sábado, 1 de dezembro de 2012

Os Mosqueteiros do Duque



O Senhor de Tréville tinha uma missão para D’Artagnan e companheiros, desta feita acertada com o Cardeal, e para lá dos Pirinéus. Nesse Março de 1640, a Richelieu chegara a notícia que estaria em curso uma tentativa de assassínio do Duque de Bragança, em Portugal. Em ebulição política, a par da Catalunha, o Portugal ocupado via no descendente dos Avis uma esperança para a restauração do trono, ocupado por Filipe IV, inimigo da França. Como dizia o Cardeal, os inimigos da Espanha, nossos amigos são, dessa forma havia que proteger o pretendente e acarinhar a revolta. Conspirava-se em Lisboa, e a França apoiava.
-Messieurs, La France a une mission pour vous, a Lisbonne- M. de Treville, com voz grave e contorcendo o bigode, juntava os fiéis mosqueteiros para nova e delicada tarefa. Animado, Porthos esfregou as mãos, cansado dos botequins de Paris e de perder ao jogo com Aramis. Depois de uma pausa, Treville sacou de uma carta de Duprés, espião da França em Portugal:
-Chegou ao nosso conhecimento que a vice rainha de Portugal, a Duquesa de Mântua, oferecerá  uma recepção para assinalar o aniversário do rei de Espanha, dia oito de Abril, em Sintra, uma vila a trinta quilómetros de Lisboa. O duque estará presente, bem como nobres ligados à conspiração, Antão de Almada e Pinto Ribeiro, que são da nossa confiança. Duprés relata contudo que o secretário da Duquesa, Miguel de Vasconcelos, tem montada uma emboscada ao duque, no caminho para a recepção, de modo a liquidar a pretensão dos conjurados. É do interesse da França travar essa armadilha. O Cardeal, apesar de ainda estar aborrecido convosco, reconhece que sois os melhores para lidar com a situação, e dá-vos carta branca para agir. Sobretudo, é precisa muita discrição. Partem amanhã, de La Rochelle, num navio com destino a Portugal.
Entusiasmados com a missão, os três amigos correram a comemorar com Planchard e Bazin, na Taverne d’Avignon. Athos receava os mosquitos, diziam haver muitos no Sul, alegres, lá se prepararam para o novo desafio, bem longe de Paris.
-Amigos, um por todos e todos por um!-  clamou D’Artagnan, logo repetido em uníssono, a espada desembainhada numa mão, e copos de Bordéus na outra.
Dias mais tarde chegaram a Lisboa, sem os uniformes de mosqueteiro, alegadamente viajantes da Bretanha em busca de produtos orientais, mais baratos que em Gand ou Antuérpia. Discretos, alojaram-se numa estalagem perto do Cais de Sodré. Lisboa trepidava de comerciantes, sobranceiros soldados espanhóis patrulhavam a cidade em nome do rei de Espanha. Sentia-se contudo um mal-estar no ar, os agentes do duque de Olivares pensavam estar a preparar-se algo para os finais do ano, explicou Duprés, o contacto na cidade. Junto ao Hospital de Todos os Santos, populares tinham recentemente sido presos por dar vivas ao Manuelinho, um rebelde que três anos antes tentara um levantamento em Évora.
A recepção seria na noite de dia oito, o duque iria de Lisboa, pela tarde. As festas dos espanhóis aborreciam-no, mas não podia  recusar estar presente de forma ostensiva. Era esperado às seis, para o jantar, posto o que um grupo andaluz actuaria depois. Pelas informações de Duprés, a emboscada seria numa charneca perto dum vilarejo chamado S. Pedro, na estrada que conduzia ao Paço. Tropas de Olivares patrulhavam desde Lisboa, havia que ser discreto. Aí, pretensos salteadores, de facto a mando de Miguel de Vasconcelos, atacariam a comitiva e assassinariam o duque, simulando um banal assalto, por esses tempos frequente nas estradas de Sintra.
A cavalo, e com os mosquetes disfarçados, dirigiram-se ao local. Eram quatro horas, detendo-se num sítio chamado Ramalhão, aí tomaram posições, Aramis, melancólico, gostou do sítio, e absorveu o odor a pinheiro manso, seduzido pela suave fragrância. Pelas cinco, encapuzados aí largados por cavaleiros falando castelhano, ocuparam posições atrás das moitas, sem que os mosqueteiros se deixassem ver. À cautela, Duprés ficou mais afastado, guardando os cavalos e protegendo a retaguarda.
O restolho das rodas, cadenciado pelos cascos dos cavalos na folhagem, anunciou a aproximação da carruagem. O brasão dos Braganças estampado na porta não deixava dúvidas, D. João, meio absorto, e olhando a serra, chegava para a inevitável recepção. Poucos metros faltavam para chegar perto dos embuçados, já estes desembainhavam as espadas, um deles, de ar facínora, logo empunhou uma adaga afiada. De surpresa Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan saltaram-lhes ao caminho, envolvendo-se em luta corpo a corpo. Porthos, cerrando os dentes, delirava e em poucos minutos dois ficaram-lhe nas mãos, Aramis e os outros neutralizaram os restantes, surpresos pela inesperada armadilha, só um, assustado, logrou fugir, chamando pela Virgem Macarena. Espreitando pelo postigo, o duque de Bragança quis saber o que sucedia. Respeitosos, os mosqueteiros apresentaram-se, saudando-o, e explicando o ardil. D. João, percebeu o sucedido e agradeceu, mais tarde e com tempo gostaria de os receber.
Em Sintra, entretanto, Miguel de Vasconcelos sorria. A recepção estava a começar, e ensaiava a cara de consternação que disfarçaria quando os soldados chegassem a comunicar-lhes a morte do duque. No pátio árabe, Margarida de Sabóia, Duquesa de Mântua, há seis anos vice-rainha recebia os convidados: Grandes de Espanha, patentes militares, alguns portugueses coniventes com os negócios ibéricos. Para espanto de Vasconcelos, a comitiva do duque chegou incólume, sendo este efusivamente saudado pelo povo, para irritação dos espanhóis. A tramóia falhara. Cínico, e com uma vénia, recebeu o duque na escadaria. A recepção continuou, por esta vez, os espanhóis e os traidores portugueses falhavam os seus intentos.
Dias mais tarde, em Vila Viçosa, D. João recebeu os mosqueteiros para lhes agradecer, obsequiando-os com uma caçada, a que se seguiu lauto almoço, o melhor momento, para Porthos, tão amante do uso do garfo quanto o da espada. Após uns dias de repouso, finalmente partiram. Já a cavalo, na estrada para Espanha, D’Artagnan desembainhou a espada, elevando-a no ar e desafiou: Um por todos!
-E todos por um! -repetiram os quatro, em uníssono, o cálido sol do Alentejo brilhava, aquecendo os vetustos sobreiros.
Meses mais tarde, nesse reino há sessenta anos submetido, o duque retomaria a linhagem de Afonso, e, aclamado em Lisboa, vitorioso se sentaria no trono. No Largo de S. Domingos,  o biltre Miguel de Vasconcelos, uma vez mais surpreendido, haveria de cair das nuvens…

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