sexta-feira, 8 de maio de 2020

Os historiadores eunucos.

A polémica em torno de Rui Tavares por causa da utilização dum vídeo de arquivo em que o mesmo fala da Exposição do Mundo Português, usado por um professor do EstudoemCasa, mostra como certas pessoas pensam pequenino e não sabem separar as águas, passeando atitudes ultramontanas e censórias.
Enquanto aluno de Direito, estudei por livros de Marcelo Rebelo de Sousa, então do PSD ou Vital Moreira, do PCP, e vários anos depois do 25 de Abril a referência máxima para o estudo do Direito Administrativo era ainda o Manual de Direito Administrativo do professor Marcelo Caetano, político que nunca apreciei, mas ainda hoje eminente referência da História do Direito e do Direito Público. Muitas figuras do nosso meio cultural militam ou militaram em partidos, e ao mesmo tempo foram ou são académicos brilhantes (só para citar alguns, recordo Adriano Moreira, Fernando Rosas, Freitas do Amaral, Saldanha Sanches, José Hermano Saraiva etc), todos conotados com partidos ou determinado pensamento político, e nem por isso feridos na sua independência e conhecimento científico. E então?
O conhecimento técnico não ostenta nem pode ostentar autocolante partidário na lapela, sobretudo quando a honestidade intelectual não interfere com as convicções pessoais de cada um nem é subvertida para converter os incautos. Como escreveu um autor que não me canso de invocar, Baruch Spinoza, filósofo holandês de origem portuguesa, "interessam-me os factos humanos não para aplaudi-los ou atacá-los, mas meramente para compreendê-los". A Cultura só tem uma trincheira, que é da sua promoção e afirmação pluralista, típico duma sociedade aberta que alguns insistem em coartar. Depois, cada um que aplauda ou ataque, essa a essência da democracia, não a de criar eunucos.

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