24 de Agosto de 1924.O
Presidente da República, Teixeira Gomes, chegava a Sintra para o lançamento
solene da primeira pedra do novo hospital, junto da cadeia comarcã e da estação ferroviária. Projecto de Pardal Monteiro, preparara-se
uma vistosa cerimónia, com ministros, edis, militares com dragonas, enchapeladas
damas, o acompanhamento musical seria das Bandas do 1º de Dezembro e dos Bombeiros.
Alfredo Pinto cobria o evento para a Semana
de Sintra, enquanto O Despertar, órgão do Centro Republicano, era representado pelo seu director,
António da Silva Sousa, industrial de mármores das Lameiras.
A vila rejubilava com o acertado passo no sentido do progresso, a saúde entraria enfim
no mapa dos direitos que uma sociedade civilizada não poderia dispensar.
Presentes Gregório Casimiro Ribeiro e Amílcar Barros Queiróz, do Partido
Regional, José Antunes dos Santos, conhecido capitalista e até o dono da Periquita,
Júlio Amaro dos Santos. Depois de tocado hino pelas bandas, o
Presidente usou da palavra para enaltecer o progresso e aquela aguardada
realidade que finalmente avançava. Antes do final da década, Sintra
emparceiraria com Lisboa e outras cidades civilizadas, os doentes seriam
curados, as mães seriam assistidas no parto, Sintra poderia crescer com
confiança no futuro, que por tal a República zelaria. Muito aplaudido, discursou também o presidente da Câmara, para gáudio dos caciques locais, depois dos
paços do concelho e da cadeia comarcã, um moderno hospital nasceria na vila.
Depois dos discursos e
da primeira pedra, solenemente se lavrou auto do acontecimento, e dele se
extraiu cópia, que o presidente Teixeira Gomes depositou debaixo da pedra, num
recipiente de vidro, testemunhando para a eternidade o momento em que enfim Sintra ia ter um hospital.
Amaro dos Santos, o
dono da Periquita, aplaudiu, comentando com Antunes dos Santos:
-Sim
senhor, assim sim, já não vai ser preciso ir para S. José ou para o Desterro.
Já cá fazia falta há muito tempo! Olhe, se já estivesse construído no tempo da
gripe espanhola, se calhar muita gente tinha escapado!
-Esperemos
que sim, caro Júlio, ainda se morre muito, daqui a Lisboa são quatro horas, e
Sintra não pode curar os doentes a caldos de carneiro e panos de água quente.
Esperemos que sim! -pouco convencido, o cacique aplaudia também,
seria bom para os negócios, igualmente.
As obras estavam
apalavradas, o Governo cativara verbas, no Verão se faria um cortejo de
oferendas para ajudar a equipá-lo, tudo do mais moderno, com internato,
maternidade, dispensário e cirurgia. Não tivessem os sintrenses medo de estar doentes, que
tudo estaria preparado.
Como muita coisa em
Portugal, a República soçobrou, o projecto do hospital foi abandonado e nem um
só tijolo foi erguido, tal como o mirífico teleférico que levaria turistas à
Pena.
Em finais de 2010, um
piquete dos SMAS procedia à reparação de uma conduta no estacionamento
fronteiro à estação quando um recipiente de vidro, ainda intacto, veio enrolado
na escavadora. Detritos, pensou o engenheiro da obra. A um olhar mais atento,
verificou-se que dentro continha um documento, com lacre e fita vermelha.
Surpreendentemente, ali se atestava às gerações vindouras o dia em que Sintra,
pela mão do mais alto magistrado da nação, lançara pontes para o futuro das
suas gentes, só uma nação sã podia ser progressiva, escrevia-se, prometendo-se rápido regresso para a inauguração.
O engenheiro levou
aquilo ao director, que encaminhou para o Arquivo Histórico, onde o doutor
Montoito examinou o manuscrito, havia que lhe dar tratamento adequado.
Os anos passaram, os
regimes também, do novo hospital nem um tijolo, e hoje nem um só bebé nasce em
Sintra, cegonhas vindas de Paris sobrevoam a Pena, mas com destino a
outras paragens. A pedra e o recipiente solenemente enterrados em 1924
deixaram de ser prioridade para os vivos, o recipiente, esse, será por certo
atracção para os arqueólogos, que qual Graal redentor, até pensem ter um dia havido um
hospital em Sintra, na Rua das Murtas, e que como muito património desaparecido
tenha sido engolido na voragem urbanizadora.
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