Abaixo reproduzo o essencial da minha comunicação como Presidente da Alagamares-Associação Cultural, ao IV Encontro de História de Sintra, que decorreu no Palácio Valenças em 29 e 30 de Maio:
"Exmos. Senhores
Pela quarta vez, depois de 1993,1997 e 2007, se vai realizar um Encontro de
História de Sintra, desta feita sujeito ao tema “Historiadores Sintrenses”,
numa homenagem aos inúmeros estudiosos da temática sintrense, e, curiosamente,
com início no dia em que decorrem 127 anos do falecimento de um dos mais
importantes entre eles, o 2º Visconde de Juromenha, autor da célebre e
incontornável Cintra Pinturesca. Falecidos ou ainda vivos, foi através
deles que os Estudos Sintrenses se desenvolveram, das Artes à Política, da
Arquitectura às Ciências Sociais.
A Alagamares, associação criada em Sintra em 2005 com mais de 350
associados e mais de 120 eventos realizados neste período, entre colóquios,
tertúlias, caminhas históricas e pedonais, workshops, etc, tem vindo a intervir
ao longo destes anos activamente em áreas como a defesa do património, promoção
de obras de autores sintrenses, consagrados e inovadores, divulgando a nossa
História e tradições e cultivando a cidadania sintrense, num apego não só aos
valores locais que definem a nossa idiossincrasia, mas abraçando igualmente uma
cosmovisão do mundo como um todo, e da cultura como acto inteiro e global. Como
tal, não podia deixar de promover este evento, sete anos depois de ter organizado
o III Encontro.
Neste evento, para o qual contamos com o saber dos mais profícuos autores
de temas relacionados com Sintra, seus espaços e tempos, procurámos reunir a comunidade
científica local, investigadores de grande
qualidade e com anos de devoção e visão crítica, almejando contrariar a não
inscrição atávica de que padece ainda a sociedade portuguesa, nas acertadas
palavras de José Gil, bem como dar a conhecer novos e inéditos contributos para
a História Local, assim dinamizando a nossa vida cultural e o debate em torno de temas novos e sedutores
e de clássicos nunca definitivamente estudados.
Pretende-se com esta iniciativa continuar a contribuir para a construção de
um espaço cultural público local e plural, contra a retórica que mais não faz
mais que perpetuar a inércia e o fechamento sobre si próprios de muitas
estruturas e agentes da nossa vida cultural, ignorando que a Cultura é de todos
e para todos. Quem melhor poderá contribuir para as necessárias e urgentes
alterações políticas, sociais e culturais senão os agentes culturais, na sua
diversidade de interesses? E assim procedendo, não estaremos a contribuir para
a cidadania livre por oposição à reverência domesticada, na prossecução de uma biopolítica
em estreita conexão com as actividades criativas e o mundo da investigação?
Há que estimular os sistemas culturais urbanos, designadamente nas cidades
de média dimensão com a valia histórica e a herança de Sintra, e aí, cabe às
instituições como as Câmaras Municipais, entre outras, assumir um papel de catalisadoras
e facilitadoras dos processos criativos, artísticos e culturais promovidos pela
sociedade civil, o que ocorre com este evento.
A revitalização cultural de Sintra passa pela criação de sinergias e
parcerias entre os agentes culturais rumo a um paradigma de cidade criativa,
aprofundando a conjugação de 3 linhas de força a que Richard Florida no seu
livro The Rise of the Creative Class chamou os 3 T:Talento,Tolerância e
Tecnologia. Os passos a dar passam, não pela proliferação de eventos culturais vindos
de fora, mas, pela disponibilização de espaços que possam ser centros de
criatividade, encontro e troca de informações, ateliers e estúdios onde se
possam instalar associações e pequenas empresas, fomentando uma economia
criativa, nas mais diversas áreas e onde possa haver uma virtuosa partilha de
informação. Este conceito catapultou já cidades antes adormecidas para novos
paradigmas, como Sheffield, em Inglaterra e Helsínquia, com o seu Design
Distrit. Porque não Sintra?
A Cultura contribui hoje de forma relevante para o PNB, como recentes
estudos o demonstraram. Sintra Criativa, firmada num legado maior, o da Sintra
Humanista, pode ser essa Marca, apostando na Economia da Cultura num território
pleno de condições naturais, população jovem e criativa, e factores de
localização que podem gerar efeitos multiplicadores com repercussões em toda a
actividade económica.
Depois do case study que
constituiu a recuperação do Chalé da Condessa d’Edla, para o qual a Alagamares
se mobilizou fortemente nos últimos anos, e tendo esses desideratos como meta,
continuaremos a promover o estudo e preservação do património de Sintra, com
especial enfoque nos alertas para o património em risco, valorizando o
ordenamento do território, a arquitectura de qualidade, os valores
paisagísticos e o turismo sustentável, com respeito pelos habitats naturais, o meio
ambiente e o nosso valioso legado histórico. Salientamos, pela sua urgência,
uma intervenção necessária na Quinta da Ribafria, em degradação acelerada, no
Convento dos Capuchos, no casal de S. Domingos, na casa de Francisco Costa, e
em geral, em todo o património arqueológico em risco, bem como a resolução do problema
do trânsito e estacionamento no Centro Histórico, ainda hoje um dos problemas
pendentes e sempre presente nos relatórios da UNESCO sobre o estado da Paisagem
Cultural Em respeito, aliás, pelo propugnado pela declaração de Aranjuez que
apela à participação dos cidadãos na defesa activa do património, acompanhando
as tarefas de recuperação onde as haja numa parceria virtuosa com as
autoridades gestoras desse mesmo património.
Nesse fio condutor, acompanharemos igualmente o estudo e discussão dos
planos de ordenamento do território, nomeadamente a revisão do PDM de Sintra,
do plano da Orla Costeira Sintra-Sado, do PNSC ou o de Groer, e outros,com
promoção de sessões públicas de acompanhamento e esclarecimento, para tanto institucionalizado
um Painel de Intervenção Cívica de composição multidisciplinar visando
observar, listar e procurar resolver situações onde esteja em causa o bem-estar
e o desenvolvimento a nível social, cultural, ambiental, patrimonial e
económico em Sintra, elaborando uma lista de risco de casos prioritários e
procurando reunir com os intervenientes e moderar a resolução dos casos mais
prementes. O diálogo e os contributos críticos e positivos são uma imagem de
marca da Alagamares, quando, sendo impossível o diálogo tenha de usar a pressão
e legítima denúncia na praça pública, promovendo as iniciativas que se mostrem
necessárias junto das entidades competentes, sempre com espirito construtivo e
pró-activo, de parceiro e não inimigo.
Sendo a Alagamares-Associação Cultural cultora da memória colectiva, os
vultos de Sintra estarão sempre na nossa agenda e apreço mencionando-se a
título de exemplo o quanto Sintra deve a figuras como M. S. Lourenço,
Bartolomeu Cid dos Santos ou Carlos de Oliveira Carvalho, o Carvalho da Pena,
entre outros.
Neste início dos trabalhos, uma palavra para evocar Raúl Lino e Ferreira de
Castro, de cujo desaparecimento se assinalam em 2014, 40 anos, figuras que
moldaram Sintra na paisagem e nas letras. E os 40 anos da Comissão
Administrativa que dirigiu Sintra nos primeiros dias da Liberdade, guiada pelo
saudoso José Alfredo, e cujos membros o IV Encontro deseja saudar, sabendo
estarem ainda vivos alguns dos primeiros timoneiros duma barca que entretanto
cresceu em dimensão, e problemas também. E relembrar os 500 anos do foral
manuelino, e os 25 do lançamento da saudosa revista Vária Escrita, durante
alguns anos veículo cultural de excelência e a carecer de um herdeiro à altura,
ainda que saibamos serem magros os tempos e avaros os orçamentos.
Meus senhores e minhas senhoras, caros amigos
Como parceira para o diálogo, a Alagamares
interage com a sociedade, e quer dela beber experiências, rasgar
caminhos e ser agente de mudança, continuando a ser um parceiro e actor
cultural, na sequência dos seus nove anos de actividade e dezenas de eventos realizados nas mais
diversas áreas, mas quer sobretudo divulgar e aprender, para tanto se balizando
pela discussão e abordagem permanente de assuntos novos ou em novas
perspectivas. Como disse Miguel de Unamuno, “a erudição é, em muitos casos,
uma forma disfarçada de preguiça intelectual ou um ópio para adormecer as
inquietações íntimas do espírito“. Não somos um núcleo de eruditos, mas continuaremos
a ser artesãos do Saber, sem dirigismos, dogmas ou espírito de capela, assim
cumprindo a nossa missão de cidadãos. A participação entusiasta e crítica nas
actividades e na vida associativa é a pedra angular do sucesso e eficácia da nossa
associação. Em tempos de usura financeira, não permaneceremos anémicos, mas
interventivos, cientes de que a cidadania activa deve ser congregadora de
sinergias. Rejeitamos a desistência e com entusiasmo e pés assentes no chão
proclamamos a nossa vontade de afirmar a Cultura como um dever social e a
acção mobilizadora como propulsora de novos horizontes.
Falando de Sintra e da sua magia, Taylor Moore, um amigo da Alagamares que
desde há dois anos se dedica a divulgar pela imagem o feitiço visual deste
local ímpar, usou recentemente uma expressão que é em si um programa de acção
para a nossa associação e para os defensores do património em geral: Sintra. Building
a Legacy. Construir um Legado. Para isso cá estamos, iguais entre muitos, mas
atentos e críticos, cidadãos e criativos, certamente.
Estamos na estrada, não estamos na berma.
O desejo que os trabalhos sejam profícuos, participados e, sobretudo,
enriqueçam o acervo documental de Sintra, seja pela futura edição das
comunicações produzidas, seja pela sua difusão nas modernas plataformas de comunicação
ao dispor.
Muito obrigado."
Sem comentários:
Enviar um comentário