Nenhum aluno de Direito desconhece o alcance do brocado
latino “pacta sunt servanda”, que
significa "os pactos devem ser respeitados" ou "os acordos devem ser cumpridos". Princípio
basilar do Direito Civil e do Direito Internacional, no seu sentido mais comum,
este princípio pacta sunt servanda enfatiza que as cláusulas e pactos ali
contidos são um direito entre as partes, e o não-cumprimento das respectivas
obrigações implica a quebra do que foi pactuado. Esse princípio geral, que
implica o desrespeito pela boa-fé, é um requisito para a eficácia
de todo o sistema.
Nos dias que correm, invocam os governos, em termos
políticos, a prossecução de tal princípio quando têm de explicar aos seus
governados a necessidade de cumprir acordos internacionais, como o memorando da
troika, a transposição de directivas comunitárias, ou a adopção de tratados
livremente subscritos, sendo no jargão político português apresentado como uma
inevitabilidade messiânica, e quase um ponto de honra.
Pena é que só em certos planos tal necessidade de Direito
(a que por vezes por eufemismo se acrescenta a obrigação moral de “honrar” a
palavra dada) seja invocada, esquecendo, por exemplo, o igualmente sagrado pacto assumido pelo
Estado com os seus servidores, que, precedendo concurso, com ele celebraram
contratos sinalagmáticos pelos quais foram acordadas 14 mensalidades de
vencimento, e todo um quadro de normativos que unilateralmente agora se quer duma penada
suprimir, ficando a honra aqui bastante mais mitigada, e os deveres
aligeirados, convenhamos…
Pena é que apesar de haver mecanismos jurídicos que
permitem a revisão contratual por alteração de circunstâncias, tal se venha a
aplicar apenas às relações laborais, em que o trabalho prestado é constante e
não desvalorizado, mas já não pode ser aplicável a outros negócios do Estado, como as parcerias público-privadas, por exemplo, em
situações onde os acordos tiveram por base previsões erradas e negligentes dos
serviços e obrigações a prestar, e, portanto, tendo por base uma
realidade volátil mas, para quem hoje está no poder, mais sagrada que a
estabilização da relação de trabalho, que é a base do contrato social, na
perspectiva da valorização do emprego como um valor e bem da comunidade.
Pena é que a boa fé, a proporcionalidade, a justiça ou a
confiança, princípios informadores das relações públicas num Estado
democrático, sejam letra morta, violando-se a Constituição e os mais
elementares direitos consignados nos textos de Direito Internacional de que
Portugal é signatário.
O principal desígnio da política e da boa governação é a
felicidade dos povos, pelo uso de meios que, em paz social, com segurança
jurídica e respeito mútuo permitam o desiderato da justiça e da equidade.
Contudo, quando em nome da necessidade de pagar a
qualquer custo e em prazo que apenas visa saciar a agiotagem de quem presta, tantos princípios são escamoteados e espezinhados, não terá a
comunidade o direito (e mesmo o dever) de reagir, em estado de necessidade e em
legítima defesa dos mais elementares direitos, que décadas de aperfeiçoamento
político e social produziram? Ao quebrar unilateralmente o contrato social não
abre o poder uma caixa de Pandora, tornando unilateral o que foi desenhado como
recíproco, impositivo o que foi concebido como negociado, e letra morta o que
eram antes princípios sagrados bebidos nos mais antigos códigos e declarações, e
até na doutrina social da Igreja?
Pacta sunt servanda. Com os credores, claro, mas dentro
da equidade, e num quadro que viabilize a quem quer cumprir, que o possa fazer. Mas, convenhamos,
também com os trabalhadores, os utentes de serviços públicos, os consumidores e
os cidadãos de boa fé que, saturados, já não podem com tanta má fé.
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