e melhor adaptadas às novas condições climáticas.
Prevê-se o aumento da incidência de pragas e doenças, assim como o risco de invasão por novas espécies de regiões de clima tropical ou subtropical. É também muito possível que as taxas de crescimento de pragas e doenças sejam estimuladas pelo aumento da temperatura, sobretudo quando têm a possibilidade de ter várias gerações por ano.
O aumento das temperaturas no Inverno, quando acompanhado por humidade elevada, poderá favorecer a expansão de alguns agentes patogénicos, modificando a estrutura e composição da vegetação, com consequência para a restante biodiversidade: a fauna seguirá os destinos do seu habitat e a comunidade de insetos sofrerá com as alterações climáticas, uma vez que são animais de sangue frio.
Algumas populações, especialmente aquelas que têm distribuição geográfica limitada, pequenas áreas de habitat ou reduzido número de indivíduos (como o cravo-romano, o feto-de-folha-de-hera, o miosótis-das-praias ou a boga portuguesa), poderão não ter capacidades para se adaptarem às rápidas alterações climáticas, e a sua extinção pode ocorrer em populações com baixa taxa de reprodução e capacidade de dispersão.
Dentro dos mamíferos o grupo dos morcegos é o mais vulnerável, dada a dependência do seu metabolismo com a temperatura e a sua dieta depender da comunidade de insetos.
Os cenários indicam que em finais do século as ondas de calor serão um fenómeno frequente, afetando grupos mais sensíveis como as crianças e os idosos. O problema do ozono poderá persistir e agravar-se pelo menos até meados do século, e o número de dias propícios a salmoneloses na região de Sintra aumentará dramaticamente no Verão.
O risco de transmissão de doenças por insetos subirá em todo o concelho. Mesmo no Inverno o clima passará de totalmente desfavorável a ocasionalmente favorável. O Verão continuará de forma geral a ser a estação do ano mais favorável à transmissão, embora em meados do século o clima se torne tão seco que o risco começará a diminuir.
As alterações climáticas em Sintra vão no sentido de aumentar a produção de pólenes ao longo de todo o século, agravado pela diminuição da precipitação que promoverá menos a limpeza da atmosfera. A radiação solar aumentará significativamente, e como o número de dias confortáveis para atividades no exterior aumentará, tudo se conjugará para um maior risco de melanomas.
Apesar da vasta área florestal do Parque Natural Sintra-Cascais (3675 ha), o valor anual de sequestro é de cerca 53 500 toneladas de CO2, ou seja, da ordem de 2% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) dos sintrenses (âmbito total). Segundo os autores do estudo, no caso específico de Sintra, duas estratégias surgem como as mais adequadas para sequestro biológico de carbono: o aumento permanente da área florestada e do número de árvores de arruamento, e o aumento da duração média das árvores com vista à meta de longo prazo de sequestro de 8% das emissões de GEE.
Estima-se que o índice de emissões totais (estritas e implícitas) per capita seja da mesma ordem do valor médio nacional, ou seja, 8 toneladas de CO2 eq./habitante. No entanto, este valor pode ser reduzido se houver uma generalização das energias renováveis, edifícios mais eficientes, melhores transportes públicos e mais ciclovias.
Sintra faz parte desde 2015 do consórcio que irá desenvolver a metodologia do projeto ClimAdaPT.Local para aplicação a nível nacional das estratégias municipais para as alterações climáticas, sendo uma da uma das autarquias que já têm estratégias próprias para os seus territórios. O tempo urge, porém, e o que até há pouco eram profecias catastrofistas boas para filmes de ficção, pode efetivamente descambar num panorama sem retorno. Há que tomar medidas no terreno, desde já, alertando os peritos que 2030 pode ser o ano em que se nada for feito, se poderá dar a batalha como perdida.
Como alertava um famoso programa televisivo de Luís Filipe Costa nos anos 70, inspirado nos então premonitórios avisos de Gonçalo Ribeiro Telles, “Há Só Uma Terra”.

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