sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Coisas do Clima: Trump, Marrakesh e Sintra




Termina hoje em Marraquexe mais uma Cimeira do Clima, onde se verá até onde os países estão dispostos a ir para respeitarem o compromisso que assumiram em Paris de limitar a subida da temperatura abaixo dos 2 graus Celsius relativos à era pré-industrial e a continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius.


Quando relatórios das Nações Unidas voltam a lembrar a urgência em agir rapidamente para reduzir as emissões de gases com efeito estufa, defrontamo-nos com a nova doutrina Trump, que alega serem as alterações climáticas uma invenção chinesa e aponta para a nomeação para a Agência americana de protecção ambiental de Myron Ebbers, um conhecido negacionista das ditas alterações e defensor dos combustíveis fósseis.


Trump quer que os Estados Unidos se desvinculem do Acordo de Paris antes do fim do período de quatro anos que o país ficou obrigado a respeitar. Recorde-se que o acordo, assinado por 195 países, entrou em vigor a 4 de novembro, e recentemente líderes de 360 grandes empresas enviaram uma carta a Trump a pedir que respeite o Acordo de Paris.


Se até há pouco tempo, o clima era de satisfação por, finalmente, os dois maiores poluidores, China e Estados Unidos, terem chegado a acordo quanto às metas a cumprir para minorar os efeitos das alterações climáticas, agora já ninguém está seguro quanto ao futuro. Apesar de não ter poder para bloquear o cumprimento do tratado por parte de outros países ou alterar as regras do acordo, pode a nova administração americana optar por não o executar o que pode por em causa o objetivo de limitar o aquecimento global a um máximo de dois graus centígrados acima dos níveis pré-industriais.


Para não ter de esperar até 2020, Donald Trump pode sempre sair da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, que enquadra o acordo de Paris. No entanto, esta seria uma decisão polémica tendo em conta que se trata de uma convenção aprovada pelo Senado.

 

Até ao momento 97 dos 197 signatários ratificaram o Acordo de Paris, considerado histórico, mas três grandes emissores de gases não o ratificaram: a Rússia, a Austrália e o Japão.


Quando é sabido que nos próximos 15 anos será preciso levar a cabo reduções sem precedentes nas emissões de gases com efeito de estufa e fazer esforços para resistir a aumentos dos impactos climáticos, são precisas estratégias nacionais até 2050, como aumento da ajuda financeira aos países em desenvolvimento, assistência técnica para a criação de uma política de incremento das energias renováveis, aposta em transportes alternativos e reflorestação do planeta.


O objectivo do limite de 2º C foi definido em 2009, em Copenhaga. Cumprir este objectivo será também particularmente importante para Portugal, onde, se não for invertido o actual ciclo de aquecimento global, a paisagem tornar-se-á globalmente desertificada até 2100.


Sintra e as alterações climáticas


Em Sintra, segundo o "Plano Estratégico do Concelho de Sintra Face às Alterações Climáticas" coordenado pelo prof. Filipe Duarte Santos, antevê-se que em meados do século XXI as temperaturas médias anuais subam1.7 a 3.3 °C, com maior ênfase no Verão (3.6ºC a 5.4°C em Julho) do que no Inverno (0.7 a 1.6 °C em Dezembro). No final do século a elevação da temperatura média anual pode chegar a 2 a 3°C acima do que são actualmente no Inverno e 5º a 10º C no Verão, com ondas de calor mais frequentes e noites tropicais em que poucas vezes a temperatura descerá abaixo de 25º C. A precipitação média no final do século baixará de 800 mm para 540 a 700 mm e a radiação solar aumentará até um máximo de 8%.


Haverá reduções anuais no escoamento dos principais  cursos de água na ordem dos -30% em meados do século e -50% para o final do século, e para os aquíferos é de esperar uma diminuição da capacidade de exploração sustentável. O impacto no rebaixamento do nível nos aquíferos será ainda modesto, menor que -0,5 m, mas para o final do século já alcançará máximos de -0,7 m no final do semestre húmido, e -0,8 m no final do semestre seco.
 

O consumo de água dos sintrenses, agora da ordem de 80 m³ entre 2020 e 2030 será 3% a 15% acima dos valores actuais. O nível médio do ar continuará a subir, com cenários de 0,2 m a 1,4 m para o horizonte de 2100.



Fenómenos de precipitação intensa irão promover a erosão das arribas, e a modificação do regime das ondas associada às alterações climáticas deverá aumentar a deriva litoral e portanto o potencial de transporte de sedimentos, predominante para sul, em até  mais 20% em relação à situação actual. A configuração das praias aponta para reduções da superfície dos areais, embora muito variáveis de praia para praia. Nas mais encaixadas e instaladas em desembocaduras fluviais, a redução será pequena. Pelo contrário, as praias mais abertas, estreitas e limitadas pelo lado de terra por uma arriba, como a do Magoito, que são extremamente sensíveis à rotação do rumo das ondas, devem perder grande parte do areal.


Os cenários colocados pelos autores do estudo sugerem um aumento do stress ambiental na vegetação florestal. O stress hídrico poderá tornar as árvores mais susceptíveis e aumentar os danos causados pelas pragas e doenças.


No futuro aumentará também o risco de incêndio florestal e a deterioração dos ecossistemas florestais pela dificuldade de regeneração das árvores e pela proliferação de espécies invasoras mais competitivas e melhor adaptadas às novas condições climáticas.


Prevê-se o aumento da incidência de pragas e doenças, assim como o risco de invasão por novas espécies de regiões de clima tropical ou subtropical. É também muito possível que as taxas de crescimento de pragas e doenças sejam estimuladas pelo aumento da temperatura, sobretudo quando têm a possibilidade de ter várias gerações por ano.


O aumento das temperaturas no Inverno, quando acompanhado por humidade elevada, poderá favorecer a expansão de alguns agentes patogénicos, modificando a estrutura e composição da vegetação, com consequência para a restante biodiversidade: a fauna seguirá os destinos do seu habitat e a comunidade de insectos sofrerá com as alterações climáticas, uma vez que são animais de sangue frio.


Algumas populações, especialmente aquelas que têm distribuição geográfica limitada, pequenas áreas de habitat ou reduzido número de indivíduos (como o cravo-romano, o feto-de-folha-de-hera, o miosótis-das-praias ou a boga portuguesa), poderão não ter capacidades para se adaptarem às rápidas alterações climáticas, e a sua extinção pode ocorrer em populações com baixa taxa de reprodução e capacidade de dispersão.


Dentro dos mamíferos o grupo dos morcegos é o mais vulnerável, dada a dependência do seu metabolismo com a temperatura e a sua dieta depender da comunidade de insectos. Nos répteis e anfíbios deverá haver uma diminuição da sua área de distribuição, uma vez que são animais de sangue frio e com fraca capacidade de dispersão.


Os cenários indicam que em finais do século as ondas de calor serão um fenómeno frequente, afectando grupos mais sensíveis como as crianças e os idosos. O problema do ozono poderá persistir e agravar-se pelo menos até meados do século e o número de dias propícios a salmoneloses na região de Sintra aumentará dramaticamente no Verão.


O risco de transmissão de doenças por insectos subirá em todo o concelho. Mesmo no Inverno o clima passará de totalmente desfavorável a ocasionalmente favorável. O Verão continuará de forma geral a ser a estação do ano mais favorável à transmissão, embora em meados do século o clima se torne tão seco que o risco começará a diminuir.


As alterações climáticas em Sintra vão no sentido de aumentar a produção de pólenes ao longo de todo o século, agravado pela diminuição da precipitação que promoverá menos a limpeza da atmosfera. A radiação solar aumentará significativamente, e como o número de dias confortáveis para actividades no exterior aumentará, tudo se conjugará para um maior risco de melanomas.


Apesar da vasta área florestal do Parque Natural Sintra-Cascais (3675 ha), o valor anual de sequestro é de cerca 53 500 toneladas de CO2, ou seja da ordem de 2% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) dos sintrenses (âmbito total). Segundo os autores do estudo, no caso específico de Sintra duas estratégias surgem como as mais adequadas para sequestro biológico de carbono: o aumento permanente da área florestada e do número de árvores de arruamento, e o aumento da duração média das árvores com vista à meta de longo prazo de sequestro de 8% das emissões de GEE.


Estima-se que o índice de emissões totais (estritas e implícitas) per capita seja da mesma ordem do valor médio nacional, ou seja, 8 toneladas de CO2 eq./habitante. No entanto, este valor pode ser reduzido se houver uma generalização das energias renováveis, edifícios mais eficientes, melhores transportes públicos e mais ciclovias.



Sintra faz parte desde 2015 do consórcio que irá desenvolver a metodologia do projeto ClimAdaPT.Local para aplicação a nível nacional das estratégias municipais para as alterações climáticas, sendo uma das uma das autarquias que já têm estratégias próprias para os seus territórios.


Porque, como alertava um famoso programa televisivo de Luís Filipe Costa nos anos 70, inspirado nos avisos de Gonçalo Ribeiro Telles, “Há Só Uma Terra”…

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário