Sintra, 7h40m.Susana a chegar, a engrossar fila na procissão, suplentes da vida em busca por um passaporte pela manhã. Primeira senha, não primeira escolha, logo duas mais engrossando a senda das oportunidades. Curso de Gestão, dois estágios gratuitos, licenciatura em estágios, chega. Chega a Rita, entretanto, e duas mais, e cantam os Deolinda no telemóvel :
"Sou da geração sem remuneração/e não me incomoda esta condição./Que parva que eu sou! "
7h50m.São já vinte na fila, o Alberto, despedido ontem, licenciados sem licença para o trabalho, faz frio, e há que esperar. Esperar, esperar sempre, primeiros na fila, últimos na escolha, está frio e vai arrefecer mais.
"Porque isto está mal e vai continuar, /já é uma sorte eu poder estagiar./Que parva que eu sou! "
8h00m.Abre a porta, sobreviventes candidatos são ouvidos por quem sobrevive escutando os candidatos. Primeiro emprego segundo andar, esse subsídio foi cancelado, uma vaga em Coruche, alguém quer? A fila avança, a vida não avança.
"E fico a pensar/que mundo tão parvo /onde para ser escravo é preciso estudar."
8h50m-Sentados na sala, impressos na mão. E porque não levantados do chão? A surdina abafa gritos estampados em cada rosto, cada impresso, cada dia na fila, a casa adiada, o filho por nascer, uma sandes para jantar, os remédios da mãe, já não geração rasca, apenas já não geração. Ah! mas em liberdade, liberdade de não fazer, por não poder, de a nada chegar, por não lutar. No Facebook se há-de desabafar, cinquenta comentários, e o mundo mudar.
"Sou da geração casinha dos pais, se já tenho tudo, pra quê querer mais?/Que parva que eu sou "
9h20m.A fila dissipa-se, a seguir um café, o sofá em casa, de novo para casa, de novo para o café, duas semanas, o regresso, um carimbo para o limbo e nova oportunidade para não perder uma oportunidade, uma música murmurada na sala-jazigo dos futuros capturados.
"Filhos, maridos, estou sempre a adiar /e ainda me falta o carro pagar/Que parva que eu sou! "
9h40m. Despachada finalmente, tudo igual, regressar, lutar, desistir, fugir? Amanhã, tarde para ter passado, amanhã, cedo para desistir do presente. No casting da vida, que operação triunfo trará ídolos aos mártires da geração Deolinda?
"E fico a pensar,/que mundo tão parvo/onde para ser escravo é preciso estudar./Sou da geração „vou queixar-me pra quê?. /Há alguem bem pior do que eu na TV./Que parva que eu sou!/Sou da geração „eu já não posso mais!. /que esta situação dura há tempo demais/E parva não sou!
Sintra, 7h 40m,novo dia, Centro de Emprego sem emprego no centro. Novo dia. Monotonia. Arrefece. Chegará a aquecer?
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