O Senhor de Tréville tinha uma
missão para D’Artagnan e companheiros, desta feita acertada com o Cardeal, e
para lá dos Pirinéus. Nesse Março de 1640, a Richelieu chegara a notícia que estaria em curso uma
tentativa de assassínio do Duque de Bragança, em Portugal. Em ebulição
política, a par da Catalunha, o Portugal ocupado via no descendente dos Avis
uma esperança para a restauração do trono, ocupado por Filipe IV, inimigo da
França. Como dizia o Cardeal, os inimigos da Espanha, nossos amigos são, dessa
forma havia que proteger o pretendente e acarinhar a revolta. Conspirava-se em
Lisboa, e a França apoiava.
-Messieurs, La France a une
mission pour vous, a Lisbonne- M. de Treville, com voz grave e contorcendo
o bigode, juntava os fiéis mosqueteiros para nova e delicada tarefa. Animado,
Porthos esfregou as mãos, cansado dos botequins de Paris e de perder ao jogo
com Aramis. Depois de uma pausa, Treville sacou de uma carta de Duprés, espião
da França em Portugal:
-Chegou ao nosso conhecimento
que a vice rainha de Portugal, a Duquesa de Mântua, oferecerá uma recepção
para assinalar o aniversário do rei de Espanha, dia oito de Abril, em Sintra,
uma vila a trinta quilómetros de Lisboa. O duque estará presente, bem como
nobres ligados à conspiração, Antão de Almada e Pinto Ribeiro, que são da nossa
confiança. Duprés relata contudo que o secretário da Duquesa, Miguel de
Vasconcelos, tem montada uma emboscada ao duque, no caminho para a recepção, de
modo a liquidar a pretensão dos conjurados. É do interesse da França travar
essa armadilha. O Cardeal, apesar de ainda estar aborrecido convosco, reconhece
que sois os melhores para lidar com a situação, e dá-vos carta branca para
agir. Sobretudo, é precisa muita discrição. Partem amanhã, de La Rochelle, num navio
com destino a Portugal.
Entusiasmados com a missão,
os três amigos correram a comemorar com Planchard e Bazin, na Taverne d’Avignon. Athos receava
os mosquitos, diziam haver muitos no Sul, alegres, lá se prepararam para o novo
desafio, bem longe de Paris.
-Amigos, um por todos e todos
por um!- clamou D’Artagnan, logo repetido em uníssono, a espada
desembainhada numa mão, e copos de Bordéus na outra.
Dias mais tarde chegaram a Lisboa,
sem os uniformes de mosqueteiro, alegadamente viajantes da Bretanha em busca de
produtos orientais, mais baratos que em Gand ou Antuérpia. Discretos,
alojaram-se numa estalagem perto do Cais de Sodré. Lisboa trepidava de comerciantes,
sobranceiros soldados espanhóis patrulhavam a cidade em nome do rei de Espanha.
Sentia-se contudo um mal-estar no ar, os agentes do duque de Olivares pensavam
estar a preparar-se algo para os finais do ano, explicou Duprés, o contacto na
cidade. Junto ao Hospital de Todos os Santos, populares tinham recentemente sido presos por
dar vivas ao Manuelinho, um rebelde que três anos antes tentara um levantamento
em Évora.
A recepção seria na noite de dia oito, o duque iria de Lisboa, pela tarde. As festas dos espanhóis aborreciam-no, mas não
podia recusar estar presente de forma ostensiva. Era esperado às seis, para o jantar, posto o que um
grupo andaluz actuaria depois. Pelas informações de Duprés, a emboscada seria
numa charneca perto dum vilarejo chamado S. Pedro, na estrada que conduzia ao
Paço. Tropas de Olivares patrulhavam desde Lisboa, havia que ser discreto. Aí,
pretensos salteadores, de facto a mando de Miguel de Vasconcelos, atacariam
a comitiva e assassinariam o duque, simulando um banal assalto, por esses
tempos frequente nas estradas de Sintra.
A cavalo, e com os mosquetes
disfarçados, dirigiram-se ao local. Eram quatro horas, detendo-se num sítio
chamado Ramalhão, aí tomaram posições, Aramis, melancólico, gostou do sítio, e
absorveu o odor a pinheiro manso, seduzido pela suave fragrância. Pelas
cinco, encapuzados aí largados por cavaleiros falando castelhano, ocuparam
posições atrás das moitas, sem que os mosqueteiros se deixassem ver. À cautela,
Duprés ficou mais afastado, guardando os cavalos e protegendo a retaguarda.
O restolho das rodas, cadenciado
pelos cascos dos cavalos na folhagem, anunciou a aproximação da carruagem. O
brasão dos Braganças estampado na porta não deixava dúvidas, D. João, meio
absorto, e olhando a serra, chegava para a inevitável recepção. Poucos metros
faltavam para chegar perto dos embuçados, já estes desembainhavam as espadas,
um deles, de ar facínora, logo empunhou uma adaga afiada. De surpresa Athos, Porthos, Aramis
e D’Artagnan saltaram-lhes ao caminho, envolvendo-se em luta corpo a corpo.
Porthos, cerrando os dentes, delirava e em poucos minutos dois ficaram-lhe nas
mãos, Aramis e os outros neutralizaram os restantes, surpresos pela
inesperada armadilha, só um, assustado, logrou fugir, chamando pela Virgem Macarena. Espreitando
pelo postigo, o duque de Bragança quis saber o que sucedia. Respeitosos, os
mosqueteiros apresentaram-se, saudando-o, e explicando o ardil. D. João,
percebeu o sucedido e agradeceu, mais tarde e com tempo gostaria de os receber.
Em Sintra, entretanto, Miguel de Vasconcelos
sorria. A recepção estava a começar, e ensaiava a cara de consternação que
disfarçaria quando os soldados chegassem a comunicar-lhes a morte do duque. No
pátio árabe, Margarida de Sabóia, Duquesa de Mântua, há seis anos vice-rainha
recebia os convidados: Grandes de Espanha, patentes militares, alguns portugueses
coniventes com os negócios ibéricos. Para espanto de Vasconcelos, a comitiva do
duque chegou incólume, sendo este efusivamente saudado pelo povo, para
irritação dos espanhóis. A tramóia falhara. Cínico, e com uma vénia, recebeu o
duque na escadaria. A recepção continuou, por esta vez, os espanhóis e os
traidores portugueses falhavam os seus intentos.
Dias mais tarde, em Vila Viçosa,
D. João recebeu os mosqueteiros para lhes agradecer, obsequiando-os com uma
caçada, a que se seguiu lauto almoço, o melhor momento, para Porthos, tão amante
do uso do garfo quanto o da espada. Após uns dias de repouso, finalmente partiram. Já a cavalo, na
estrada para Espanha, D’Artagnan desembainhou a espada, elevando-a no ar e
desafiou: Um por todos!
-E todos por um! -repetiram os quatro, em uníssono, o cálido sol do Alentejo brilhava, aquecendo os
vetustos sobreiros.
Meses mais tarde, nesse reino há
sessenta anos submetido, o duque retomaria a linhagem de Afonso, e, aclamado em
Lisboa, vitorioso se sentaria no trono. No Largo de S. Domingos, o biltre
Miguel de Vasconcelos, uma vez mais surpreendido, haveria de cair das nuvens…
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