Fim de tarde
em Sintra, o cadenciado matraquear das bolas na mesa de snooker acompanhava
as animadas tertúlias do Sabot. Clientes disputando uma partida, ou
jovens da geração recibo verde, anónimos, ou velhos conhecidos, no Sabot
corriam soltas as conversas, abrilhantadas por ávidas imperiais que o Bino
aviava e conduziam sempre à salvação do mundo aí pelo fim da tarde, depois da
enérgica utilização do verbo, e antes dum suculento bife com cogumelos. Rafael, Rafa para
os amigos, apreciava a tranquilidade do local para garatujar letras para as suas
canções e chegou cedo, o Adriano, funcionário das finanças, chegou pelas seis,
particularmente zangado, dois clientes habituais jogavam snooker, uma imperial era urgente, antes que aumentasse o preço.
-Isto só
lá vai com a independência! Já reparaste que Sintra tem mais população que a
Madeira e os Açores juntos? -comentou o Adriano com o Bino, sorvendo a imperial dum trago só -e temos tudo para isso, já viste?
O Rafa, embrenhado nos seus poemas numa mesa do canto, pediu um café, política não era com ele, enquanto o Raposo do táxi chegava também para uma fresquinha. Com a sala composta, Adriano elevou a voz, tinha garantida a audiência, que a pátria salva-se sempre nos cafés, e ao fim da tarde...
-Pois vejam bem, temos castelos, saída para o mar, aeroporto na Granja, indústrias, tribunal, turismo…-ia debitando, uma imaginária bandeira do novo Estado passando-lhe pela vista, a esvoaçar no Castelo dos Mouros, e a galvanizar a sala, entre duas partidas de snooker e mais uma imperial fresquinha.O Raposo concordava, mas essencial era sair do euro antes:
-Tem toda a razão amigo, por este andar daqui a cinco anos estamos todos a comer ervas. Deu-se cabo da agricultura, indústria não há… e a malta nova, andam a tirar cursos para trabalhar em supermercados ou roubar. Não sei onde é que isto vai parar!
Adriano começava a juntar apoios enquanto o Bino aviava mais uma rodada, já com oferta de amendoins, para enxugar, lá fora mais um comboio partia para o Rossio. O revolucionário da tarde continuou:
-Saía-se do euro, e fazia-se uma zona franca em Sintra, um paraíso fiscal, um cluster de industrias criativas, davam-se isenções fiscais às empresas ecologicamente eficientes e universidade gratuita, paga com as receitas da zona franca, iam ver, em dez anos éramos a Suíça da Europa! -continuou, naif, no desejo de mudar o mundo dos outros, já que não conseguia mudar o próprio. O Rafa, contagiado pela ideia do cluster criativo, interrompeu a escrita e juntou-se-lhes, dois adeptos já estavam convertidos, pelo ritmo, à meia-noite, a Rádio Ocidente anunciaria, solene, a secessão de Sintra, micro estado sem exército, ainda assim maior que o Mónaco ou o Luxemburgo. O Raposo insistiu na questão do euro, já a quarta imperial inaugurava o caminho da goela, havia que tomar medidas:
-Eles vão ver aonde vai levar esta política. Vejam uma coisa: um país sem moeda e sem agricultura está sempre dependente dos outros. E o que é que a gente produz? Nada! Até as batatas vêm de Espanha, é uma vergonha!
-Claro! –acicatou o Adriano - se isto fosse independente apoiava fortemente a agricultura! A maçã reineta, as hortas de Almargem, o vinho de Colares…
-Ah, isso sim, boa pinga sim senhor! -atalhou, interrompendo, um dos jogadores de snooker, até ali calado, distraído tocou com o taco numa bola sem ser na branca, estragando a jogada.
-Então e onde é que seriam os limites do tal país? -sondou o Bino, servindo uma tosta mista ao Rafa.
-Para mim, era assim: toda a zona rural, no máximo até Mem Martins. Já viram que daí para lá só há problemas? Além do mais, está tudo construído, não dá receitas, é um fardo em despesas de saúde, educação, há os bairros sociais e os imigrantes. E os IMI’s não rendem, que as pessoas não pagam...-rematou, estava tudo estudado, até o acordo ortográfico seria revisto e proibido na nova Nação.
A conversa fluiu, e a noite caiu rapidamente, os do snooker, terminada a partida, saíram pensando serem todos malucos, levados pelo entusiasmo, os conspiradores ficaram a entoar canções patrióticas, devidamente acompanhadas com canecas, e brindes à revolução, à independência, e até a José Mourinho.
Com a revolução em marcha, já se prometendo bandeira içada na Pena, essa noite, tocou o telemóvel, a voz furiosa e alterada da mulher do Adriano obrigava a mudança de planos, o frango para o jantar nunca mais chegava, e ainda tinha de ir levar o cão à rua. Obediente, lá saiu correndo, adiando-se o golpe de estado para o dia seguinte. Com uns tremoços a acompanhar, se possível.
O Rafa, embrenhado nos seus poemas numa mesa do canto, pediu um café, política não era com ele, enquanto o Raposo do táxi chegava também para uma fresquinha. Com a sala composta, Adriano elevou a voz, tinha garantida a audiência, que a pátria salva-se sempre nos cafés, e ao fim da tarde...
-Pois vejam bem, temos castelos, saída para o mar, aeroporto na Granja, indústrias, tribunal, turismo…-ia debitando, uma imaginária bandeira do novo Estado passando-lhe pela vista, a esvoaçar no Castelo dos Mouros, e a galvanizar a sala, entre duas partidas de snooker e mais uma imperial fresquinha.O Raposo concordava, mas essencial era sair do euro antes:
-Tem toda a razão amigo, por este andar daqui a cinco anos estamos todos a comer ervas. Deu-se cabo da agricultura, indústria não há… e a malta nova, andam a tirar cursos para trabalhar em supermercados ou roubar. Não sei onde é que isto vai parar!
Adriano começava a juntar apoios enquanto o Bino aviava mais uma rodada, já com oferta de amendoins, para enxugar, lá fora mais um comboio partia para o Rossio. O revolucionário da tarde continuou:
-Saía-se do euro, e fazia-se uma zona franca em Sintra, um paraíso fiscal, um cluster de industrias criativas, davam-se isenções fiscais às empresas ecologicamente eficientes e universidade gratuita, paga com as receitas da zona franca, iam ver, em dez anos éramos a Suíça da Europa! -continuou, naif, no desejo de mudar o mundo dos outros, já que não conseguia mudar o próprio. O Rafa, contagiado pela ideia do cluster criativo, interrompeu a escrita e juntou-se-lhes, dois adeptos já estavam convertidos, pelo ritmo, à meia-noite, a Rádio Ocidente anunciaria, solene, a secessão de Sintra, micro estado sem exército, ainda assim maior que o Mónaco ou o Luxemburgo. O Raposo insistiu na questão do euro, já a quarta imperial inaugurava o caminho da goela, havia que tomar medidas:
-Eles vão ver aonde vai levar esta política. Vejam uma coisa: um país sem moeda e sem agricultura está sempre dependente dos outros. E o que é que a gente produz? Nada! Até as batatas vêm de Espanha, é uma vergonha!
-Claro! –acicatou o Adriano - se isto fosse independente apoiava fortemente a agricultura! A maçã reineta, as hortas de Almargem, o vinho de Colares…
-Ah, isso sim, boa pinga sim senhor! -atalhou, interrompendo, um dos jogadores de snooker, até ali calado, distraído tocou com o taco numa bola sem ser na branca, estragando a jogada.
-Então e onde é que seriam os limites do tal país? -sondou o Bino, servindo uma tosta mista ao Rafa.
-Para mim, era assim: toda a zona rural, no máximo até Mem Martins. Já viram que daí para lá só há problemas? Além do mais, está tudo construído, não dá receitas, é um fardo em despesas de saúde, educação, há os bairros sociais e os imigrantes. E os IMI’s não rendem, que as pessoas não pagam...-rematou, estava tudo estudado, até o acordo ortográfico seria revisto e proibido na nova Nação.
A conversa fluiu, e a noite caiu rapidamente, os do snooker, terminada a partida, saíram pensando serem todos malucos, levados pelo entusiasmo, os conspiradores ficaram a entoar canções patrióticas, devidamente acompanhadas com canecas, e brindes à revolução, à independência, e até a José Mourinho.
Com a revolução em marcha, já se prometendo bandeira içada na Pena, essa noite, tocou o telemóvel, a voz furiosa e alterada da mulher do Adriano obrigava a mudança de planos, o frango para o jantar nunca mais chegava, e ainda tinha de ir levar o cão à rua. Obediente, lá saiu correndo, adiando-se o golpe de estado para o dia seguinte. Com uns tremoços a acompanhar, se possível.
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