O telegrama
não deixava dúvidas: o doutor Salazar convidava o presidente da Câmara de
Sintra, César Moreira Baptista, para Secretário Nacional da Informação. O
convite datava de 1 de Fevereiro, a posse seria a 26. Ufano, o homem que há
cinco anos “ a bem da Nação” conduzia
os destinos do concelho, era chamado a um alto cargo, porfiara a postura
labiosa e reverente, acondicionando o cabelo, sentiu que chegara a sua hora.
Chamando a secretária, para reunir os colaboradores, deparou no claustro da
Câmara com o Brousse, funcionário há muitos anos e não resistiu a espalhar a
notícia:
-Ó Brousse, ainda bem que o vejo! Já sabe da
novidade? O doutor Salazar chamou-me para o governo!
Habituado à
rotação dos presidentes, Brousse, exteriorizando um moderado júbilo, felicitou o
novo secretário, a Nação só beneficiaria com o seu eloquente contributo.
Moreira Baptista, que aguardava os correlegionários, chamou-o para o seu
gabinete:
-Ah, mas vou sentir saudades disto, Brousse. Já avisei
o Medina do Jornal de Sintra, e o Américo Santos, vêm aí agora!
-E logo agora que anunciou o teleférico para Sintra…- recordou o
Brousse.
-Ah, sim, mas dentro de seis meses será uma realidade!
E o hospital, se tudo correr bem, para o ano arranca! A política de fomento do
senhor presidente do Conselho trouxe Portugal ao reencontro com o progresso! -enfatizou,
só chafarizes inaugurara sete recentemente.
No ano
anterior, Sintra passara por momentos de bulício na sua tradicional pacatez.
Maria Almira Medina, poetisa em ascensão, editara Madrugada, a orquestra de Domingos Vilaça abrilhantara A Tarde das Estrelas, e o presidente
Craveiro Lopes inaugurara a electrificação da linha de Sintra. A operadora do
PBX, também recentemente inaugurado, anunciava uma chamada, era D. António
Corrêa de Sá, Visconde de Asseca, o homem da União Nacional anunciava estar a
caminho. Duas horas depois e todos reunidos, a hora era de júbilo. Após os
abraços, e chegado o Medina do Jornal de
Sintra, D. António usou da palavra:
-Meus senhores, é com a voz embargada pela
emoção mas com o peito inchado e explodindo de alegria que saúdo a nomeação
para as altas funções de que vai ser investido, o Sr. Dr. César Moreira
Baptista! Recordo a sua extraordinária obra, a inauguração do campo do 1º de
Dezembro, a compra do Casino, a abertura de Seteais ou as extraordinárias
piscinas da Praia das Maçãs. Creia-me, Excelência, consigo o progresso chegou a
Sintra, ombreando com as terras mais prósperas de Portugal e até do mundo, onde
Portugal é farol de fé e exemplo de tenacidade!
O
homenageado corava, a bem dizer limitara-se a inaugurar, e muitas obras eram
particulares, as palmas e os muito bem
dos presentes acicataram-lhe a vaidade. O Medina, tirando notas, aplaudia,
outros presidentes haviam passado e várias vezes noticiara obras que nunca
saíram do papel. Matreiro, comentou com o Brousse em voz baixa:
-Então e agora? Já se sabe quem será o substituto?
-Ainda não. Pode ser o visconde, ou o doutor Joaquim
Fontes, o médico…
-Seja lá quem for, que seja melhor que este
penteadinho. Agora vai lidar com a Censura…- Medina aludia ao exame prévio, um
dos pelouros do novo secretário, já tivera problemas, e a Almirinha era suspeita
de companhias indesejáveis. Dos presentes, discursou também Eduardo Gaio,
Medina e Brousse, mecanicamente, acompanharam nas palmas sem escutar o que dizia,
o Medina acabou mesmo por se cruzar com jardineiros que lhe pediram para
divulgar a Festa da Dália nos Aliados,
onde Os Marmorites de Pêro Pinheiro
actuariam.
Parada no
tempo e a sépia, Sintra crescia às portas da cidade grande. Zona balnear em
expansão, só algumas terras porém tinham luz e água canalizada, o festival de
Sintra e o baile das Camélias animavam a saison,
altura em que a sociedade local mostraria chapéus e filhas casadoiras, em tempo
de jogos florais e construções na areia. Em S. Pedro ,continuava a guerra entre
caracóis e papos-secos, contra e a favor da fusão entre os Aliados e o 1º de
Dezembro, e o Carlos Manuel passava filmes em Cinemascope, com direito a camioneta fretada e excursão. A serra,
serena, assistia imutável.
Marcado o
jantar de homenagem com que a sociedade local se despediria do amado e jovem
presidente, Brousse e Medina saíram para a vila, a comentar o caso na Camélia. Joaquim Fontes, soube-se
depois, seria o sucessor, Asseca teria de esperar.
A
25 de Abril de 1974, César Moreira Baptista era ministro do Interior, e um dos
que acompanharam Marcelo Caetano no Quartel do Carmo e com ele seguiram para o
exílio no Funchal. Em Sintra, ninguém mais lembrou o presidente de 1953 a 1958,
e outros foram passando. O Brousse, esse, foi ficando sempre, até aos anos
noventa.
Que bela evocação. Obrigado!
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