Lançado o
debate sobre o novo figurino autárquico, imposto pela troika e acelerado pelo governo, encontrando-se no café do
Porfírio, Gregório Alves e Fernando Moreira, autarcas há três mandatos em
Salvaterra do Homem, discutiam o futuro do concelho, algumas freguesias
desapareceriam, renitentes, censuravam a medida:
- Pois é, ó Moreira, lá no seu partido é que
vai ser pior, já viu? Com o sistema de partido que ganha governa, nunca mais
há-de sobrar nada para vocês, é certo e sabido! - Gregório, do partido
vencedor há vários anos, via já no novo modelo uma oportunidade de chegar à
vereação, anos a fio a trabalhar no terreno, e sempre preterido pela concelhia:
-A ver vamos, a ver vamos. Um dia é da caça,
o outro do caçador, nunca lhe disseram?
-Pois eu cá pra mim São Romão e S. Eulália já eram, e
escreva o que lhe digo: vai Brejos de Baixo, Venda Velha e até Unheiro, nem
sei… - agoirou o
Moreira, presidente da junta de Unheiro.
-Há que criar quadros de pessoal partilhados,
economias de escala. Já viu para que serve cada município ter um SMAS, uma
recolha de lixo, uma polícia municipal? -enfatizou o Gregório.
-Ora, ora. Então e a proximidade? Poupa-se
dum lado e gasta-se do outro, vai ver, isto é só para baralhar e tornar a
dar…Primeiro corta-se mas aos poucos diz-se que afinal é só uma experiência
piloto, que não pode haver ruptura de serviços, e lá está tudo igual outra vez.
E as comunidades intermunicipais, servem para quê? Então você vota no seu
partido, tem os seus eleitos e vai entregar tudo nas mãos duns tipos que
ninguém elegeu? São os governos civis disfarçados, é o que é!
Vendo passar
um vereador a caminho da Câmara, Gregório adiantou-se-lhe, precisava do
despacho para uma transferência de verbas com urgência. No boteco do Porfírio,
mais alguns habitués continuaram a
bater no tema, ao Porfírio, fosse quem fosse, desde que vendesse almoços e
bicas, de preferência a benfiquistas, pouco mais interessava, muitos já vira
subir a escada dos paços do concelho ao longo dos anos.
Entrando
para um café, o doutor Simão, advogado em Salvaterra do Homem há longos anos e
apanhando o fim da conversa, meteu-se com o Moreira, essencial para ele era o
perfil dos autarcas, a mudança de paradigma, como com ênfase salientava:
-Amigo Moreira, é tudo muito bonito, podem
mudar as sedes e as competências, mas só com outra mentalidade é que isto lá
vai! -pedindo o adoçante, ajeitou os óculos, enquanto esperava por uma
reunião com um director de departamento: Essencial
é que os eleitos não tenham qualquer tipo de regalias ou imunidades que não
sejam as decorrentes do exercício do cargo, e sobretudo que haja exclusividade
de um só vencimento quando o cargo for a tempo inteiro, proibindo-se acumulação
de cargos que não sejam os de mera representação, vencimentos ou pensões.
Senão, é aquilo que se sabe. Nem para eles nem para as famílias ou amigos! O
mal disto, é a promiscuidade, a falta de ética republicana! -arengou,
granjeando o apoio dos motoristas da câmara, por ali arrastando o tempo
enquanto não os chamassem para um serviço. O Moreira, eleito pela oposição,
aproveitou para mandar indirectas:
-E mais. Não devia ser aceite como candidato
às eleições ou nomeado para lugares em empresas municipais quem fosse
fornecedor de serviços ou tivesse interesses com a câmara ou as juntas. Cá para
mim, depois de sair do lugar, só passados 2 ou 3 anos é que tal devia suceder!
Voltando da
rua, o Gregório ainda apanhou a conversa a meio, na altura em que o doutor
Simão seguia para a sua reunião:
-Pois é, parece que querem acabar com as
pensões vitalícias e proibir que os eleitos venham a receber pensões durante o
exercício de cargos remunerados. Também me parece demais, afinal se as pessoas
descontaram, têm direito, que diabo! Assim ninguém quer vir para a política!
-Mas assim é que deve ser! -insistiu o Moreira - Lá no meu partido também defendemos que se
deve consagrar a suspensão de funções automática sempre que haja a constituição
de arguido em processo. Acabava-se logo com os Isaltinos e outros que tais….
-Até parece que vocês não têm lá nenhum, ó
Moreira. É melhor não falar muito! -o Gregório afinou, desta vez, pedindo
uma Frise postou-se à porta à espera
dum colega da junta, faltava-lhe uma assinatura num documento para voltar à
Câmara a despacho.
Em tarde de
sol, os turistas não paravam de passar, entre a estação e o centro da vila,
centro nevrálgico e improvisado ponto de espera de munícipes e autarcas, o tasco
do Porfírio, com as suas pataniscas e copos de três, era o familiar eco das
opiniões, chingando o poder à porta do mesmo e logo o bajulando à chegada de
algum vereador para um café. Terminada a reunião, o doutor Simão voltou a
entrar para mais uma bebida, a coisa parecia ter corrido bem, deixando escapar
ter sido nomeado para administrador duma empresa municipal, a sua experiência e
visão eram precisas para pôr a mesma a dar lucro. O Moreira, franzindo o
sobrolho, quis tirar nabos da púcara:
-Oh doutor Simão, mas você não é cunhado do vereador?
Simão, atalhando, não deixou o outro
continuar:
-E isso que tem? Parentes, somos todos uns
dos outros, que isto é uma aldeia. Ou as pessoas competentes não podem ter
família? Fique sabendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra, seria
sempre convidado, em qualquer caso. A ética republicana é servir, e não
servir-se, e é para isso que cá estou! -rematou, elevando a voz na parte
final.
-Nem ninguém pensou outra coisa, Dr. Simão! Os meus
parabéns! -concluiu o
Moreira, saindo para a junta, enquanto a mesma não era extinta para evitar
despesas.
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