sábado, 4 de maio de 2013

Sherlock Holmes e o crime da Estrada da Pena



Holmes descansava à sombra duma sequóia enquanto Francis Cook providenciava o almoço com os criados, convidara o famoso detective para uns dias em Monserrate e queria que nada faltasse. Watson viajara para Brighton, a banhos, com Londres deserta, uns tempos longe de Baker Street e Charing Cross vinham a calhar. Recarregado o cachimbo, aproveitou para exercitar o violino, absorvendo  a fragrância daquele jardim inóspito, domesticado por Cook em pujantes feteiras adornadas com túmulos etruscos. Cook, que conhecera em Doughty House, agora visconde de Monserrate, chegou entretanto com um visitante inesperado, um inspector da polícia portuguesa que lhe queria falar.

-Holmes, aqui o inspector Carvalho, da polícia local, gostava de lhe dar uma palavra.

Sobranceiro, Sherlock cumprimentou-o, dando uma baforada no cachimbo, sem largar o violino.

-Sr. Sherlock Holmes? Sua Majestade, o rei D. Fernando gostaria de lhe falar. Poderia acompanhar-me ao Palácio?

Holmes anuiu, sempre quisera conhecer o rei-artista, o almoço ficaria para depois. D. Fernando estava no chalé da Pena, a condessa d’Edla fora a Lisboa nesse dia e recebeu-o na sala de música. Afável, mas preocupado, acompanhado pelo conde de Sucena e pelo marquês de Soveral, explicou os motivos por que o havia chamado:

-Bem vindo a Portugal, senhor Holmes. Desculpe interromper as suas férias, mas aconteceu uma terrível tragédia que creio só uma pessoa da sua craveira poderá esclarecer! –foi explicando, oferecendo um chá, que Holmes aceitou -Um grande amigo meu, o marquês de Niza, morreu ontem na sua casa, aqui em Sintra. Suicídio, diz a polícia, mas acho muito estranho, nada fazia prever uma situação destas. Bem estranhei quando à noite não compareceu ao baile na Pena, em honra do embaixador da Prússia. O seu contributo pode ser importante para deslindar o caso, assim aceite. Aqui o inspector Carvalho estará à sua disposição para os procedimentos que entenda necessários.

Magro e aquilino, de olhos penetrantes, Holmes era além de mestre da dedução, cirurgião de caracteres, a razão do seu sucesso a deslindar casos intrincados. Anuiu, fleumático, e de imediato pediu para visitar o local onde ocorrera o suicídio, saindo para lá sem delongas, antes que as pistas fossem apagadas:

-Será uma honra, Majestade. A maioria das pessoas vêem, eu observo. Aí reside o mérito da  investigação!

A casa do marquês, um chalé na estrada da Pena, não ficava longe, a viúva, ainda transtornada, recebeu o inglês, a pedido do rei. Holmes examinou a casa, elegantemente decorada, a marquesa era uns anos mais nova que o finado marido, segundo foi adiantando o inspector Carvalho. Apresentada por este, e ainda combalida, Sherlock passou a interrogar:

-Senhora marquesa, que motivo teria o seu marido para pôr termo à vida? -foi perguntando, recusada que foi a chávena de chá.

-Ignoro, senhor Holmes, mas sei que alguém o terá procurado esta semana, lançando intrigas sobre mim e a minha lealdade como esposa, andava um pouco estranho há alguns dias.

-Importa-se que visite o local onde o senhor marquês pôs termo à vida?

 -Claro. O inspetor Carvalho já lá esteve, acompanhe-me, por favor!

Na biblioteca, com vista para a Vila, uma mancha de sangue no tapete denunciava o local onde caíra, com um tiro na nuca. O corpo, já amortalhado, estava num quarto do piso superior, a polícia ainda não autorizara o funeral. Holmes pediu para ver o cadáver, a cabeça, desfigurada, estava enrolada num pano branco, o tiro fora na testa, central. O ângulo da arma deixou Holmes desconfiado, examinando com uma lupa. Pediu para falar com a pessoa que limpara a biblioteca após o acidente, a velha Gracinda foi chamada a explicar:

-Minha senhora, o que lhe vou perguntar é muito importante. Viu na sala alguma coisa anormal, um móvel fora do sítio, uma mancha….

-Ainda não estou em mim, caro senhor, que tragédia! -a velha empregada, que descobrira o corpo do marquês, interrompia, ainda em choque - Não, estava tudo como de costume, ontem de manhã o senhor marquês estava em casa, sozinho, na biblioteca. Quando regressei da vila vim ver se precisava de alguma coisa, e ali estava ele, no chão, com a pistola ao lado. Reparei, contudo, que tinha um botão vermelho na mão direita.

-Um botão? E pertencia a alguma roupa do marquês?

-Não, que eu saiba, e não sei a quem pertence.

Holmes, raciocinando, perguntou onde poderia encontrar um alfaiate, havia um nas Escadinhas do Bramante, na Vila, o velho Queiroga, também o rei a ele recorria, por vezes. Holmes e o inspetor foram ao seu encontro:

-Sr.Queiroga, aqui este senhor inglês precisa de saber que tipo de botão é este- esclareceu o inspector, mostrando o botão, vermelho e debruado com cetim dourado.

-É um belo botão, sim senhor, ainda há uma semana fiz uma casaca com botões desses, vermelha, foi uma encomenda do sr. Conde de Sucena  para o baile na Pena, que teve lugar ontem à noite!

Taciturno,  Holmes pediu para se retirar, tinha voltas a dar. No dia seguinte, apresentou-se em casa do Conde de Sucena, em Seteais. O conde, ainda em roupão, estranhou a visita do inglês, mas mandou entrar.

-Senhor conde, creio bem ter descoberto o que sucedeu ao marquês de Niza. Parece que alguém o andou a intrigar contra a marquesa, para o perder junto do rei, ameaçando mesmo com escândalo nos jornais. Ora essa pessoa devia ser uma pessoa conhecida, pois só assim teria tido a possibilidade de estar a sós em casa do marquês. Creio que essa pessoa terá entrado em confronto físico com ele, acabando por o matar, numa altura em que não estaria ninguém em casa. Só que na luta corpo a corpo, o marquês de Niza terá arrancado um botão da casaca do agressor, que depois de disparar deixou a arma junto dele, a sugerir um suicídio.

-Muito interessante sr. Holmes, vejo que são verdadeiros os créditos que lhe dão como investigador, Sua Majestade há-de ficar satisfeito.

-Reconhece este botão sr. Conde? -ripostou o detective, exibindo o botão dourado que guardava na mão direita.

-Não, porquê, deveria reconhecer?

-É que este botão é de um casaco seu, e estava na mão do marquês, na altura em que encontraram o corpo.

Mudando a expressão, o marquês colocou um ar carrancudo e reagiu às palavras de Holmes:

-Ridículo, caro senhor, receio bem ter de retirar o elogio que lhe acabei de fazer, isso é um ultraje! Os botões são todos iguais!

Holmes pegou num papel que trazia na casaca, e mostrou-o ao conde:

-Esta imagem foi tirada aos convidados de Sua Majestade durante o baile na Pena, ontem à noite. Repare na sua casaca. Falta um botão no meio, não falta? Igual a este! - Depois de deixar o alfaiate, Holmes fora ver se havia registos do baile, o Granja, fotógrafo da Corte, tinha feito umas chapas para o Correio de Cintra.

O conde ia reagir, alterado, quando duma sala contígua surgiu D. Fernando, em pessoa, acompanhado do inspector Carvalho. Sucena empalideceu, vendo-se denunciado:

-Porquê Sucena? –desabafou desiludido, ouvira tudo, a corte estava cheia de bajuladores e intriguistas, mas a ponto de matar…

O inspector deu voz de prisão ao conde e mandou chamar um corpo de polícia, que o levou para o presídio. O rei deteve-se ainda a falar com Sherlock:

-Obrigado pelo seu contributo, senhor Holmes, espero que agora continue as suas férias em Monserrate, o Francis é um esplêndido anfitrião. E venha jantar comigo e com Elise na próxima semana, será um prazer.

Tocando violino e retomando as baforadas no cachimbo, Holmes retornou ao sossego de Monserrate, onde o visconde organizou entretanto um jantar de amigos para o conhecerem, o diplomata e escritor Eça de Queirós esteve presente. Perito em palhetos, e com grande sentido de humor, Holmes gostou dele, também já uma vez desvendara um mistério, na estrada de Sintra, segundo confessou. Servindo um Porto no terraço, Cook voltou ao crime da Pena:

-Diga-me Sherlock, como é que descobriu tudo tão rápido? Você é um génio, homem!

Sem se perturbar, o inglês, erguendo um cálice de Porto, fez um brinde, cerimonioso:

-Elementar, meu caro Cook!

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