Novo paraíso. Terra onde a a Primavera
tem o trono. Hans tinha de conhecer essa Sintra de que tanto falavam, o
momento surgiu com o convite dos O'Neill, entre Julho e Agosto. As
chaminés acopladas do Paço, que mais lhe pareciam garrafas de champanhe,
circundadas por aquele êxtase da natureza, confirmavam tudo o que haviam dito:
Sintra era História feita jardim, perfumada e bucólica, recordou-lhe as suas
florestas de Roskilde e os palácios de Elsinore, a cidade onde crescera e aprendera as
primeiras letras.
Hans Christian Andersen depressa
se afeiçoou aos amigos portugueses. A viscondessa de Reboredo, filha do
almirante Zahrtmann, e dinamarquesa como ele, recebeu-o com entusiasmo, bem como
o conde de Almeida e o marquês da Fronteira. Por cá descobriu também um amigo
de Copenhaga, Edward, filho do poeta Lytton-Bulwer, segundo secretário da
legação britânica em Lisboa. A comida era boa, o ambiente familiar, por Sintra
ficou até o barco para França chegar.
Nesses dias, com Edward e José
O’Neill visitou a Pena e Monserrate, verdadeiros palácios de fadas. A igreja
românica fronteira à casa dos 0’Neill transportava-o já por si para eras
medievais, sugerindo princesas trancadas em torreões e ogres escondidos na
serra, os palácios, no alto, eram um verdadeiro olimpo, logo na sua
imaginação transformados em histórias que os leitores por certo devorariam,
suspensos do desfecho. Era belo Portugal, e esfuziante a Sintra onde o
levaram.
Em Monserrate, um episódio lhe
captou a atenção: num lago, um pequeno cisne partilhava o ninho com uma
pata e seus rebentos. Órfão, por certo, diferente dos outros, apesar de
recolhido, era porém perseguido e maltratado pelos outros patos. Hans várias
vezes ali parou a observá-lo, bastardo, quem sabe se uma vez adulto não levantaria asas
e dominaria o lago, qual príncipe da feteira. Tal como ele, que filho dum sapateiro
tivera de se criar em casa de outros, e só adulto fora reconhecido pela
aristocracia, logo ali encontrou uma alma gémea, um patinho feio que um dia viraria
um esbelto cisne, conquistando a floresta encantada de Sintra.
Carlota, a filha dos O’Neill,
simpatizou com ele, quem escrevia para crianças só podia ter um bom coração. Uma
noite, após o jantar, quis que ele fosse ao seu quarto e Hans foi, de mão dada,
ante a advertência da mãe de que não importunasse o amigo. No quarto, uma
boneca de porcelana sobre a cama, loura e sorridente, olhava na direcção dos
dois. Carlota pegou-lhe e mostrou-a ao escritor:
-Esta é a Bárbara, é a minha
melhor amiga. Gosta dela? -perguntou, na inocência dos seus cinco anos.
Hans sorriu, pegando na frágil boneca:
-É linda, Carlota. Brincas
muito com ela?
-Sim…Mas quando a deixo para
ir às aulas de piano, ela fica muito sozinha. Acho que precisa de um amigo!
-Pois é…tens de lhe arranjar
uma companhia. Mas ela se for uma amiga verdadeira, vai esperar por ti, para
brincarem juntas. E às vezes devias levá-la à serra ou à vila, acredita, ela ia
ficar contente!
De volta à sala, alguns amigos dos O’Neill chegavam já para jantar, famoso, muitos o queriam
conhecer pessoalmente.
Os restantes dias foram de descanso
e descoberta. No lago, o pequeno cisne lá continuava, ainda trôpego, Hans
antevia-o já adulto, quando o Inverno chegasse e a Natureza ditasse as suas
regras.
No início de Agosto, o navio vindo
do Rio e que o levaria a Bordéus chegou finalmente, duas semanas haviam
passado. Um último jantar foi organizado em sua honra e a pedido de Hans,
Carlota por essa vez jantou com eles à mesa. Antes dos brindes, escreveu no álbum dos
O’Neill:
Quando, querendo Deus, em
breve passear/Nas galerias de faias do meu país natal/Voará muitas vezes meu
pensamento/Para o belo país que é Portugal.
Fora uma jornada magnífica. Pela
manhã, antes de a carruagem o levar a Lisboa e das despedidas, acariciou
Carlota e puxando um embrulho, deu-lho, com voz de mistério:
-Isto é para ti, e para a
Bárbara. Mas abre só depois de eu partir. As duas vão gostar, vão ver!
Mal a carruagem desapareceu na
curva de Santa Maria, Carlota correu a abrir o embrulho. Era um soldadinho de
chumbo, azul e vermelho, com um chapéu em feltro preto. Doravante, não mais
Bárbara ficaria só, quando a deixassem sobre a cómoda do quarto. Para ela
também chegava enfim um Príncipe Encantado.
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